Demarcação de fronteira com a ZAR em 1890 - EM, FA e l'École des Mines de Paris (25)

Continuemos o artigo anterior no que respeita à vida de Elvino Mezzena (EM) em Itália e na Europa antes de ter em 1890 participado em Moçambique na comissão de demarcação de fronteira com a África do Sul. 
Tinhamos visto aí que se tinha licenciado em Engenharia Industrial em 1885 e que tinha sido funcionário público até ao início de 1890, podendo-se dai presumir que tivesse entrado para os quadros do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio provávelmente a seguir à obtenção do diploma.
livro "Europa Mineraria: circolazione delle élites e trasferimento tecnologico ..." de Donata Brianta explica o processo de formação especializada de engenheiros italianos na segunda metade do século XIX em geologia, pesquisa geológica e minas que era feito nos paises europeus mais avançados nesse domínio, a França e a Alemanha. O atraso italiano devia-se à fragmentação antes da unificação em 1861 e à marginaIidade do seu sector mineiro no contexto europeu. Inicialmente essa especialização era únicamente feita nÉcole de Mines de Paris e mesmo havendo mais opções em 1885 foi essa a que EM escolheu quando foi indicado. Presumo que em 1895 EM estivesse já ligado ao "Ufficio Geologico" ou seja ao serviço público italiano de Geologia que pertenceria à Direcção da Indústria do ministério onde era quadro. 
Esta é a fachada principal da prestigiada École (Nationale Supérieure) des Mines de Paris e mais ou menos como Mezzena a deverá ter conhecido, no Quartier Latin, perto dos Jardins do Luxemburgo em Paris.
École des Mines, boulevard Saint Michel em Paris
L'École des Mines, Paris - entrada principal ainda actual (MINES Paris Tech)
Infelizmente a pág. 248 do livro Europa Mineraria de Donata Brianta no google que daria mais detalhes sobre EM em Paris não está disponível. Mas como se pode ver do seu anexo, EM obteve em Paris nota C, certificado de estudo, pelo que pertenceu ao topo 3 dos estudantes italianos que se especializaram em "minas" no estrangeiro de 1882 a 1889. 


TABELA DE NOTAS
Vermelho: dados relativos a Elvino Mezzena (EM)

Numa das páginas do livro aparecem listadas as visitas de estudo e estágios feitas por EM durante o curso em Paris e que foram em França, na Inglaterra e no País de Gales a minas e a fábricas metalúrgicas e nos anos de 1886 e 1887. Como vimos, EM era Engenheiro Industrial mas estava a especializar-se na indústria mineira o que explicará o seu interesse nessas duas facetas. 
É de notar que a École des Mines era mais genérica do que o nome e os altos conhecimentos de FA em geologia (que evidencia no relatório da comissão e se reconhece da vida profissional posterior) podem sugerir. Conforme se lê na wikipedia a escola foi fundada com o objetivo de formar "diretores inteligentes" para as minas de França, um sector económico estratégico e que "necessitava (de) lidar com problemas tão diversos quanto geofísica ou geopolítica, passando por gestão e segurança industrial. Os engenheiros de minas eram, então, formados para resolver essa ampla gama de desafios" o que se "reflete ainda hoje na diversidade da formação oferecida pela escola". Certamente que geologia seria lá uma das grandes áreas de estudo e FA talvez tivesse gosto especial por ela e a tenha decidido aprofundar, quanto a EM fiquei que a sua carreira foi também nesse sector, inicialmente em minas e depois parece que alargando à indústria. 
Como se pode ver aqui Freire de Andrade (FA) e EM foram colegas na l'École des Mines de Paris em 1887 e deduzo que tenha sido o conhecimento mútuo aí adquirido a razão principal para a posterior presença de EM em Moçambique. FA em 1890 tinha sido nomeado "Comissário geral de minas, de pedras preciosas e metais nobres" e deve ter convidado EM para o ajudar a estabelecer o novo serviço. Isso explicará (aqui série de "achismos HoM sempre no condicional, ou seja possíveis pistas para investigadores profissionais ....) a demissão de EM da função pública italiana no início de 1890 como vimos no artigo anterior
Vê-se então que EM foi em Paris, numa "grande escola", um estudante de mérito tal como o tinha sido na licenciatura em Turim em 1882. Em 1890 era funcionário público italiano e já tinha alguma experiência pelo que não terá sido por falta de oportunidades académicas e/ou profissionais em Itália ou na Europa que terá ido para Moçambique, o que resolve uma das questões que eu tinha. 
Para além da amizade com FA, o que terá levado EM a Moçambique? Certamente que o salário que o estado português lhe oferecia não seria muito superior ao italiano. Há a hipótese do gosto pela aventura mas EM já não era um adolescente, FA (1859-1929) tinha nessa altura cerca de 31 anos de idade e presumo que EM fosse um pouco mais jovem dado que não tinha tido a formação militar de FA. Importante terá sido então o desafio profissional dum território virgem sob o ponto de vista científico à sua co-responsabilidade, por exemplo para preparar a primeira carta geológica de Moçambique que devia ser uma prioridade para FA. Mas é também "achismo" meu que em 1890 EM estivesse intrigado com a extraordinária riqueza mineira sul-africana (descoberta do ouro do Rand em 1886, dos diamantes uns dez anos antes) e pensado que poderia encontrar em Moçambique recursos naturais semelhantes e de repente tornar-se "rico e famoso". Mas como sabemos o caso geológico sul-africano é muito particular e continuando o meu "achismo" EM ter-se-á desiludido com a (relativamente baixa) riqueza mineira de Moçambique e decidido regressar à Europa. Porque não foi para a África do Sul onde alguém com as suas qualificações teria em princípio muitas oportunidades seria uma interessante questão a tentar perceber. 
De notar que para a saída de EM de Moçambique pode ter também contribuido o regresso de FA a Lisboa em 1893 mas este, passados dois anos, voltou ao território integrando a equipa do novo Comissário-Régio António Enes que tomou posse do cargo em março de 1895.
Não sei exactamente quando EM regressou a Itália mas segundo um livro de Michele Curcuruto "tornou-se gerente geral da minas da Sociedade Montecatini. Foi gerente geral da mina Trabonella de 1897 a 1900" e Director Geral da MINIERA GALLITANO, tudo minas de enxofre na Sicília, uma zona importante para a exploração desse mineral segundo se percebe deste livro. Sobre essa fase da carreira de EM, subsequente aos anos em Moçambique, diz também o livro que ele projectou um tipo de poço que foi muito utilizado nessas minas e pelo menos até aos anos 40 do século XX (20) pelo que foi certamente alguém destacado nessa indústria. 
Noto que segundo o livro o primeiro contacto a nível profissional de EM com essa ilha terá acontecido em 1885 ao ser colocado pelo Estado no "Corpo delle Miniere di Caltanissetta" mas como vimos terá de lá saído pouco depois para a especialização em Paris. Quando regressou de África, EM terá decidido voltar à ilha mas nessa altura trocando o funcionalismo público pelo sector privado. 
Como curiosidade e para se datar a evolução profissional de EM, duas dezenas de anos após a sua direcção da mina (Solfara) Trabonella podemos ver uma carta que lhe foi dirigida por uma empresa mineira que o tinha contratado como consultor e que foi retirada daqui:
Comendador Eng. Elvino Mezzena em 1923 como consultor 
duma mina de carvão na Tuscania, norte de Itália
Podemos ver a seguir que em 1924 EM era vice-presidente duma grande sociedade anónima mineira e metalúrgica também fora da Sicília (ferro da Ilha de Elba?): 
Com. Eng. Elvino Mezzena, vice-presidente da ELBA,
sociedade mineira e de altos fornos
Presumo então daqui que por meados dos anos 20 Elviro Mezzena tivesse ascendido ao clube seleccionado dos administradores no poderoso sector económico das minas e siderurgias. Nessa linha mas já relativamente a outro minério, o mercúrio, vê-se aqui que em 1933 EM era vice-presidente da companhia Monte Amiata 
É por se poder aceder a toda esta informação escrita sobre Elvino Mezzena (EM) e ver o relevo profissional que alcançou após os seus poucos anos de Moçambique que podemos dizer se iniciaram com a participação na demarcação da fronteira, que me surpreende não aparecer na net uma foto dele em idade madura e pela qual se pudesse confirmar o que tentámos fazer com as fotos da comissão (estas e esta).


PS: Parece haver contradição entre o ano de saída e do título conseguido em Paris que na tabela é 1887 e a informação desta página do livro de Donata Brianta de que foi aí aluno até 1888, mas tempo adicional para trabalhos académicos, de laboratório ou prácticos adicionais pode ser a explicação e talvez volte a esse ponto mais tarde.

Mais elementos da vida pessoal e profissional de Elvino Mezzena em Itália
"The largest sulphur crystal in the world was extracted from this mine and donated to the Natural History Museum of Milan in 1936 by engineer Elvino Mezzena" (tempo das minas de enxofre na Sicília)

"Eugenio Bazzi was the initiator of a commercial institution called the Istituto Geo-Mineralogico Italiano (IGMI), dedicated to acquiring, trading and selling mineral specimens, especially from foreign countries. Participants or supporters included .... Elvino Mezzena ... all important personalities in the Italian academic and collecting world."

Mineira Trabonella (pdf). Empresa já referida em cima, aparece Elviro em ver de Elvino.

Salvalarte Sicilia - Na mineira Trabonella, electrificação completa do equipamento sob a sua direcção em 1898 "Altre innovazione furono fatte dal 1898 sotto la direzione dell’ingegnere Elviro Mezzena, che progettò l’elettrificazione completa di tutti gli impianti minerari"

Arquivos em nome de Elvino Mezzena num banco italiano

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