Defesa de LM em 1894 - linha de defesa com blockhaus em outubro (5/14)

Continuo a série sobre o cerco e ataques a que Lourenço Marques (LM) estiveram submetidos por populações africanas revoltadas contra a presença portuguesa na região na segunda metade de 1894. Sigo aqui o livro de Eduardo Noronha (EN) "Defesa de Lourenço Marques" publicado em 1936 e disponibilizado em linha pelo site malhangao livro A Rebelião dos Indígenas de LM de 1894 também de EN e o livro de Delfim Santos Guerra No Paiz dos Vátuas de 1896. 
A ilustração seguinte feita a partir de foto é do jornal inglês THE GRAPHIC de 15 Dezembro de 1894 e tinha como título principal "Defesas portuguesas de Lourenço Marques". Já tinha sido mostrada no HoM mas faço agora uma reformulação de artigos antigos:

IMAGEM 1
Posto de vigia na linha férrea em 1894

Noto que a linha de caminho de ferro de LM em 1894 estava só ligada a Ressano Garcia, tendo sido ligada internacionalmente à África do Sul pouco depois destes acontecimentos.
Como dissemos na cronologia a decisão de construção destes postos de vigia armados (chamados "blockhaus" nos livros de EN) foi tomada a 4 de outubro na sequência de um raid dos revoltosos perto do quartel do Alto-Maé. É assim que EN no livro A Rebelião dos Indígenas de LM de 1894 descreve a sua história e composição: 
"Foi então que o engenheiro Paes de Almeida propoz a construcção dos blockhaus e distribui-los pela frente e flancos da cidade. O projecto foi aprovado pelo governo e immediatamente todo o pessoal technico e operario das Obras Publicas e Caminho de Ferro foram empregados nesse serviço. 
Os blockhaus consistiam numa espécie de coreto tendo por base um quadrado, ou melhor, uma pyramide quadrangular truncada. Na parte inferior havia um estrado que isolava a guarnição do solo, sendo forrado interiormente de madeira grossa e exteriormente de zinco canulado; a altura conveniente abriram-se tres ou quatro seteiras. 
A três metros do solo assentava outro estrado cercado d'um parapeito de madeira, com uma peça de campanha. Quatro pontaletes supportavam uma cupula de zinco", o que coincide com o que se vê na IMAGEM 1. 
Podemos a partir do texto de EN tentar localizar os blockhaus (BH) da linha de defesa de LM e realizados a partir de 4 de outubro de 1894. Uso para tal o PLANO DE ARAÚJO de 1892 / 95 mas notando que em 1894 a urbe devia estar na transição entre o plano anterior de linhas pretas e o plano reticular previsto aí desenhado a castanho. De facto há algumas referências na descrição dos acontecimentos que se adaptam a um desenho e outras ao outro desenho.

PLANO DE ARAÚJO de 1892 / 95 (a maior parte não estava construido em 1894)
BH: estimativa da posição dos blockhaus segundo a descrição de EN
e com um perímetro de cerca de 4 km
Preto (em baixo): linha férrea secundária na Baixa 
onde se fez deslocar uma locomotiva com vagão armado
Branco: linha férrea principal de acesso a LM
Linha vermelha: linha de defesa com cerca de arame e com os BH
Manchas vermelhas: estimativa dos locais de tentativa de invasão da cidade 
a 14 de outubro que foi rechaçada pelos três BH do lado oeste
Púrpura: quartel do Alto-Maé da polícia e exército
Laranja: matadouro antigo, ao fim a oeste da actual Av. 25 de setembro
Carmesim: direcção da missão de S. José de Lhanguene 

que estava isolada da cidade e foi atacada
Púrpura e branco: praça da estação, depois Mac Mahon, actual dos Trabalhadores

O principal do texto de EN e no qual me baseiei para estimar as posições dos blockhaus (BH) de cima é:
"A linha exterior de defesa partia do lado NW do Matadouro até ao blockhaus, que ficava em frente da cavalariça do quartel de polícia, daí corria aproximadamente em ângulo recto pela Avenida Pinheiro Chagas até ao alto do Maxaquene, e de lá descrevendo quási outro ângulo igual até à praia, pela parte interior das ravinas que as dunas formam. 
Algumas casas da cidade e todas as da Ponta Vermelha incluindo a estação do telégrafo submarino, ficaram fora da linha por serem deficientíssimos os elementos de que se dispunha. 
As fortificações constavam de 12 blockhaus dispostos da seguinte forma: 
BH 1. um, no pântano, perto da linha férrea, guarnecido à noite por seis marinheiros e quatro cipais, comandados por um sargento e artilhado com uma metralhadora Nordenfelt. 
BH 2. Outro, no sopé da colina onde assentava o quartel, era ocupado por quatro marinheiros e um cabo. Este não tinha senão o fôrro de zinco exterior, sem estrado e era defendido por uma pequena peça montada num reparo de marinha, sem rodas, que a cada tiro saltava fora das munhoneiras. 
BH 3. No alto do quartel, comandando a antiga estrada do Transvaal e a baixa do Mahé, outro, com uma peça de 8 cm. 
BH 4. Ao norte, comandando o caminho do Zixaxa, outro, com um canhão-revólver. 
BH 5. Na intersecção da Avenida Tito de Carvalho com a de Pinheiro Chagas, outro, com uma peça de campanha de 8 cm. 
Estes três blockhaus (BH 3 a 5) eram guarnecidos e comandados por oficiais e soldados do corpo policial. 
BH 6. Entre o lado NW do cemitério e a casa do português Domingos havia outro blochhaus com igual armamento. 
BH 7. No topo da Avenida Central, dominando toda a baixa da Munhuana levantava-se outro, o maior de todos, com a mesma artilharia. 
BH 8. No alto do Maxaquene, outro; 
BH 9. na avenida Francisco Costa, outro; 
BH 10. defronte da casa do cônsul inglês, outro; 
BH 11. e quási em frente da estrada da Ponta Vermelha, em cima das dunas, outro; eram todos do mesmo tamanho e armados com uma peça de 8 cm. Estes últimos eram guarnecidos e comandados por praças e oficiais dos batalhões de caçadores n.° 1, 2, 3 e 4 da guarnição da província. 
BH 12. Na praia havia, outro blockhaus, armado com uma metralhadora Nordenfelt, sem revestimento interior e que era alagado pela maré cheia. Era guarnecido por seis marinheiros comandados por um sargento. Havia mais uma peça de 8 cm, a enfiar o caminho da praia, que estava isolada e sempre carregada, havendo ordem para só fazer um tiro, sendo-lhe dado fogo por uma das praças do blockhaus".
Informa também EN: "No quilómetro 3 (da linha férrea) estava de noite uma máquina e um furgom com gente armada para vigiar a linha. Depois do ataque do dia 9, corria do Matadouro até à praia, pela linha da Avenida D. Carlos, uma máquina com um vagão de plataforma, armado com uma metralhadora Nordenfelt guarnecida por marinheiros. Era um dos melhores meios de defesa, não só pelo pavor que inspira quer a brancos quer a (africanos) uma locomotiva caminhando sôbre éles, mas porque era uma sentinela vigilante policiando o pântano e frente das avenidas, e ainda porque rápidamente acudiria ao local onde se manifestasse o perigo.". 
avaliação global de EN sobre eficácia da linha de defesa era a seguinte: 
"A cidade baixa continuava a conservar as barricadas levantadas no topo das ruas. Apesar de todos os esforços, os flancos estavam fracamente defendidos. O esquerdo (no antigo pântano) apenas tinha dois blockhaus com denso mato em volta, podiam ser fàcilmente contornados sem o seu fogo o poder impedir. O direito (a leste = nascente) apenas tinha o blockhaus da praia e o canhão de que falámos, podendo os (africanos) virem a salvo por entre as ravinas e aparecer quási de súbito ao pé déle, o que quer dizer que estavam no coração da cidade".
Note-se que estes foram os blockhaus decididos a 4 de outubro de 1894. Sobre as medidas militares tomadas antes, por exemplo no dia 23 de Setembro, nomeadamente postos de defesa armados mas sem construção de protecção, ver o artigo anterior

Voltando à IMAGEM 1 aparece aí a linha de caminho de ferro e poderia ser então num ponto qualquer entre a Praça dos caminhos de ferro e o Matadouro, pois que desse ponto para a esquerda = oeste a praia começava a ficar mais afastada da linha. Poderia estar aí o blockhaus BH 1 mas problema é que EN dizia que a "linha de defesa partia do lado NW do Matadouro" e por isso o BH 1 estaria para norte da linha enquanto que o BH da IMAGEM 1 ficava para sul (do lado do estuário) da linha. Outra hipótese seria a IMAGEM 1 ser do BH  12, do outro lado da Baixa (o oriental), sendo a linha férrea a referida secundária marcada a preto, mas para aí os dados também não jogam muito certo. 
No PLANO é no entanto para os BH 8, 9, 11 e 12 que tenho mais dúvida da posição pois não sei se estavam por aí ou por exemplo mais em linha com o BH 10 do consulado britânico, quer dizer se esses quatro estavam tão para a direita = leste como desenhei e que actualmente seria mais ou menos na direcção da Av. Cabral, antiga Pero de Alenquer.

JORNAL THE GRAPHIC acompanhava a IMAGEM 1 dum texto que traduzi (foi escrito em 1894 e dum nítido ponto de vista colonial): 
"Em outubro de 1894 os portugueses foram ameaçados por uma revolta nativa e reforços foram enviados para LM onde a ameaça parecia maior. Quando as tropas chegaram a cidade foi fortificada. Barricadas de tambores de ferro foram construidas nas entradas da cidade e grupos de homens colocados em posições convenientes. A tarefa mais dificil foi a patrulha da linha de caminho de ferro sobre a qual um ataque era esperado. Torres de vigia foram erigidas a espaços ao longo da linha tendo as torres junto à costa a dupla função de observar a linha de combóio e as aproximações pela costa. Estas torres eram equipadas com metralhadoras e ocupadas por destacamentos de marinheiros. Dois navios ingleses acostaram para proteger os interesses britânicos e foram depois substituidos por outros dois. A meio de novembro 500 tropas africanas, pagas pelos portugueses, chegaram de Angola, mas no fim do mês a rebelião nativa estava a amortecer e não houve combates. De acordo com as últimas informações parece que os portugueses estão à espera que as chuvas parem antes de tentar punir os nativos. Entretanto as barricadas nas ruas da cidade estão a ser gradualmente removidas embora as torres se mantenham porque não é considerado seguro diminuir a vigilância pois um ataque de surpresa pode ser tentado." 
O jornal baseou-se no relato de um dos membros da tripulação dum dos navios ingleses e parecia minimamente informado em relação ao que tinha acontecido e aos planos de resposta dos portugueses (mas pelos livros de Eduardo Noronha ficámos a saber muito mais e a poder corrigir alguns pontos).

O livro "Campanha das Tropas Portuguesas em LOURENÇO MARQUES E INHAMBANE" publicado em 1897 e escrito por alguns dos mais destacados militares portugueses nela intervenientes tem o seguinte texto relativo à situação da linha de defesa a seguir a 12 de Novembro, data em que numero significativo de tropas desembarcou vindo de Portugal: "As linhas eram constituídas por doze blockaus dispostos em volta da cidade, desde o pântano até á praia, e ligados por uma sebe de arame. Espécie de coretos, elevados a cerca de 3 metros do solo, construidos de madeira fornida de zinco, eram defendidos cada um por uma boca de fogo, variando desde a Laliite de 8" à metralhadora Nordenfelt, e guarnecidos por seis a dez praças de pret. Extremamente penoso, o serviço das linhas contribuiu poderosamente para deteriorar a saúde das forças, sem que a utilidade da sua occupação compensasse os sacrifícios que exigia". Vi a mesma ideia noutros textos, o que mostra que o levantamento das barricadas no centro da cidade a partir de 7 de novembro de que falámos aqui não significou o fim da linha de defesa exterior que se manteve pelo menos nas semanas seguintes. 

No próximo artigo falaremos sobre as últimas barricadas na Baixa da cidade.

PS 1: Sobre os diferentes pontos de vista com que o mesmo assunto pode ser observado, nestes artigos adopto a terminologia usada pelos relatores ocidentais da época (portugueses, ingleses, etc). Quem achar que os "defensores da cidade" é que eram os "invasores do país" está no seu absoluto direito e poderá então também escrever os textos que quiser e onde quiser.

PS 2: Na wikipedia há um texto que me parece balanceado e sobre o cerco está mais ou menos correcto. Mas sobre LM ter estado fortificada por três linhas sucessivas de trincheiras não corresponde ao que vimos, pois uma trincheira é escavada.. 
Mas principalmente sobre a cidade ter sido saqueada, os defensores portugueses terem sido obrigados a refugiar-se na fortaleza que foi cercada e a sua queda ter sido impedida pelo bombardeamento feito por navios de guerra, como aí se diz, parece-me fantasia completa. Não sei qual foi a fonte mas não é inventando conforme convém para uma "agenda qualquer" que se defenderá eficazmente um ponto de vista.

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