Defesa de LM em 1894 - defesas do final de setembro ao início de outubro (4/14)


Continuo a série sobre o cerco de Lourenço Marques (LM) da segunda metade de 1894.
Esta imagem, do blog ma schamba, mostra voluntários civis estrangeiros que participaram na defesa da cidade e é originária do livro "Como era Lourenço Marques há 50 anos" de 1949.
Residentes estrangeiros em LM que pegaram em armas
Esta imagem pode assim ilustrar o texto dos livros de Eduardo Noronha (EN) "A Rebelião dos Indígenas" e "A Defesa de Lourenço Marques" (site malhanga).
EN, como em muitas partes dos seus escritos, não é muito claro porque primeiro diz sobre as barricadas por volta de 25 de setembro: "O serviço era violentissimo, toda a tropa, todos os funccionarios e bastantes particulares, perdiam noites consecutivas, de pé, nas barricadas, ao cacimbo, á chuva, a rudes ventanias e tempestades. Quem primeiro se cansou de tal serviço foram os estrangeiros; com dissidências entre si por emulações de comércio e rivalidades de pátria, começaram a escassear nas barricadas, até que por fim ficaram, salvo rarissimas excepções, guarnecidas apenas por nacionaes". De notar ainda que contráriamente ao que está na legenda original, os ataques não foram de Gungunhana / Ngungunyane mas seguramente que ele deu o consentimento aos chefes africanos directamente envolvidos.
Mas na página 96 EN indicia que o problema com os residentes estrangeiros foi mais das autoridadades portuguesas que os deviam ter envolvido mais na defesa e enquadrado melhor pois eles estavam prontos a participar..
Do primeiro dos livros indicados, entre as páginas 38 e 39, sobre as medidas militares que estavam tomadas no dia 23 de Setembro (ver cronologia), o dia da primeira morte em Anguane, da distribuição de 2 000 armas aos residentes e do recuo da maior parte dos defensores para a Baixa na madrugada seguinte pensando estar sob ataque, consta isto:  
"As medidas militares tomadas consistiam em:
PD 1. posto artilhado com uma metralhadora Nordenfelt, no Matadouro, a 1 800 metros a oeste da cidade. Era defendido pelo pessoal do caminho de ferro, cerca de 46 homens, todos civis, à excepção do alferes Brito, capitão Oliveira e tenente coronel Araújo, director. Era o unico capaz de se defender e resistir devido à influência pessoal de quem o commandava. 
PD 2. Na casa das machinas para elevação da agua, no pântano, havia um segundo posto, que se compunha de todo o pessoal operário das Obras Publicas, cerca de 35 homens dos quaes apenas 5 tinham sido militares. Era commandado pelo engenheiro Paes de Almeida e se bem que tudo boa gente, álem de estarem mal abrigados, faltava-lhe o conhecimento da arma que manejavam e a cohesão da resistencia. 
- No quartel do alto do Mahé, estavam os 50 marinheiros, 22 soldados da policia, major Assumpção e tenente coronel Martins de Carvalho. Havia duas peças em bateria, uma ba-tendo a linha ferrea que atravessa o pantano e outra na avenida da Matolla batendo o bairro indígena. 
PD 3. Próximo do cemitério estava um posto de 15 homens, commandado pelo tenente graduado Ramos da Silva, ao lado, sobre a estrada, havia uma peça que varria a langua da Munhuana. De guarnição a esta peça, estavam dois soldados do corpo policial e dois cipaes da administração. 
- Entre o quartel e o posto cruzavam duas patrulhas que tinham que percorrer uma distancia de 1 800 a 1 900 metros antes de socorrerem ou serem soccorridos. 
PD 4. Na avenida Francisco Costa, em casa do dr. Ferreira, havia um outro posto, occupado pelos Bombeiros Voluntários e alguns civis que se lhe agruparam, comprehendo ao todo 33 homens, commandados pelo sr. Fortunato Cagi (marcado em baixo mas com dúvidas) 
PD 5. A casa da Câmara formava outro posto cem todo o pessoal municipal superior e menor, cêrca de 25 homens, commandados pelo secretario Joaquim José Pereira. A casa tem primeiro andar, o secretario foi militar, é um caracter decidido e energico e fez do edificio um nucleo de resistencia importante (marcado em baixo como sendo nos Paços do Concelho mas com dúvidas) 
PD 6 . Finalmente, na Alfândega todo o pessoal aduaneiro, a que se reunira o da capitania do porto commandado pelo escrivão Velloso, com um total de 50 homens, estava concentrado e conservava-se prompto a ser mandado para qualquer local que fosse necessario defender ou reforçar. 
Ora estes 270 homens, civis na maioria, sem nenhuma noção do serviço militar, sem nunca terem visto o fogo, tinham que defender uma cidade aberta por todos os lados, sem sombra de fortificação, abrangendo uma linha de perto de quatro kilometros na peripheria. Acrescia a isto, a noite estar escuríssima, não se divisar um vulto a dez metros de distancia e presumir-se que os negros atacariam simultaneamente por muitos pontos"
Podemos tentar representar essa linha de Pontos de Defesa (PD) - armados mas sem construções de protecção - de cerca de 4 km de perímetro mas com algumas dúvidas principalmente sobre o seu lado leste = nascente = direita. 
Essas eram então as medidas militares que estavam tomadas até 4 de outubro de 1894 (o dia dos raid do gado na Munhuana).  Os blockhaus (BH) só foram decididos nessa data e a sua construção e conclusão foi progressiva até ser completada no dia 13 desse mês. Por isso alguns dos ataques mostrados em baixo podem ter sido já respondidos a partir de BH que entretanto tivessem substituido os PD que estão aí marcados (veremos uma planta semelhante com os BH aqui): 


PLANO DE ARAÚJO de 1892 / 95 (a maior parte não estava construido em 1894)
com legendas correspondentes ao texto de cima - clique para aumentar
PD: estimativa da posição dos postos de defesa 
segundo a descrição de EN com dúvidas especialmente nos "??"
Branco: linha férrea principal de acesso a LM
Mancha laranja: zona do raid dos rebeldes ao gado de 4 de outubro na Munhuana
Mancha carmesim: estimativa do local da tentativa de invasão de 10 de 
outubro (da tentativa de 9 de outubro o local não é claro no texto)
Laranja: matadouro antigo, ao fim a oeste da 
actual Av. 25 de setembro (sob a ponte nova)
Outras cores e marcas: ver o texto de cima

Alguns dos PD indicados seriam na rua e outros usando casas existentes. Note-se que nos dias 9 e 10 de outubro houve também ataques nas Mahotas e na Sommerschield que ficam fora desta carta e por isso não foram aí representados.
Quanto a barricadas na Baixa, sabe-se que a 24 de setembro foi decidido levantar mais e que após a retirada de Anguane (nesse dia ou a 25) algumas delas foram melhoradas, algumas artilhadas e receberam mais profissionais das armas. Ainda do livro "A Rebelião dos Indígenas" sabe-se que na noite de 25 de setembro a situação físíca e humana nas barricadas era a seguinte:
"Nessa noite, todos os habitantes da cidade, nacionaes e estrangeiros, ficaram de vigia e guarneceram as barricadas que lhe foram indicadas:
- avenida 18 de maio, defendida pelo pessoal do caminho de ferro, commandado pelo tenente coronel Araujo ("azul claro" nas plantas em baixo);
- rua Araujo pelos estrangeiros, tendo à sua frente Mr. Cook, gerente do Banco de Pretoria ("azul escuro" nas plantas em baixo);
- rua de D. Luiz por estrangeiros e portuguezes, ás ordens do sr. Benjamim Cohen ("azul médio" nas plantas em baixo);
- travessa de S. Pedro por mouros, banianes e soldados de caçadores 4, sobre o commando do tenente Tito Nogueira ("preto letra A" em baixo, presumo que fosse a actual rua da Mesquita);
- travessa da Palmeira por soldados de caçadores 3, dirigidos pelo capitão Leão ("preto letra B" em baixo);
- travessa da Catembe por soldados de caçadores 4, sob a vigilancia do capitão Pina Rollo ("preto letra C" em baixo, suponho que fosse a Travessa do Baluarte já que a da Catembe estava mais para sul);
- travessa da Porta da Linha por uma força de marinheiros com o tenente Sepulveda por commandante ("preto letra D" em baixo);
- travessa das Laranjeiras pelos Bombeiros Voluntários com o capitão Miranda ("preto letra E" em baixo); 
- rua da Fonte por outra força de marinheiros com o guarda-marinha Nogueira ("preto letra F" em baixo);
- travessa do Maxaquene, rua Lapa e rua de Nossa Senhora da Conceição pelo Corpo policial, às ordens do major Assumpção, capitão Aguiar, tenente R. da Silva e alferes Custodio Silva, Praça e Baptista da Silva  ("preto letras G, H e I" em baixo, com dúvidas); 
No Atheneu Commercio e Industria havia um posto armado commandado pelo tenente Encarnação - era capaz de ser na Rua D. Luiz, actual Consiglieri Pedroso, tinha primeiro andar como se lê na pág. 83 do livro "A Rebelião dos Indígenas", "preto letra J" em baixo.
E continua o livro relativamente a mais elementos da defesa da cidade na noite de 25 de setembro: 
"Fóra da linha das barricadas estavam os postos (armados?) seguintes:
- hospital (civil e militar), dirigido pelo dr. Arnaldo Vieira; 
- Camara Municipal (Paços do Conselho na Baixa) commandado pelo secretário Joaquim José Pereira - "preto letra K" em baixo;
De prevenção havia:
- edifício das obras publicas (actual Av. 25 de setembro) todo o pessoal sob a direcção do engenheiro Paes de Almeida -  "preto letra L" em baixo;
De serviço no quartel general, estavam os tenentes Noronha e Moreira de Sousa, alferes José Francisco e Castello Branco e o sub-chefe da repartição de Fazenda, Ernesto Mestre. A séde do quartel general era no Café da Bianca, junto da barricada dos marinheiros (ou seja a da travessa da Porta da Linha)Ali se conservaram durante todas as noites, o governador geral, general de brigada Fernando de Magalhães, governador do districto Canto e Castro, commandante da corveta, Moraes e Sousa e todos os officiaes que estavam às suas ordens - "preto letras Q G" em baixo".
Ainda sobre a noite de 25 de setembro:
"A cidade alta fóra abandonada e os moradores convidados a recolherem-se no recinto defendido pelas barricadas. Essa noite passou-se como muitas outras e o silêncio apenas era interrompido pelos multiplicados "Quem vem lá?" das sentinelas, e por um ou outro tiro disparado por impericia. O serviço era feito com a maior cautella, a cavallaria patrulhava nas avenidas, nas barricadas ninguem dormia, as rondas succediam-se sem interrupção, e era crença arreigada em todos que os negros viriam assaltar a cidade nessa noite por causa da retirada de Anguane".
Marco aqui as posições das barricadas na Baixa, que penso se combinariam com os PD e a linha de patrulha mostrados no PLANO de cima. Quer dizer que à noite na parte alta da cidade ficavam os militares e funcionários públicos guarnecendo esses PD mas toda a população dessa zona se refugiava dentro das barricadas na Baixa e isto durante um mês pelo menos, de 2/3 de Setembro até 2/3 de outubro):

CARTA de 1925 mais ou menos equivalente à situação de 1894 
com legendas correspondentes ao texto de cima - clique para aumentar
Verde: praça 7 de março, actual 25 de junho
Castanho escuro: fortaleza
Laranja claro: actual Av. 25 de setembro

Outras cores e marcas: ver o texto de cima
Disto tudo depreeende-se que os voluntários portugueses ou estrangeiros guarneceram só as barricadas na Baixa. Não se consegue ver onde terá sido tirada a primeira foto com os estrangeiros e de qualquer modo sem se saber a sua data precisa seria difícil explicar ao que corresponde na cronologia dos acontecimentos.
No próximo artigo falaremos do estádio seguinte da defesa da cidade de Lourenço Marques, actual Maputo ao ataque dos rebeldes africanos e que consistiu nos blockhaus que foram construidos a partir de 4 de outubro de 1894.

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