Defesa de LM em 1894 - consulado britânico e navio inglês Thrush (9/14)


Canhoneira britânica (HMS) Thrush no estuário do Espírito Santo
frente a Lourenço Marques em 1900, visto da Ponta Vermelha
HMS Thrush a navegar a vapor (Royal Collection Trust)
HMS Thrush a navegar com velas enfunadas

Estas imagens dum navio de guerra, a primeira dele em Lourenço Marques (LM) / Delagoa Bay, actual Maputo em 1900 e as outras navegando algures, aparecem aqui a propósito do papel que esse Thrush, os seus marinheiros e o Reino Unido (RU) desempenharam no cerco à cidade de 1894. 
Sobre navios de guerra estrangeiros que estiveram no porto nesse período já tinhamos dito algo aqui. Mais específicamente via-se no artigo anterior uma notícia publicada na Nova Zelândia datada de 27 de Setembro (mas certamente referindo-se a acontecimentos de dias anteriores) e intitulada "The Kaffir Rising". Dizia-se aí que Portugal não tinha autorizado o desembarque de fuzileiros britânicos para proteger as instalações consulares do RU e os seus cidadãos, pois as autoridades  locais consideravam-nos suficientemente protegidos. Eduardo Noronha (EN) no livro "A Revolta dos Nativos" provávelmente refere-se a essa situação e menciona específicamente a canhoneira Thrush. Segundo ele isso ter-se-á passado no dia 25 de setembro, o da retirada do posto de Anguane e por isso o do aumento do receio dos habitantes de LM quanto a um ataque dos rebeldes, o que EN descreve assim:
"Na noite de 25 de setembro, espalhou-se pela cidade o boato de que a canhoneira ingleza Thrush desembarcara parte da guarnição para defender o consulado inglez. Era infelizmente verdade, o consul Mr. Bernal, com evidente menospreso da inviolabilidade de território, requisitara o desembarque de 22 marinheiros com uma metralhadora, tudo comandado por um official. Este desembarque foi feito sem autorisação do governo e depois de effectuado é que se communicou como um facto consumado e que se repetiria. Assim era, com effeito, porque pela manhã, quem estava nas barricadas (HoM: mas barricadas na praça só houve a partir de 4 de outubro, não?) via descer os marinheiros inglezes aos grupos de três e quatro e embarcarem na ponte, desembarcando á noite na mesma disposição"Isto deve-se ter repetido durante alguns dias, Portugal não tinha autorizado mas o Reino Unido fazia o que pretendia embora esforçando-se por não dar muito nas vistas. 
Mas inda segundo EN essa situação pode ter evoluído depois dado que mais à frente, no livro ae no calendário, escreve ele (na pág. 71 imprimida): "Os marinheiros inglezes retiraram do consulado mas todas as noites desembarcavam dois signaleiros, que telegraphavam para o navio por meio de luzes. Defronte do edifício, fora posto à cunha um alteroso mastro, onde diariamente se içava o "jack" nacional e onde constantemente fluctuavam signaes que eram correspondidos. pela Trush. Dizia-se que a pessoa mais bem informada a proposito das intenções e movimentos dos (africanos) era o consul. Algumas vezes foi elle quem preveniu a auctoridade do que aconteceria mais tarde". É pela menção às "boas informações" britânicas que se compreende o grande impacto do boato na noite de 25, pois para os britânicos recearem um assalto iminente então a sua probabilidade seria elevada.
Quanto ao local destas três descrições, primeiro temos de considerar que em 1894 o edifício actual da representação do RU estaria ainda em construção (ver aqui fotos da altura) e esse era da residência do cônsul, não do consulado. Tendo também em conta os movimentos do pessoal entre o edifício e a ponte no estuário, donde os fuzileiros / marinheiros sinaleiros tomariam o escaler que os levava ao navio ancorado ao largo, penso que as notícias se referir-iam ao grande edifício localizado a norte da praça 7 de março, actual 25 de junho e que estaria aqui agora. É muito possível que ele já existisse nessa altura e sabe-se que estiveram lá instalados os escritórios do consulado britânico. 
Como se pode ver nas fotos dos artigos respectivos esse edifício veio a ter um grande mastro mas não sei se seria o que EN refere ter sido instalado em 1894. De qualquer modo a posição do edifício era perfeita para transmitir e/ou receber sinais visuais desse tipo dado estar em linha de vista para os navios ancorados em frente à Baixa (ver um mastro no edifício nas FOTOS 1 e 2). Recordo que nessa altura os sinais seriam de bandeiras ou de luzes pois a Telegrafia Sem Fios (TSF) ainda não existia. De recordar que a TSF foi estreada numa operação envolvendo precisamente a baía de LM em 1899, durante o bloqueio pela Royal Navy ao porto na segunda guerra anglo-boer e a que a primeira foto se refere. 
Quanto ao Thrush (que em português é tordo, essa canhoneira pertencia a uma classe de nove navios que foi baptizada com nomes de pequenos pássaros) há muitos dados disponíveis. Como se pode ver pelas gravuras coloridas de cima era um navio de propulsão mista a vapor e à vela. Tinha sido inaugurado em 1890 e vè-se aqui que em Abril de 1894 estava no Índico, com base em Simonstown na Cidade do Cabo o que explica a sua presença no porto de LM durante o cerco em Setembro / Outubro desse ano. E continuou depois na zona dado que na wikipedia em ingles se vê que: "In 1896 Thrush, along with Sparrow, played a part in the 40 minute Anglo-Zanzibar War. She was also on active service during the Second Boer War, which lasted between October 1899 and June 1902".
No próximo artigo falaremos mais sobre para as implicações locais e internacionais do ataque à cidade.
Uma curiosidade, o sino da Thrush recuperado dos destroços do seu naufrágio em 1917 e que pertence ao Royal Collection Trust:
Sino da canhoneira Thrush que esteve em LM
em 1894 durante o cerco à cidade 

A primeira foto é da revista "The Navy and Army Illustrated" de Junho de 1900.

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