Defesa de LM em 1894 - navios e cronologia principal (3/14)


Continuamos a falar do cerco e defesa de Lourenço Marques (LM), actual Maputo, ocorrido na segunda metade de 1894 segundo o livro de Eduardo Noronha (EN) "Defesa de Lourenço Marques" publicado em 1936 e disponibilizado em linha pelo site malhanga e o livro A Rebelião dos Indígenas de LM de 1894 também de EN. 
Primeiro uma foto da corveta Raínha de Portugal da Armada Portuguesa cuja guarnição desembarcada, oficiais e marinheiros, como veremos foram primordiais na defesa de LM. Desta corveta, construída em Inglaterra em 1876 e movida a vapor e à vela, pode-se ver alguma informação aqui:
Corveta Raínha de Portugal ancorada nos Açores 

A partir de meados de outubro de 1894, período dos maiores ataques, navios de guerra estrangeiros foram passando por LM. As canhoneiras inglesas Trush e Sparrow vieram para proteger o seu consulado e evacuar cidadãos em caso de necessidade e foram depois substituidas pelos navios de guerra Philomel (da estação naval do Cabo) e Rancoon. Sobre esse tema e particularmente o Thrush ver este artigo.
Podemos ver o Rancoon  em LM mais ou menos por esses tempos (do qual se conta aqui a história):
RACOON de 1888 em Delagoa Bay = Lourenço Marques

O HMS Racoon em 1901 foi retirado de serviço no Reino Unido e vendido para a sucata em 1905. 
O Philomel que foi a LM nessa altura aparece na foto seguinte: 
HMS Philomel ancorado algures

O HMS Philomel era um grande e moderno navio de guerra já só movido a vapor e serviu depois na primeira grande guerra. De notar que é a partir de fotos dum marinheiro deste navio Philomel (P. A. Cocks) que temos a IMAGEM 1 deste artigo e a do outro sobre os blockhaus
Esteve também nessa altura no porto de LM o cruzador alemão Seeadler que já conhecemos.
Seeadler alemão em 1893 em Nova York
Sobre a presenças destes navios estrangeiros no porto e a ausência de portugueses para além do Rainha de Portugal comentava Eduardo Noronha: "Dos cinco navios de guerra (portugueses) que deveriam encontrar-se no porto, só a corveta Rainha de Portugal, graças à muita energia do seu commandante (Morais e Sousa), chegára ao seu destino e prestou uma valiosa coadjuvação. Sentia-se uma especie de vergonha e embaraço cada vez que entrava um navio estrangeiro e dos nossos não havia noticias".
Eduardo Noronha menciona também que nos momentos mais dramáticos do cerco em outubro de 1894 e tendo em conta a chegada de reforços militares foi proposta por autoridades e alguns por comerciantes locais a contratação de mercenários boer mas que tal não foi autorizado pelo governo a nível mais elevado.

Cronologia dos acontecimentos principais do cerco à cidade:
27 de Agosto de 1894 – inicia-se a sublevação após reunião em Anguane entre o comandante militar português das terras da coroa e indunas (grandes) do régulo da Magaia (Mahazul). O lider veio a ser o régulo do Zixaxa (Matibejana ou Mamatibejana) mas todos os outros da região (rongas) seguem-no excepto Matola que permaneceu neutral. 
A cidade fica à espera de ser atacada, embora houvesse a hipótese dos rebeldes acabarem por querer fazer só vincar o seu ponto de vista de que não aceitavam mais requesitos para por ex. de fornecimento de carregadores e o aumento de impostos.

13 de setembro - concluidas as primeiras defesas da cidade.
23 de setembro - morte de cabo da polícia no posto de Anguane. Rumor de que a cidade ia ser atacada, distribuidas 2 000 armas aos residentes. Noite de vigia e já de madrugada os defensores pensaram estar a ser atacados pela frente (lado do cemitério) e pelos flancos. Seguindo ordem do Governador-Geral - excepto para os pontos de defesa do matadouro e da casa das máquinas para a água do quartel, os dois no antigo pântano do Maé - recuaram para a Baixa abandonando a população indefesa na parte alta sem o conhecimento desta, mas se houve de facto ataque não progrediu. Sobre esses pontos e demais medidas militares que estavam tomadas até esse dia ver artigo 4.
24 de setembro - decidido erguer barricadas nas ruas da Baixa que davam para Av. D. Carlos, para o pântano e para a praia a sudoeste (i.e. do lado da estação de caminho de ferro). Ficaram prontas até à noite.

25 de setembro - retirada de Anguane e consequente reforço do número de defensores na cidade. As barricadas anteriores foram melhoradas e algumas artilhadas. Desembarcam marinheiros ingleses da Thrush para defender o seu consulado.

nos dias seguintes - Portugal estava a contar com a ajuda de 3 000 guerreiros da tribo vassala do Maputo, a sul do estuário, mas depois destes se terem concentrado na praia da Catembe acabaram por recuar (ver aqui). Com esta sua vitória política aumentou o moral dos revoltosos e diminuiu o ânimo dos defensores da cidade. Os revoltosos que tinham espiões na cidade informando-os das dificuldades portuguesas ganharam confiança nas probabilidades de sucesso tendo por exemplo começado a fazer pressão sobre a circulação no rio Incomáti (terras de Magaia).

Início de ataques directos à cidade
4 de outubro - a defesa tinha entretanto relaxado mas acontece um raid de 200 rebeldes africanos à hora do almoço para roubar gado perto do quartel do Alto-Maé o que provoca muitos disparos. 
Cria-se clima de terror na cidade e foi decidido construir-se blockhaus, de certa forma rudimentares, para a linha de defesa em frente e dos lados da cidade.

9 de outubro (domingo) - ataque audaz à linha de defesa que ripostou a partir de blockhaus. Ataque a plantação na Mahota de J. Bang (NB: EN fala na pág 65 imprimida de 8 de setembro mas será erro no mês)
Cecil Rhodes chega de navio ao estuário, pernoita a bordo e parte no dia seguinte de combóio. Este que ia (pelo menos) até Ressano Garcia continuou a funcionar durante a revolta recolhendo à noite o seu pessoal à cidade.

10 de outubro - assalto dos revoltosos à quinta do Dr. Sommerschield na Polana matando 22 trabalhadores. 
Nova tentativa de ataque à cidade pelo lado do cemitério repelido pela linha de defesa mas não se aproximaram muito. 
Morto o agricultor português Domingos Gonçalves que tinha saído do perímetro defendido para a estrada da Mahota "o que causou o maior abalo na população".
Tenente-coronel de Artilharia António José de Araújo nomeado chefe da defesa e estuda a melhoria das fortificações. Acelerada a construção dos blockhaus, cortado mato e árvores ao longo da linha de defesa e colocada cerca de arame farpado com aberturas para deixar as patrulhas sair.
Empregados da estação telegráfica abandonam (ou pretenderam abandonar?) o edifício na Ponta Vermelha que ficava fora das defesas. O telégrafo era essencial para a troca de informação com o exterior, nesse dia o governador-geral recebe a informação de Lisboa de que os reforços militares iriam partir o que foi muito bem recebido pela população, mas de facto a saída só aconteceu no dia 15 seguinte.

12 e 13 de outubro - construidos e colocados todos os blockhaus de que como vimos se tinha iniciado a manufactura a partir de 4 de outubro e que foram sendo concluidos gradualmente .

14 de outubro (domingo) – maquinistas de locomotivas que tinham ido à toma de água no baixo Maé devem ter visto concentração de revoltosos, recuam as máquinas e assinalam com silvos. A cidade entra em pânico mas alguns voluntários e as forças profissionais (algumas dezenas de soldados africanos de Caçadores 3, marinheiros da corveta Rainha de Portugal e os menos de 100 do corpo da polícia) preparam-se.
Esse foi o maior ataque do cerco e deu-se por volta da 9 horas pelo lado da estrada de Lhanguene. Os dois blockhaus presumo que BH 3 e 4 (ver plano no artigo 5) ripostam com tiros de artilharia e espingarda e ao fim de uma hora de fogo os atacantes recuaram. As suas baixas confirmadas foram cerca de 40 mortos e muitos mais mortos e feridos terão sido recolhidos pelos atacantes.
Os marinheiros do BH 2 conseguiram fazer retroceder atacantes que tinham já chegado à fábrica de alcool e por isso tinham daí caminho aberto para a Baixa.
Nessa manhã um português tinha sido atacado nas hortas do pântano mas conseguiu fugir, a sua filha foi morta e a mulher raptada. 
Africanos (macuas do norte e mulheres) que andavam a trabalhar junto à linha no mesmo pântano foram mortos pelos atacantes. A capela de S. José, a 800 metros do quartel, tinha sido devastada.

15 de outubro (segunda feira) – falso alarme de ataque à Maxaquene mas acidente com metralhadora que podia ter sido fatal ao Tenente-Coronel Nogueira.
Um grupo de cavaleiros com Mongardini, Benjamim Cohen, Mariano Machado e Riemann, empregado da casa Fabre, foi à quinta de Sommershield na Polana fazer um reconhecimento não vendo atacantes.
17 de outubro – reconhecimento pelo Major Araújo até Lhanguene

Passados mais alguns dias – reconhecimento em força comandado pelo Major Araújo a cavalo e a pé. Encontraram a 7 km na estrada para norte (Anguana) atacantes emboscados e a força recuou em ordem.
Começaram a voltar aos postos os trabalhadores africanos que tinham “desaparecido”.
Regressa a mulher europeia que tinha sido raptada a 14 de outubro pois o régulo Moamba parecia querer voltar a ficar nas boas graças das autoridades. 

22 de outubro – voltam a faltar trabalhadores africanos dos caminhos de ferro, provocando de novo alarme social.
25 de outubro – um português e um italiano foram mortos na Ilha Xefina para onde uma tempestade os tinha desviado na pesca e onde tinham encontrado revoltosos.
6 de novembro – muito alvoroço por pequeno incidente.
Começam a aparecer indunas de régulos a dizer que eram fiéis a Portugal.
Depois a fome e desinteligências entre os atacantes acentuaram a tendência que já se desenhava. O cerco a LM tinha terminado e a cidade não tinha sido tomada nem saqueada.
7 de novembro – levantados os tapumes da travessas e as barricas das defesas da praça  7 de março foram arrumadas. Nessa noite toca aí a Banda no coreto. Note-se no entanto que como digo aqui que a linha de defesa exterior continuou activa por mais algumas semanas.
10 de novembro – chegam tropas portuguesas vindas de Angola no vapor Angola
12 de novembro – chegam mais tropas portuguesas vindas de Portugal no paquete Cazengo.
Sobre a chegada destes navios e tropas escreveu Santos Guerra no livro de 1896 "No País dos Vátuas com mais pormenor: "...chegaram a Lourenço Marques os dois transportes fretados, Angola e Cazengo, o primeiro com 400 indigenas embarcados em Loanda e o segundo com um corpo de tropas do 2.° batalhão de caçadores n.° 2 da metropole sob o commando do major José Ribeiro Junior, e uma bateria de artilheria com 4 canhões, 5 cavallos e 20 muares. Esta força compunha-se de 22 officiaes combatentes e 600 praças de pret. Iam tambem 1 cirurgião-ajudante, capellto, corrieiro, espingardeiro, coronheiro, encarregado das bagagens, material d'ambulancia e carros de munições".
Escreveu ainda Santos Guerra que "pouco depois (de 12 de novembro) entravam o porto a corveta Afonso d'Albuquerque e a canhoneira Rio Lima" 
Este foi o calendário desses três longos meses de 1894 até a cidade ter podido respirar embora o estado de rebelião tivesse continuasse no "mato" pois essas forças tinham mantido o seu espírito e capacidades:

Calendário dos meses com acontecimentos principais de cima
 desde a espera do ataque até à chegada de tropas de Portugal

Podemos ver a Afonso d'Albuquerque, navio de propulsão mista a vapor e à vela nas duas fotos seguintes:

Corveta Afonso de Albuquerque em Lisboa e em Lourenço Marques

Segundo Eduardo de Noronha na página 94 do livro "A rebelião" a corveta Afonso de Albuquerque que devia ter partido de Lisboa a 2 de outubro só saiu no fim desse mês e por isso deve ter chegado a LM para o final de novembro de 1994. Mais precisamente escreveu também Eduardo de Noronha na Revista Serões: "O governo geral requisitara telegraphicamente, e com a maior urgencia, alguns navios, mas a Alfonso de Albuquerque, apesar dos melhores esforços da sua guarnição, só chegou em fins de outubro e mais tarde ainda a Rio Lima e a Diu".
Com as forças portuguesas mais reforçadas, a primeira tentativa de confrontar a rebelião de que os principais reponsáveis tinham sido os régulos da Magaia (Mahazul) e Zixaxa (Matibejana) foi feita a:
5 de dezembro - partida da coluna para reocupar o forte de Anguane que foi abandonado em seguida, para voltar a ser reocupado pelos rebeldes até à retoma "definitiva" pelas forças portuguesas no fim de Janeiro de 1895 no avanço para Marracuene.
No entanto a situação militar no início de 1895 não estava resolvida e voltou a haver um ataque à linha férrea próximo da cidade c. de 7 de janeiro por um grupo de cerca de 3 000 rebeldes que se desvaneceu depois como se vê em NB

NB: António Enes (AE) escreveu no livro A Guerra de África de 1898, em torno da pág 24
Chegada de AE a Moçambique em janeiro de 1895 e antecedendo o combate de Marracuene a 2 de fevereiro de 1895 que terá sido a reacção portuguesa ao que é aqui relatado
"No dia seguinte — dia de Reis — communicámos com a terra. O antigo governador, o sr. general Fernando de Magalhães, estava no palácio de S. Paulo. Tivemos noticias de Lourenço Marques. A situação não era tão desafrontada como a descreviam em Lisboa á data da nossa partida, vinte e oito dias antes; A presença das tropas do reino livrara a cidade de novas ameaças e aggressões, e o posto de Angoane fora reocupado sem resistência ; mas os rebeldes, que se dissera estarem distanciados, continuavam a senhorear até á foz as margens do Incomati, d' onde haviam morto o primeiro tenente da armada Felippe Nunes, que a bordo da lancha Bacamarte tentara subir o rio.
Este triumpho homicida alentára-os, e a inacção dos soldados brancos augmentára-lhes a confiança. A autoridade só era respeitada no terreno que cobria com os próprios pés ; todo o districto, afora a sua capital, a linha-ferrea e a antiga sede do commando das terras da coroa, estava revoltado ou desobediente, pois que os régulos que se não haviam juntado ao Mahazulo também o não hostilisavam. Entretanto, não se julgara prudente emprehender operações militares oflfensivas. Esperava-se que passasse a estação chuvosa, ou que a metrópole mandasse mais soccorros.
O antigo governador, chamado ao reino por telegramma, devia partir de Moçambique, num paquete allemão, a 10 de janeiro; conservou, pois, o governo até embarcar, e eu fiquei a bordo da Affonso d Albuquerque, que precisava, antes de seguir viagem para Lourenço Marques, deitar remendos nas avariadas caldeiras, cuja duração já havia excedido muito o praso da garantia. As caldeiras novas tinha-as ella deixado em Lisboa, sobre a ponte do arsenal de marinha. Calculou-se que a operação da remendagem duraria oito a dez dias, que seriam para nós outros tantos de paragem forçada nas aguas da capital. 
A 7 (de janeiro de 1895), o governador transmittiu-me uma noticia assustadora, que pelo telegrapho recebera de Lourenço Marques. Nesse mesmo dia, ao romper d'alva, numeroso bando de rebeldes, calculados em 3 000 assaltara a linha-ferrea a pouca distancia da cidade, e no kilometro 2 matara dois capatazes, europeus, que não tinham tido tempo para fugir e trucidara cerca de setenta mulheres indígenas que andavam colimando. Depois d'esta cruel façanha haviam-se dirigido para as bandas da Polana. Taes foram as boas vindas que nos mandou Lourenço Marques ! O novo ultraje dos rebeldes, depois dalgumas semanas de inacção, pareceu-me significativo. Evidentemente tinham perdido o medo ás tropas, depois de as observarem. Estavam á beira da cidade, tinham uma tal ou qual organisação que lhes permittia concertarem-se e reunirem-se para inopinadas investidas, e não mostravam desejo de desistir da lucta, antes a provocavam. O caminho de ferro, especialmente, corria imminente perigo.
Horas depois chegou novo telegramma. Contava que uma columna de europeus e indígenas, sob o mando do major Caldas Xavier, saíra de Lourenço Marques em perseguição do inimigo, mas nem sequer o avistara. Interpretei este insuecesso como aviso de que a guarnição da cidade, mettida dentro das suas linhas, não lhe protegia sequer os arredores. A rapidez de movimentos dos rebeldes permittia-lhes irem insultal-a de perto e retirarem-se impunes, antes que as tropas se movessem para o castigo.
A situação exigia, pois, immediatas providencias. Quiz partir logo para Lourenço Marques, mas achei-me sem meios para o íazer. A Albuquerque não poderia sair sem acabar o começado concerto das caldçiras, e não havia em Moçambique outro navio do estado".

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