Lanchas canhoneiras em LM, fabricadas nos estaleiros Yarrow (5/11)

Continuando o tema das canhoneiras em Moçambique primeiro um pormenor de foto tirada por Gago Coutinho durante uma das suas missões geográficas ao território ultramarino português no inicio do século XX (20):

FOTO 1

 
Barco a vapor com pás (actd/iict),
em que se vê o canhão da proa mais claro no deck superior

Não temos mais informação do que a da legenda, por exemplo a localização que podia ser importante, mas o barco a vapor da FOTO 1 seria canhoneira da armada e podia ser do tipo das da classe Lacerda (Lacerda e Serpa Pinto). Estas tinham sido compradas em 1895 e foram abatidas ao serviço por volta de 1908 por isso, sendo a FOTO 1 de 1907,  nesse aspecto haveria conformidade. Todavia a da FOTO 1 parece ter duas chaminés relativamente largas enquanto que a da classe Lacerda que tinhamos visto aqui tinha uma larga e uma muito mais estreita. No tipo de cabine no deck superior não se consegue vê se há diferença ou não em relação por exemplo à Serpa Pinto porque na FOTO 1 ela está tapada lateralmente mas quanto à estrutura de suporte dos toldos parecem equivalentes nos dois casos, tanto na posição dos suportes (inclinados) como no seu comprimento total em relação à chaminé à frente e à cobertura inferior atrás do navio.
Esta dificuldade de identificar exactamente a lancha da FOTO 1 e por isso de confirmar se ela terá sido fabricada nos mesmos estaleiros Yarrow que as quatro de 1895 que vimos seguindo serve de introdução ao que veremos neste artigo. De facto no espectacular site Gracesguide aparece uma detalhada história técnica dos estaleiros na qual não aparecem os vapores de rodas de pás fornecidos a Portugal para Moçambique e por volta de 1895 mas para essa época aparecem muitas lanchas semelhantes feitas para outros estados pelo que dá ideia que havia grande produção e com variantes.
Vejamos por exemplo a seguinte lancha de 1890 comprada pela Inglaterra para o rios Zambeze e Shire nos actuais Zâmbia e Malaui e que descem daí para o centro - norte - oeste de Moçambique.

FOTO 2
Canhoneira a vapor inglesa Mosquito de 1890 no Tamisa junto a Londres
(esta canhoneira é-lhe igual e também para o UK mas de 1898 / 99).

A canhoneira da FOTO 2 (inglesa) tinha os suportes inclinados para os toldos no convés superior e comprimento total similar ao da FOTO 1 (portuguesa, em princípio)  mas podia haver diferença em relação à chaminé, única de larga secção na FOTO 2. 
Vê-se ainda que na FOTO 2 e em relação à Serpa Pinto a cabine no deck superior era mais curta, limitando-se certamente ao posto de pilotagem, pelo que na da FOTO 2 o aposento do seu comandante seria no deck inferior ao lado do da tripulação o que dá ideia do tipo de variantes possível.. 
Podemos ver outra embarcação do mesmo tipo construida pela Casa Yarrow, neste caso para o governo francês em 1898 e semelhante à da FOTO 2 mas parece-me que mais longa (ou será impressâo por a cabine inferior ser mais curta?).

FOTO 3
Canhoneira Yarrow para França de roda de pás à ré e para águas baixas de 1898

Pelo que indica a legenda, a canhoneira de cima tinha c. 30 m de comprimento, 5,2 m de boca, 0.5 m de calado e velocidade de 10 nós pelo que não correspondia exactamente às caracteristicas das duas classes das portuguesas que vimos no QUADRO do artigo anterior preparado a partir da informação do site os rikinhus (mas como já disse é provável que a Lacerda tivesse 0.5 m de calado como a da FOTO 3 e não 0.3 m como está nesse quadro). De novo fica-se com a impressão que a fábrica Yarrow durante o período que aqui seguimos tinha um modelo de base mas podia fazer variantes conforme os pedidos dos clientes.
Nos exemplos que mostrámos neste artigo até aqui (e também para esta canhoneira russa de 1891 da Yarrow) os suportes do toldo superior eram inclinados. Podiamos daí suspeitar que tivesse havido engano na informação que nos chegou e que a Capelo, que tinha essa característica diferente (e também chaminé dupla em vez da única das FOTOS 2 e 3), pudesse não ser produzida pela Yarrow até porque devia haver muita concorrência mesmo só de estaleiros ingleses. Mas vejamos esta lancha para uso civil também fabricada pela Yarrow para África e na mesma época das quatro portuguesas.


IMAGEM 1
Vapor de rodas de pás à ré da Yarrow para o (rio) Congo

Nesta canhoneira os suportes para os toldos no convés superior eram verticais o que confirma que a Yarrow tinha uma gama grande de modelos. Por exemplo nesta da IMAGEM 1 a chaminé das fornalhas para a caldeira geradora do vapor estava do lado da proa enquanto que em todas as outras que tinhamos visto estava para o centro da embarcação. 
Todavia um elemnto comum a todos estes exemplos da Yarrow era o motor que era movido pelo vapor que estaria junto à roda de pás que accionava e por isso separado da caldeira / fornalha (outro exemplo aqui). Essa separação exigiria que a conduta do vapor atravessasse o navio quase em 2/3 do seu comprimento total mas devia ser a única configuração possível para distribuir as cargas maiores pela estrutura do casco do navio e para que ele ficasse equilibrado.
Note-se que na FOTO 2 se trata de embarcação de guerra (gunboat) mas para as armas só se vê as bases para a sua colocação. António Enes no seu livro não detalha se para as portuguesas as armas tinham sido compradas por intermédio da Yarrow ou separadamente a um fabricante especializado.  
Sobre o estaleiro naval Yarrow há muita informação por exemplo na wikipedia aqui e aqui. Resumindo-a, a Yarrow & Company Limited (Yarrow's) foi fundada na zona ribeirinha de Poplar, Londres em 1865, mudou-se anos mais tarde para Glasgow e no total construiu centenas de navios a vapor, dos menos sofisticados como era o caso das lanchas portuguesas aos mais sofisticados. Foi também um inovador fabricante de caldeiras de vapor para outras utilizações, locomotivas ferroviárias e geradores eléctricos por exemplo.
No próximo artigo falaremos da deslocação da lancha Capello / Capelo do estaleiro provisório em LM onde foi parcialmente montada para o rio Limpopo.

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