Continuo a falar do cerco e defesa de Lourenço Marques (LM), actual Maputo, ocorrido na segunda metade de 1894, agora sobre as suas repercursões nacionais e internacionais.
Título em jornal da Nova Zelândia (Star?) de outubro de 1894.
Do mesmo jornal mostro outras notícias em baixo.
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Ao ter-se conhecimento do que se passou entre setembro e outubro de 1894 será lógico perguntarmos é o que teria acontecido se o cerco e o ataque das tribos revoltosas contra o poder português no sul de Moçambique tivesse tido sucesso.
Olhando para o que aconteceu ao posto de Anguane e à missão de S. José de Lhanguene, podemos esperar que as construções, equipamentos e possessões individuais teriam sido vandalizadas e pilhadas de tudo o que tivesse interesse.
Olhando para o que sucedeu aos africanos encontrados do lado português, locais ou macuas, e às vítimas europeias, os habitantes da cidade ou seus empregados teriam muito provávelmente sido mortos ou na melhor das hipóteses raptados. Para se fazer ideia de números quando aos não nativos, como se pode ver aqui "o número de habitantes europeus e asiáticos de LM em 1893 era de 1 017" o que é metade do número de armas que foram distribuidas aos voluntários, diferença explicável por estes incluirem também mistos e negros.
No entanto podemos também ter em conta que como escrevia em 1894 Eduardo Noronha (EN) no livro "A Rebelião dos Indígenas de LM" os revoltosos deram sinal de contenção no primeiro período. De facto o posto português de Anguana apesar de isolado e mal defendido não foi atacado até à retirada das forças que o defendiam, os rebeldes só lhe foram apertando o cerco e aumentando a "ferocidade" das exibições guerreiras. Mesmo depois de abandonado a 25 de setembro o posto foi deixado intacto pelos rebeldes durante alguns dias como que deixando a possibilidade de voltar atrás com a revolta sem danos de maior para o status quo anterior. O momento decisivo para passarem à ofensiva foi quando se confirmou que os guerreiros do Maputo não interveriam contra eles, para o final de setembro de 1894. Também podia haver diferenças de disciplina entre as diferentes forças mas a questão é se em caso de vitória teriam os rebeldes algum controle / contenção em termos de evitar desgastes materiais e perdas humanas na cidade?
No entanto podemos também ter em conta que como escrevia em 1894 Eduardo Noronha (EN) no livro "A Rebelião dos Indígenas de LM" os revoltosos deram sinal de contenção no primeiro período. De facto o posto português de Anguana apesar de isolado e mal defendido não foi atacado até à retirada das forças que o defendiam, os rebeldes só lhe foram apertando o cerco e aumentando a "ferocidade" das exibições guerreiras. Mesmo depois de abandonado a 25 de setembro o posto foi deixado intacto pelos rebeldes durante alguns dias como que deixando a possibilidade de voltar atrás com a revolta sem danos de maior para o status quo anterior. O momento decisivo para passarem à ofensiva foi quando se confirmou que os guerreiros do Maputo não interveriam contra eles, para o final de setembro de 1894. Também podia haver diferenças de disciplina entre as diferentes forças mas a questão é se em caso de vitória teriam os rebeldes algum controle / contenção em termos de evitar desgastes materiais e perdas humanas na cidade?
Qual seria o plano definido pelos atacantes para o "dia seguinte" à vitória? O mais normal, dado que o que teria restado da infraestrutura da zona de LM só tinha interesse se fosse operada, seria o grosso das forças nativas, incapaz de o fazer, recuar para as suas terras de origem.
O que teria feito Portugal como Estado se tivesse perdido a cidade? Reverter militarmente a situação seria exequível, mas teria Portugal vontade e orçamento para tal e para reconstruir o que teria sido destruido do sector público, que incluia por exemplo os caminhos de ferro?
O que teriam feito os empresários privados que sobrevivessem individualmente, teriam tido vontade de voltar e recomeçar de novo? E as firmas, portuguesas e internacionais?
Pensando agora em repercursões duma derrota portuguesa seguida de abandono português a nível internacional.
O que teriam feito os empresários privados que sobrevivessem individualmente, teriam tido vontade de voltar e recomeçar de novo? E as firmas, portuguesas e internacionais?
Pensando agora em repercursões duma derrota portuguesa seguida de abandono português a nível internacional.
Que teriam feito os boers da ZAR deo Transvaal com capital em Pretória, quando estavam a dias de finalmente alcançarem via LM acesso a um porto de mar neutral através da nova linha férrea? Tentariam eles expulsar os rebeldes se fosse necessário, repôr a funcionar a linha e o porto em Moçambique? Teriam eles planos para o resto da região sul como tinham tido uns 25 anos antes? Lembremos que o ouro do Rand tinha sido descoberto e começado a ser explorado em 1886 e com a perspectiva de trazer fabulosas riquezas ao pequeno estado africander.
E o que teriam feito os ingleses das colónias do Natal e do Cabo em caso de repentino abandono português? Que posição teriam em relação aos rebeldes e a Portugal? Tentariam também eles ocupar LM? Seriam capazes de forçar um conflito com os boers se os dois povos tivessem o mesmo interesse?
Muitas questões, certamente com poucas respostas passados mais de 126 anos.
Sobre o que levou à revolta, segundo EN a causa imediata terá sido a tentativa do residente das Terras da Coroa de prender um dos indunas do régulo da Magaia. Causas mais profundas e antigas seriam o descontentamento dos régulos com a actividade de recrutadores de trabalhadores e de comerciantes e as mais tradicionais e perenes relativas à posse de terras e à cobrança de impostos e outras arbitrariedades.
E o que teriam feito os ingleses das colónias do Natal e do Cabo em caso de repentino abandono português? Que posição teriam em relação aos rebeldes e a Portugal? Tentariam também eles ocupar LM? Seriam capazes de forçar um conflito com os boers se os dois povos tivessem o mesmo interesse?
Muitas questões, certamente com poucas respostas passados mais de 126 anos.
Sobre o que levou à revolta, segundo EN a causa imediata terá sido a tentativa do residente das Terras da Coroa de prender um dos indunas do régulo da Magaia. Causas mais profundas e antigas seriam o descontentamento dos régulos com a actividade de recrutadores de trabalhadores e de comerciantes e as mais tradicionais e perenes relativas à posse de terras e à cobrança de impostos e outras arbitrariedades.
Mas como vimos num artigo anterior na notícia do NYT, era a próxima entrada ao serviço da linha férrea a grande questão da região nessa altura. EN escreveu o seguinte no seu livro sobre os interesses ingleses orquestrados por Cecil Rhodes e a conjuntura que afectava nesse momento os seus planos de domínio da África Austral, ao qual os boers principalmente mas também os portugueses eram obstáculos: "o caminho de ferro de Lourenco Marques a Pretoria é uma realidade, a ruina do commércio do Cabo e Natal são prováveis, a inauguração está perto, a tentativa de compra falhou, o empréstimo foi addiado, os (africanos) avassalados por um motivo futil e sem base são lançados como um enorme bloco contra algumas centenas de brancos n'uma cidade sem defeza. Em politica depois de Machiavello, elle".
Parecia então ser opinião de EN que tinha sido Cecil Rhodes e os ingleses a "mexer os cordelinhos" por trás da revolta e a preparar-se para preencher um eventual vazio conforme o seu interesse e de modo a contrariar o dos boers do Transvaal.
Como dissemos na cronologia, Rhodes passou de 9 a 10 de outubro - na altura mais dramática do cerco, 4 a 5 dias antes do grande ataque - por LM e ofereceu-se a Portugal para tentar acalmar os ânimos dos nativos. Rhodes terá dito que falaria com Gungunhana (ver NB 1) de modo a que este intimasse os lideres da revolta, régulos da Magaia e do Zixaxa, presumo que a encontrar uma saída airosa para o conflito antes que ele chegasse ao ponto de não retorno.
Mas esse ponto tinha já sido atingido quando saiu a notícia seguinte a 15 de outubro e de que tinhamos visto já parte no artigo anterior:
Sobre a também acima mencionada oferta do Transvaal de ajuda não sei do que constava nem qual foi a resposta portuguesa.
Há uma notícia de cerca de trinta dias antes da de cima, isto é de quando Anguane estava cercada após o despoletar da rebelião a 27 de agosto, que se relaciona com interesse potencial do Transvaal em LM:
Mas esse ponto tinha já sido atingido quando saiu a notícia seguinte a 15 de outubro e de que tinhamos visto já parte no artigo anterior:
No dia a seguir ao grande ataque a LM. Oferta de Rhodes tinha sido recusada. |
Sobre a também acima mencionada oferta do Transvaal de ajuda não sei do que constava nem qual foi a resposta portuguesa.
Há uma notícia de cerca de trinta dias antes da de cima, isto é de quando Anguane estava cercada após o despoletar da rebelião a 27 de agosto, que se relaciona com interesse potencial do Transvaal em LM:
Investidores teriam comprado o porto de Delagoa Bay / Lourenço Marques |
Diz a notícia que o investimento teria sido feito por conta do Transvaal (o que era negado pelos envolvidos) e que frustaria os planos de Cecil Rhodes dominar a África Austral. Depois dos acontecimentos de outubro de 1894 acho que não se soube mais desta compra, teria ela sido mesmo contratada com o governo português ou não?
O britânico The spectator na notícia que vimos no artigo anterior de "13 OCTOBER 1894", o dia antes do grande ataque, trata também do contexto internacional com Rhodes na primeira linha: "Mr. Rhodes is surveying the harbour from a steamer, and he will see the whole affair, and he is evidently devising some policy on which he intends to act. It seems clear that Lorenzo Marquez, which is to the Boers, and therefore to the South African Dominion (HoM: as colónias inglesas do Cabo e do Natal), of vital importance, must be placed in stronger hands than those of the feeble Portuguese, and it is possible that this may-be effected through some form of lease. The Boers are of opinion that if the place falls, their native enemies (HoM: seriam as tribos africanas no seu território? Penso que por essa altura houve conflitos) may rise; and we fancy, if South Africa were independent, Delagoa Bay would not remain Portuguese for twelve months (HoM: não percebo mas também não interessa)".
Disto tudo, via Gungunhana ou via eles próprios ou algumas forças dentro de eles próprios, é possível que os rebeldes tivessem ligações internacionais. Por exemplo EN escreveu que até ao dia 10 de outubro pelo menos quatro navios tinham descarregado armas e munições para os rebeldes na ilha Xefina, que estava sob o seu controle, o que deixa a entender que a revolta não era só planeada por jovens régulos excitados ou por feiticeiros veteranos.
Mas a nivel das nações ocidentais não era só Portugal, os boers da ZAR e o Reino Unido a interessar-se pela conjuntura. Uma notícia também publicada na Nova Zelândia a 17 de outubro (3 dias depois do grande ataque repelido pelos portugueses) mostrava a reacção alemã à manobra inglesa de tomada de Delagoa Bay, o que foi reforçado a 16 de Dezembro em conjunto com a França e aí já depois de estar certo de que uma hipotética queda do poder português no sul de Moçambique não seria imediata, se ela viesse a acontecer.
Alemanha contra a Inglaterra sobre Delagoa Bay = LM na segunda metadde de 1894 |
Lembro que a Alemanha era maior potência europeia rival do RU. Desde há pouco estava presente no Tanganhica ao norte de Moçambique e na Namibia e tentava ganhar influência na África Austral e possívelmente estaria a relacionar a rebelião das tribos ronga de LM com os intuitos ingleses.
Noto que mesmo em dezembro de 1884 a situação era ainda de os rebeldes terem só sofrido cerca de 100 vitimas com o ataque a LM. Estas baixas eram insignificantes em relação aos 25 000 homens armados que juntavam, quer dizer eles não tinham sido ainda derrotados e podiam a qualquer momento procurar reagrupar-se para novo ataque. Mas é claro que depois do 14 de outubro tinham chegado alguns reforços militares portugueses a LM e que moral desse lado estava em alta e a dos rebeldes em baixa.
Estas notícias dão-nos ideia do muito que estava em jogo nesta altura. No fim de contas os rebeldes podiam ser os peões e os portugueses digamos os cavalos ou os bispos numa partida de xadrez em que as peças mais poderosas e os verdadeiros jogadores eram outros.
NB 1: Rhodes tinha criado em 1889 a British South Africa Company que recebeu grandes poderes do governo inglês e que tinha estabelecido relações directas e contratos com Gungunhana.
NB 1: Rhodes tinha criado em 1889 a British South Africa Company que recebeu grandes poderes do governo inglês e que tinha estabelecido relações directas e contratos com Gungunhana.
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