Demarcação de fronteira com a ZAR em 1890 - chegando ao rio Singuetsi / Singwedsi e ao campo 26 (10)
Continuamos com a comissão de demarcação da fronteira entre Portugal (Moçambique) e a ZAR (Zuid-Afrikaansche Republiek ou SAR dos boer) de 1890, chefiada por Freire de Andrade (FA) e Von Williegh. Este artigo falará dos três últimos marcos erigidos até ao que fica mais a norte, o T, erigido junto ao rio Shinguedzi / Singwedsi / Singuédzi / Singuedeze ou Singuetsi como FA lhe chamava. Diz-se na wikipedia que esse rio é um afluente do rio dos Elefantes (que por sua vez o é do Limpopo) e que está seco durante longos períodos. Mostro duas imagens recentes dele no Kruger Park na África do Sul antes da sua passagem pelos montes Libombos e entrada em Moçambique pois para essa zona da fronteira não encontro fotos tiradas pela comissão em 1890 e disponibilizadas pelo ACTD.
Rio Shingwedsi no Kruger Park da África do Sul com pouca água |
Rio Shingwedsi na África do Sul sem água |
Muito mais imagens do rio podem ser encontradas aqui incluindo algumas em que o seu leito bastante largo corre cheio, presumo que quando há períodos de chuva intensa na região.
Neste artigo começamos, de sul para norte como foi o sentido de deslocação da comissão, pelo marco R sobre o qual escreve FA c. da pág. 181 do relatório (pdf aqui) que fica num pico um pouco para norte doutro com a forma de pão de açúcar (por aqui no google maps) e que dele se avista(va)m os marco anterior (o Q) e o seguinte (S).
Neste artigo começamos, de sul para norte como foi o sentido de deslocação da comissão, pelo marco R sobre o qual escreve FA c. da pág. 181 do relatório (pdf aqui) que fica num pico um pouco para norte doutro com a forma de pão de açúcar (por aqui no google maps) e que dele se avista(va)m os marco anterior (o Q) e o seguinte (S).
Sobre o marco S, escreve FA c. da página 35 do relatório: "Tendo saído do Nitsintsa... fomos acampar junto do rio Tsabane, de uns 3 a 4 metros de largo, de agua corrente, dirigindo-se para OE até aos montes e voltando para o norte bruscamente a vasar-se no Singwedsi . Perto da curva do rio foi collocado o nosso penúltimo marco". Noutra parte do relatório FA clarifica melhor o trajecto dessa ribeira ou rio dizendo que "corre sensivelmente oeste-este, mas ao chegar ás montanhas curva-se para a norte". Aceitando que essa ribeira se chama agora Tshivani em vez de Tsabane, na imagem de google maps aqui podemos curiosamente comprovar o que FA descrevia (mas quem fosse procurar o marco só com essa indicação podia ficar confundido pois o rio fazia mais ângulos desse tipo nessa zona):
IMAGEM google maps
Amarelo: montes Libombos Verde: zonas arborizadas Preto: fronteira entre a África do Sul e Moçambique Azul: ribeira / rio Tshivani / Tsabane fazendo um ângulo recto perto do marco |
FA escreveu também que o marco S foi colocado num pico tendo sido "o mato e o arvoredo em volta delle bastante cortado". Podemos ver na imagem de cima que essa zona da fronteira ainda é arborizada, ou pelo menos é-o mais do que a que a rodeia. Pelas imagens dos rios suponho que em 1890 que a região fosse mais húmida e com muito mais vegetação.
Sobre os locais onde a comissão estabeleceu acampamento (os campos), vê-se a seguir a parte da tabela do relatório português que vai do campo 24 (o da portela do rio "Ntsintsa" para a construção do marco Q visto no artigo anterior) ao campo 26, o do rio Singuetsi / Singuedeze e do marco T:
TABELA do relatório de 1890
Foram percorridos cerca de 32 km (se fosse em linha recta) entre os campos 24 e 26 em cerca de 5 dias |
CARTA DE 1892 COM A FRONTEIRA MARCADA
Azul médio (em cima): rio Shinguedzi / Singwedsi / Singuédzi / Singuedeze / Singuetsi Azul claro: rio / ribeira Tsabane / Tshivani
T: último marco nos montes Libombos, mas a fronteira continua para o Pafuri
flectindo aí para norte - noroeste
Vermelho: paralelo ao equador a 23°19'54.9"S, o do campo 25
Preto: linha de fronteira até ao marco T (o último erigido nesta fronteira e que ficou na margem norte do rio Singwedsi) Carmesim: percurso da comissão da ZAR, pelo menos Azul (em baixo): portela do Nitsintsa, perto do marco Q |
A longitude do campo n. 25 que também vem na tabela, 31°41'23.1"E, tem de ser tratada com cuidado pois levava-o para aqui, demasiadamente para leste dos locais que FA descreveu e que Jeppe representou na carta. Mas basta-nos ver a latitude do campo e saber pelo que FA disse que ficou perto da ribeira "azul claro" para se dizer que a sua posição foi escolhida para servir para a construção dos marcos R e S. Estes seriam cones em pedra seca como este e a grande maioria dos outros.
Também podemos ver que está um número 25 marcado na carta o que corresponderá a um campo e a carta mostra-os desde o primeiro. Todavia como a linha "carmesim" que os liga está sempre do lado da fronteira da ZAR = Transvaal = África do sul em princípio esses são os campos sul-africanos e pelo relatório compreende-se que houve campos comuns (ou melhor muito próximos) e separados. Como nesta parte superior dos Libombos havia planície do lado oeste = ZAR subindo o terreno abruptamente do seu limite a leste para o plateau, era por esse lado o melhor caminho para as carretas das comissões e com a vantagem também de ficar próximo da linha da fronteira. Presumo então que a comissão portuguesa tenha sido autorizada a seguir desse lado sul-africano também pela linha carmesim e por isso que nesta parte as duas teriam estabelecido campos comuns ou muito próximos ("achismo" HoM). Certo é que na carta de Jeppe estão marcados 26 campos o que em termos de número é igual ao total da comissão portuguesa como se vê na TABELA.
Pode ver-se na carta de Jeppe que o campo 26 foi construido já na margem norte = esquerda do rio Shinguedzi / Singuédzi / Singuedeze. Segundo FA (ver mais completo em NB1) esse campo foi a base para a construção do marco T que foi por aí colocado num pico de terreno e a cerca de 4.5 km do rio. Esse marco T no google maps estará por aqui ao centro pois a partir daí a linha da fronteira flecte para a esquerda para seguir em recta até ao Pafuri. Não sei se actualmente existem marcos modernos nas posições definidas em 1890 ou se terão sido instalados marcos adicionais nesta linha de fronteira aos de A a T que seguimos aqui. Lembro que na linha sul da fronteira de Moçambique com a África do Sul se vê aqui um marco de 1959 a sul da Ponta do Ouro.
Curiosidade técnico / geográfica é constatar-se que na carta de Jeppe a ribeira / rio Tshivani / Tsabane desaguava no rio Shinguedzi / Singwedsi / Singuédzi / Singuedeze ou Singuetsi do lado da África do Sul mas no google maps (aqui) aparece como desaguando já em Moçambique. Parece-me que Jeppe confundiu a sua foz com a dum rio Dzombo que vem da esquerda e desagua um pouco a montante, ainda antes da fronteira. Com imagem de satélite tudo é mais fácil mas foram precisos mais de 100 anos de desenvolvimento acelerado da humanidade para esta tecnologia se ter tornado possível.
Curiosidade técnico / geográfica é constatar-se que na carta de Jeppe a ribeira / rio Tshivani / Tsabane desaguava no rio Shinguedzi / Singwedsi / Singuédzi / Singuedeze ou Singuetsi do lado da África do Sul mas no google maps (aqui) aparece como desaguando já em Moçambique. Parece-me que Jeppe confundiu a sua foz com a dum rio Dzombo que vem da esquerda e desagua um pouco a montante, ainda antes da fronteira. Com imagem de satélite tudo é mais fácil mas foram precisos mais de 100 anos de desenvolvimento acelerado da humanidade para esta tecnologia se ter tornado possível.
No próximo artigo veremos algo mais sobre o desenrolar dos trabalhos da comissão e a carta de Jeppe dessa zona.
NB2: Há muitas fotos do Campo Shingwedzi que fica no canto a nordeste do parque natural sul-africano e por isso perto da fronteira de que aqui acompanhamos a marcação e que podem ser vistas neste artigo.
NB3: Tomando como referência os marcos de fronteira aqui seguidos, é entre o marco Q a sul e a faixa compreendendo os marcos R e S a norte que está a divisão da bacia hidrográfica do Incomáti a sul e a do Limpopo a norte. Esse é um dado importante sobre o relevo da zona e que FA refere no relatório da comissão portuguesa.
NB3: Tomando como referência os marcos de fronteira aqui seguidos, é entre o marco Q a sul e a faixa compreendendo os marcos R e S a norte que está a divisão da bacia hidrográfica do Incomáti a sul e a do Limpopo a norte. Esse é um dado importante sobre o relevo da zona e que FA refere no relatório da comissão portuguesa.
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