Missões católicas nas terras de Maputo até 1928 (1/3)

Santos Rufino (SR) nos seus álbuns publicados em 1929 colocou duas fotos relativas à Missão Portuguesa de Maputo, região que na altura se referia à zona a sul do estuário e baía do Espírito Santo, e por isso a sul da cidade criada pelos portugueses de Lourenço Marques (LM). A região de Maputo era também conhecida por terras dos Amatonga ou dos Tembe e não deve ser confundida com a actual cidade capital, a antiga LM, mais a norte e a que foi atribuído e nome Maputo por razões políticas e não históricas.
Tentei saber melhor onde seria esta missão mas segundo um texto muito completo do padre Manuel da Cruz Boavida (ver aqui uma referência) numa publicação Portugal Missionário de 1928 haveria três possibilidades. Ser a primeira missão católica de Santo António de Macassane em Makassene (algures por aqui no google maps, entre a Bela Vista e a Ponta do Ouro), ser a segunda missão (ou estação) e que depois passou a ser a sede de S. Roque de Matutuine / Matutwini (no google maps, um pouco a noroeste da Bela Vista) ou ser a terceira estação, a mais recente, estabelecida na Catembe (algures na margem sul do estuário e agora extremamente povoada). 


FOTO 1
Legenda de SR: Missão portuguesa de Maputo - padres seculares
O referido texto do padre Boavida tem algumas imagens e a seguinte parece ser do edifício da FOTO 1. Tem todavia uma escada para a varanda do 1o andar que me parece não se vê na FOTO 1 mas é possível que lá estivesse no canto oposto da casa.


FOTO 2
Missão de Matutíne
Desta comparação, presumo então que Santos Rufino ao falar da Missão de Maputo se estivesse a referir à sua sede em Matutíne.  
Como se pode ver a casa da FOTO 1 (e presume-se que da FOTO 2) era de madeira e zinco, que o padre Boavida dizia ser o tipo de construção dos edifícios dessa missão cerca de 1922. De facto as outras fotos de Matutuine que ele nos mostra são também em madeira e zinco, por exemplo esta que seria dum edifício provávelmente diferente do anterior:


FOTO 3
Pessoal superior (religioso e leigo) e alunos em Matutuine
O padre Boavida esteve colocado na missão nas terras de Maputo quase ininterruptamente entre 1906 e 1922, embora mudando entre os seus vários locais. No seu texto confirma também a legenda de Santos Rufino de que a missão era dirigida pelos missonários seculares, termo que à primeira vista me pareceu estranho. A explicação é tratar-se de clero mais virado para o contacto com os leigos e que agora é mais conhecido por diocesano pois segue o Bispo da diocese, em contraponto o clero regular  (ou seja o não secular) segue uma determinada Ordem Religiosa. 
Usarei nestes artigos também fotos e alguma informação do site dedicado ao bispo D. António Barroso e a foto seguinte é dum painel de informação geográfica sobre as missões do clero secular português:


FOTO 4
Missões do clero secular português incluindo Moçambique
no seminário de Cernache do Bonjardim
Segundo o Padre Boavida, a intenção da primeira missão portuguesa (da igreja católica) no Maputo foi de "nacionalisar e a evangelisar, por meio da escola, da oficina e da capela, os (africanos) e a servir, perante os régulos, de um laço de amisade que os prendesse ao Govêrno". Tinha sido criada em 1895 por iniciativa do Comissário-Régio António Enes e do bispo D. António Barroso, de que mostrámos aqui o colégio que tinha o seu nome em LM aqui e de que falaremos num próximo artigo, de modo a contrabalançar a influência das missões estrangeiras. Estas eram considerada perniciosas para Portugal e seus interesses mas tinham de ser aceites em virtude de tratados internacionais. Falámos numa série de artigos das várias estações da Missão Suíça presbiteriana nessa região e o padre Boavida refere também a presença da igreja Wesleyana de que se pode ver aqui a sua sede na cidade de LM. Dizia o Padre Boavida que no total havia em terras do Maputo 150 igrejas / escolas estrangeiras ou seja protestantes contra 7 portuguesas ou seja católicas.
Segundo o padre Boavida, a primeira missão de Maputo foi físicamente estabelecida pelo padre Esperança Machado nas proximidades da residência do régulo Ngwanazi, em Macassane, utilisando os "edifícios que haviam servido ao antigo residente português do Maputo (um delegado do governo junto dos régulos mais importantes). ... O padre edificou igreja, escola e instalações para internatos e um posto matereológico, mandou arrotear alguns hectares de terreno para fazer e ensinar a fazer agricultura; quiz fundar um horto botânico, etc, etc". O problema é que Macassane não tinha boa terra, nem água para agricultura nem vias fáceis de comunicação para transportes. Para mais pouco depois o régulo revoltou-se contra as autoridades portuguesas e refugiou-se na Zululândia com mais de três mil súbditos seus. Por isso o objectivo da missão foi esvaziado mas ainda assim manteve-se como a única presença católica na região nos dez anos seguintes, até 1905. 
Nesse ano a igreja católica decidiu abrir um pouco mais a norte a neo-Missão de S. Roque de Matutwini onde um novo missionário, o Padre Júlio César Machado, construiu "uma casa de madeira e zinco, com dois corpos: o maior servia, nos dias de semana, para escola; o mais pequeno, servia de capela, durante a semana e de capela-mor aos domingos, servindo o outro de corpo de igreja. Além desta casa, construiu dependências da residência; abriu um poço que mandou forrar de pedra; construiu um forno para cal e construiu também uma outra casa, em madeira e zinco, destinada a servir de residência a Irmãs religiosas e de internato a alunas", mas as irmãs religiosas não chegaram a ir para o local. Foram por essa altura também constituidas as missões sucursais de Santa Maria na Bela Vista e a de Sant'Ana em Salamanga mas essas não se mantiveram por muito tempo.  
A nossa fonte de informação, o Padre Boavida, talvez em 1906, foi colocado na que era a nova missão de Sant'Ana, em Salamanga, mas logo de seguida "nesse mesmo ano ... foi para Matutwini, em 1907 ... para Macassane e daqui, nesse mesmo ano, ainda, voltámos para Matutwini, onde estivemos até 1922, ano em que demos por concluída a nossa vida missionária".  O Padre Boavida diz que os missionários católicos na região mais a sul do Maputo se recentraram em Matutuine, deduzindo-se que tal terá acontecido em 1907 ou depois. Todavia em Macassane, Salamanga e na Bela Vista continuaram a funcionar escolas indígenas, regidas por antigos alunos africanos.
Cerca de 1906 por iniciativa doutro clérigo, o Padre Ramalhosa, tinha sido aberta mais a norte na Catembe, onde havia grande actividade das missões estrangeiras, uma nova sucursal da missão. Foi aí construído "um barracão que serviu de escola e capela, e depois, ... uma casa de madeira e zinco, aplicada também, àqueles dois fins". 
Por esses tempos e de forma a melhor contrariar a "propaganda religiosa que o protestantismo estava fazendo no Maputo" foi chamada pela hierarquia católica a "Congregação dos Missionários Trapistas" de clero multinacional e com experiência africana dado que por ex. tinha missões bem sucedidas no Natal (ver aqui referência, tem origem na ordem de Cister). Os trapistas supostamente dispunham de grandes meios materiais e humanos e chegaram então "em grande estilo" em fins de 1907 para substituir os portugueses, de quem não quiseram escutar os  conselhos, nas missões nas terras de Maputo. Mas depois de percalços com doenças, conflitos internos e externos e de falta de dinheiro, ao fim de 4 curtos meses os trapistas regressaram ao Natal. Após a sua partida abrupta, voltaram os missionários portugueses às missões no Maputo e o Padre Boavida foi nomeado seu superior de forma a repô-las em funcionamento bem como as escolas indígenas religiosas, agrícolas e profissionais. 
Continua no próximo artigo..

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