Lanchas canhoneiras em LM, Capello para o rio Limpopo (6/11)

O site os rikinhus tem uma foto da lancha canhoneira Capelo (Capello) mas sem dar a sua localização:

FOTO 1
Lancha Capelo na margem dum rio, aparentemente junto a um posto militar

Como vimos no artigo anterior sobre a classe Ivens / Capelo estas duas lanchas tinham duas chaminés de grande secção e os suportes do toldo verticais, dois elementos que fácilmente as distinguem das da outra classe (Lacerda / Serpa Pinto). 
Referimos já a actuação da lancha Capello em conjunção com o vapor Neves Ferreira durante a campanha político / militar de 1895 no rio Limpopo mas aqui veremos o que o antecedeu. Como para os artigos anteriores sigo a informação de António Enes (AE) em Guerra d'Africa de 1898 a partir da página 386 do livro / 406 do pdf.
Sumarizando, o casco da lancha Capello, a que inicialmente estava prevista ir para o rio Inharrime (vê-lo aqui na "horizontal" entre o Xai-Xai e Inhambane) mas que AE alterou, foi montado em Lourenço Marques (LM), actual Maputo nas cercanias da Ponte Holandesa / Cais Holandês do lado ocidental da Baixa (por onde passa agora a ponte nova) e foi depois rebocado pela costa do Indico até entrar no rio Limpopo onde foi estacionado. Aí procedeu-se à montagem do resto da embarcação, isto das as caldeiras, máquinas, rodas de pás, cabines, armamento, etc.
Uma primeira tentativa de reboque do casco da Capello a partir de LM esteve aprazada para 21 de agosto de 1895 com o vapor Neves Ferreira no papel principal e a lancha Incomati no de auxiliar mas esta não pode seguir como planeado e o Comissário Régio AE, a autoridade máxima portuguesa em Moçambique na altura, resolveu mudar o plano. Passaria a ser a corveta Diu a rebocar o casco até à entrada na barra do Limpopo, o Neves Ferreira iria à frente fazer o reconhecimento das condições na barra e se elas estivessem convenientes tomaria o casco que a Diu tinha rebocado e levá-lo-ia através da barra para o rio. Mas após a partida de LM do Neves Ferreira o tempo alterou-se e a corveta Diu não pode sair para o mar, para mais que levando a Capello a reboque e não tendo esta motor e sendo de fundo chato estava desgovernada pelo que havia o risco de águas agitadas as duas embarcações colidirem e naufragarem-se. 
Podemos ver a corveta Diu (foto do site restos de colecção) que estava previsto iria em 21 de agosto de 1895 rebocar o casco da lancha Capello de LM até à foz do Limpopo, plano que teve de ser anulado: 

FOTO 2
Canhoneira / Corveta mista Diu (1889 -1913) 
que foi comandada em 1895 por Macedo e Couto

Dado esse contratempo, para a deslocação (do casco) da lancha Capelo para o Limpopo ser mais mais segura foi alugado em Durban o rebocador Fox de que falaremos noutro artigo e já com este reforço a tentativa seguinte foi realizada a 31 de agosto apesar de se ter de novo levantado mau tempo. O casco da lancha foi então rebocado pelo vapor Neves Ferreira com o referido rebocador Fox atrás e apesar de grandes dificuldades com o mar conseguiram entrar os três na barra do Limpopo. Mas o receio em LM de que algo tivesse corrido mal foi tanto que enviaram a canhoneira Rio Lima à zona para confirmar se tudo tinha corrido bem mas dada a dificuldade de se aproximar da barra do Limpopo este navio não o conseguiu, mas como não viu destroços nem náufragos deve ter levado para a cidade boas notícias. 
Vemos de novo na montagem seguinte Diogo de Sá, o comandante do Neves Ferreira nessa época, o grande responsável pela condução da Capelo ainda incompleta a "bom porto" no Limpopo. Na foto do centro ele aparece precisamente com a patente militar que tinha nessa altura (primeiro tenente):

FOTOS 3
Diogo de Sá, pregressão na idade e de patente de Tenente a Comandante
(fotos do arquivo da marinha)

Como temos visto nestes artigos e não devia ser para aumentar artifícialmente o dramatismo da sua narrativa, são inúmeros os casos em que AE refere reviravoltas no estado do tempo e do mar, geralmente para pior e que lhe alteraram os planos. Tal faz-me crer que as previsões meteorológicas terrestes e marítimas eram ainda muito deficientes. Quanto a instrumentos científicos AE menciona o barómetro (onde a medição de alta pressão significa previsão de bom tempo) mas as surpresas foram tantas que o planeamento na campanha, em que as condições de tempo podiam ser factor decisivo, acabava por ser quase aleatório. Sobre as previsões e oscilações de tempo na baía de LM, actual Maputo escreve o oficial de Marinha Ivens Ferraz na memória de 1902: "Em regra o mau tempo começa sempre entre W e S fazendo-se annunciar por uma grande subida no thermometro, que em geral precede as oscillações do barómetro. Os temporaes d'este quadrante costumam durar dia e meio. Sopra o vento, a principio, com força de S W, vem ao S e rondar depois até S E, melhorando as circumstancias, e continua S gradualmente rondando até ao N E, que dá sempre tempo ranço e limpo durante alguns dias. Muitas vezes os temporaes duram trez dias e mais, sendo vulgar ouvir dizer aos marítimos da localidade que "o sul na bahia dura trez, cinco ou sete dias" ".
Depois de ter sido fundeada na margem direita do Limpopo perto da sua foz, a montagem do resto da Capello, comandada por Álvaro Soares de Andréa, prosseguiu como previsto com o pessoal técnico que tinha ido de LM e foi bastante rápida dado que a 14 de setembro de 1895 a lancha foi considerada capaz de navegar.

FOTO 4
Soares de Andréa em 1903

Entretanto o vapor Neves Ferreira, na sua primeira exploração do rio tinha conseguido ir até onde ele se bifurcava (por isso chamaram-lhe aí Ilha Verde), na zona de Languene. Diz AE que isso era no ponto de latitude 24°50'' sul, a 50 milhas da foz, o que deve ser por aqui pelo que as coordenadas completas são 24°50'40.0"S 33°37'28.6"E, com a longitude da posição que eu estimo. 
Soares de Andréa fez a primeira tentativa de subir o Limpopo com a Capelo no dia 26 de setembro, encalhou nalguns pontos mas foi conseguindo encontrar canal e progredir rio acima e diz AE "tendo subido a 70 milhas da foz, apenas mais 20 do que o Neves Ferreira, e à latitude de 24  41' S". O ponto onde a Capelo chegou deve então ser por aqui onde o rio passa a oeste do Chibuto e que tem coordenadas completas 24°41'40.0"S 33°30'37.6"E com a longitude da posição que eu estimo. Diz ainda AE que a Capelo "voltou para traz sem ter chegado á foz do Chengane (o nosso conhecido Ualuize, a sua embocadura no Limpopo seria para aqui, lógicamente a montante do Chibuto) nem ter averiguado se lá podia chegar" e que a 2 de outubro de 1895 estava de regresso ao ponto de partida, perto da foz do Limpopo.
Podemos ver na parte superior desta carta a actual cidade do Chibuto que se constatou ser o limite de navegação da Capelo no Limpopo e em na parte inferior estaria o limite do Neves Ferreira e a diferença em linha recta entre os dois pontos seria duns 16 kms. Avaliando a situação, a Capelo podia não conseguir subir tanto para montante no rio quanto AE desejava mas conseguia subir mais do que o vapor Neves Ferreira, e depois movimentava-se ao longo desses limites no rio mais ou menos fácilmente. Por isso foi muito útil para a campanha portuguesa de 1895 ter sido colocada uma embarcação própria para navegação fluvial no Limpopo, contráriamente ao caso da lancha para o Incomáti que basicamente ficou aí estática e a poucas milhas da foz. 
Abrindo um parentesis quanto a isso, para além dos dois rios serem óbviamente diferentes, tendo em consideração o QUADRO com os dados de "os rikinhus" a lancha Capelo do Limpopo era bastante mais longa do que a Lacerda do Incomáti. Daí a Capelo dever ter mais dificuldade em encontrar canal do que a Lacerda (as duas teriam calado igual) o que é o contrário do que aconteceu. António Enes não dá as caracteristicas das lanchas por isso realmente não sei se o QUADRO está certo ou não, como já alertei antes é estranho que as lanchas maiores fossem as mais leves como está lá. Parece-me que só um investigador mais dedicado consultando os arquivos da Marinha poderia resolver esta questão técnica mas essencial para se tentar entender o que aconteceu. 
Fechado o parêntesis, seguiram-se depois mais reconhecimentos feitos pela Capelo e pelo Neves Ferreira do rio Limpopo, das populações, povoações e da presença de forças inimigas nas suas margens até que, como vimos neste artigopor volta de 16 de outubro de 1895 os dois navios já bem no interior do reino de Gaza fizeram fogo pela primeira vez e como forma de pressão mais directa sobre Gungunhana. Como já disse antes sigo aqui a versão convencional portuguesa dos factos e é óbvio que só conto um dos muitos lados da história. 
Também como já disse num artigo passado estes acontecimentos de 1895 não foram há tanto tempo quanto isso porque a pessoa viva mais velha do mundo hoje (10.8.2020, a senhora japonesa Kane Tanakanasceu só cinco anos depois da rendição de Gungunhana no final de 1895. E tanto é que (mas também contribui as modas nas barbas e penteados serem cíclicas) o cavalheiro da foto seguinte que pode parecer actual é o tenente Valente da Cruz, o imediato do vapor Neves Ferreira e que foi por vezes destacado para a lancha Capelo tendo comandado vários desembarques e acções bélicas em terra em Gaza. Está aqui registado na patente e certamente com a idade aproximada que tinha na campanha de 1895, há uns 125 anos atrás (foto do arquivo da marinha) e voltaremos a falra sobre ele mais em baixo:

FOTO 5
Segundo tenente de marinha Valente da Cruz, 
imediato de Diogo de Sá 

Não sei se a lancha Capelo terá depois de 1895 sido deslocada para outro rio mas como se viu neste artigo, se a FOTO 1 for de 1895 ela estaria atracada no rio Limpopo entre a foz e o Chibuto. O local onde se completou a sua montagem foi na margem direita onde tinha havido um posto militar português e o antigo estabelecimento do comerciante Deocleciano Fernandes das Neves, instalações que tinham sido abandonadas c. de 1881 segundo a página 53 dos Elementos para um Dicionário Corográfico de Joaquim Lapa e Alfredo Brandão Ferreri (os tais ultra esforçados funcionários portugueses muito mal reconhecidos pelos poderes actuais de Moçambique ...). É por isso possível que a FOTO 1 mostre a lancha no local onde foi montada e que lhe serviu de base de operações, quer dizer que as construções no alto fossem uma combinação de instalações recentes feitas para a campanha de Gaza com outras anteriores e se assim fosse a foz do rio Limpopo no oceano Índico estaria 6 milhas para a esquerda da FOTO 1 mas...
Como vimos antes, a lancha Serpa Pinto era da classe da Lacerda que foi para o rio Incomati e estava previsto ela ir para lá também, mas certamente devido a ter-se concluido que não poderia lá navegar deve ter sido preparada e deslocada para o rio Limpopo da mesma forma que a Capello tinha sido. O livro "Campanha das Tropas Portuguesas em LOURENÇO MARQUES E INHAMBANE" diz o seguinte: "A terceira (lancha), isto é a Serpa Pinto só em dezembro (de 1895) apromptou para seguir também para o Limpopo sob o commando do tenente Valente da Cruz", precisamente o jovem oficial da FOTO 4, anteriormente imediato de Diogo de Sá no vapor Neves Ferreira. 
Como vimos neste artigo pelo menos a lancha Serpa Pinto parece ter ficado no rio Limpopo eplo que presumo que o que o tenente Diogo de Sá propunha na segunda metade de 1895  para o controlo militar de Gaza e que seria: «O estabelecimento deste posto (no Xai-Xai) e de outro em Languene... juntamente com duas ou três lanchas-canhoneiras, devem para sempre conservar debaixo do nosso domínio effectivo todas as povoações do Limpopo, não precisando esses postos ser muito numerosos, porque teem sempre os «navios a apoia-los em qualquer operação de guerra que porventura haja de fazer-se"  terá sido, pelo menos em parte, posto em práctica. 

NB 1: Informação completa sobre o que sumarizo em cima e a que junto alguns comentários é dada por António Enes no seu livro Guerra d'Africa de 1898 a partir da página 386 do livro / 406 do pdf:
"Quando cheguei a Lourenço Marques, a 18 (de Agosto de 1895), estava tudo preparado para se fazer o transporte n'estas condições; somente, a Incomati não poderá ser encarregada da espécie de pilotagem, por quaisquer motivos de que já me não recordo, nem fora substituida na commissão. O vapor Neves Ferreira estava já carregado e prompto; era seu commandante o primeiro tenente sr. Francisco Diogo de Sá, que n'esse espinhoso cargo tanto havia de illustrar o nome. A partida fora marcada para 20 ou 21, afim de se aproveitarem as águas vivas (para melhor se entrar na barra do Limpopo a partir do Índico). 
"Conforme as deliberações tomadas anteriormente, o seu (da lancha Capello / Capelo) casco, calafetado a primor e convertido em bóia, devia de ser levado a reboque até o Inhampura (rio Limpopo) , onde se completaria a montagem, atracando-se o barco á praia ou apenas ao Neves Ferreira, como parecesse mais pratico. No caso dos trabalhos deverem ser feitos na praia, as casas do chamado commando velho serviriam de abrigo aos operários e de officina. O Neves Ferreira daria o reboque, levando também a seu bordo o pessoal e o material necessários para a montagem, bem como a guarnição. Mais se combinara que uma das pequenas lanchas, a Incomati ou outra, acompanharia o combóio para servir de piloto na barra do Limpopo."
"Bem sabia eu que aquelle commettimento era aventuroso. Mil incidentes diversos, imprevisiveis, podiam comprometter-lhe o êxito. O mar da costa, a rebentação da barra, eram capazes de embrulhar num relance rebocador e rebocado, perdendo-se no desastre um material insubstituível, perdendo-se vidas preciosas. O tempo estava bom, o barómetro normal, não havia indicio de vento sul, mas naquellas paragens as tempestades não dizem agua vai. Não faltava quem murmurasse : que as coisas não deviam ser feitas assim, que mais valia isto e aquillo, que não se podia contar sempre com lances de fortuna como a viagem da Sabre e da Carabina (de que falaremos depois). Estes dizeres, e os do meu espirito, amedrontaram-me. Apesar da pressa com que estava de voltar para Inhambane (HoM de onde saíria para sul a coluna militar principal para atacar Gaza), revi, por que assim diga, as deliberações tomadas- e quasi em principio de execução. Ouvi os competentes. Impressionou-me, especialmente, a asseveração, que me fizeram, de que os navios correriam grave perigo se houvesse rebentação em certo ponto da barra, e de que só dentro d'ella, em condições de não ser possível retroceder, é que se conhecia o seu estado ; cá de fora não se via nada. Pareceu-me grave, isto ! Pareceu-me que em tal caso convinha fazer o reconhecimento exacto do mar da barra antes de a tentar; mas como o Neves Ferreira não havia de largar a Capello para, só elle, fazer esse reconhecimento, e ir depois buscá-la caso o resultado d'esse reconhecimento fosse satisfatório, considerei indespensavel o auxilio d'outra embarcação. E, depois d'algumas hesitações, accordou-se em que o Neves Ferreira sairia na noite d'aquelle mesmo dia 20 para o Limpopo, só, e na madrugada seguinte examinaria o estado da barra; se não houvesse rebentação, tornaria a sair immediatamente a esperar pela Capello, que a canhoneira Diu levaria a reboque. Tomal-a-hia então para a metter no rio.".
Prossegue António Enes (AE): "Assim se fez ou, antes, assim se principiou a fazer. O Neves Ferreira levantou ferro de noite, para entrar o Limpopo de manhã cedo, com a maré. Não havia uma nuvem no céu, nem uma ruga no mar; plena bonança. O casco da Capello foi solidamente amarrado á ré da Diu. Cerca da meia noite fui eu para bordo d'este navio, e quando, na testa da ponte, se despediam de mim alguns officiaes da armada que me tinham acompanhado ate ali, já notaram que lhes refrescava tenuemente as faces um bafo de sudoeste. Poucas horas depois, esse bafo era um vendaval. De madrugada, quando devíamos levantar ferro, estava encapellado o próprio mar do porto, e a Capello espinoteava como um cavallo, dando esticões ao cabo de reboque. Um céu caliginoso, frequentes aguaceiros grossos, tiravam a esperança de que fosse passageira aquella ira dos elementos. Viu-se logo que a Diu não poderia navegar arrastando na esteira um trambolho (HoM: lembremo-nos que o casco da Capello não tinha as rodas de pás instaladas, era uma simples bóia), que a vaga e o vento lhe arrojariam sobre a ré; depois, crescendo o temporal, entendeu-se que nem ella própria (a corveta Diu) devia sair. Desamarrou-se a Capello, que voltou para o abrigo da ponte neerlandeza a esperar melhor sota. Mas o Neves Ferreira, o que lhe teria succedido ? A barra do Limpopo, com aquelía trabuzana, devia parecer uma carneirada aos saltos, a atirar flocos de lã ao ar. Vieram inquietações juntar-se á minha impaciência. Sempre contrariedades, sempre esponsabilidades novas, sempre perigos imprevistos! Uff! (HoM: relato mais vivo e humano das tormentas deliberativas porque AE passou seria impossível).
Continua AE a empolgante narrativa:
"Na manhã de 22 (de Agosto de 1895) ainda o temporal rugia, mas começava a dar recalmões. Não podia esperar mais (HoM: António Enes precisava de regressar a Inhambane, o casco da Capello já não estava amarrado à corveta Diu que assim seguiu mais livre para norte). Saí, pozémos proa no norte, aos trambolhões. Desejando ter noticias do Neves Ferreira (HoM: que tinha saido de LM quando estava bom tempo para esperar pela Diu com o casco da Capello na barra do Limpopo), pedi ao commandante que se cingisse à costa para vermos a barra do Limpopo. Assim se fez, á custa de mais alguns boléus, tantos que conseguiram fazer-me enjoar. Vogámos ao longo d'uma barreira de dunas, agora forradas de arvoredo escuro, logo nuas e esquálidas, quasi sempre de cor amarellenta com manchas vermelhas. Triste e feio aspecto ! Pela volta do meio-dia, Macedo e Couto mostrou-me uns penhascos, uns areaes esbranquiçados, umas colinas lá mais longe, e disse-me que era ali a buscada barra. Chegámos-nos mais, com o prumo na mão ; os officiaes percebiam já a bocca da barra, uma linha branca de espuma. E o Neves Ferreira ? Nem vestígio d'elle. Teria já entrado, teria saído; não havia motivo para cuidados. Deitámos para fora, seguimos viagem (HoM: pelo mar alto onde há menos ondulação que perto da costa, com destino a Inhambane). .... 
"A demora da partida da Capello contrariou-me. Convinha que ao menos as lanchas attraissem para o Limpopo as attenções do Gungunhana e amedrontassem as povoações que marginam o rio, emquanto as tropas tomavam a offensiva pelas partes do Incomati e de Chicomo (HoM: a coluna do norte, saída de Inhambane para entrar em Gaza e capturar os chefes revoltosos da Magaia (Mahazul) e do Zixaxa (Matibejana) que se tinham refugiado nas terras de Gungunhana). Para que essa demora se encurtasse, auctorisei o governador de Lourenço Marques a procurar e contractar em Durban um vapor que ajudasse o Neves Ferreira na empreza que lhe fora commettida, e que não queria mais fiar dos exclusivos recursos do pobre chaveco".  Esse vapor acabou por ser o rebocador Fox que a partir daí desempenhou papel relevante na campanha.
Depois de descrever a necessidade de adiar a transferência dos casco da Capello para o Limpopo, a narrativa de AE sobre este ponto dá um salto até à página 446 do livro (466 do pdf) onde se constata que o adiamento foi de pouca mais de uma semana, quer dizer que o aluguer do Fox em Durban e a sua deslocação para LM foram resolvidos rápidamente (lembremo-nos que entre as duas cidade havia cabo submarino o que deve ter sido essencial para a parte das negociações do aluguer):
"Na tarde de 18 de setembro fundeava no porto de Lourenço Marques, quasi ao mesmo tempo que a canhoneira Diu em que eu regressava de Inhambane, o operoso vapor Neves Ferreira, vindo do Limpopo. Tinha deixado a lancha-canhoneira Capello acabada de montar e já em serviço. A conducção do seu casco para o rio, que nem tentada poude ser no dia 21 de agosto, quando a Diu devia rebocá-lo, realisòu-se no fim do mez com o auxilio do Fox, não sem ser contrariada pelo máu tempo, que parecia posto ao serviço do Gungunhana. O Neves  Ferreira tomou-o a reboque a 31 (de Agosto de 1895), e saiu com elle antes de romper a madrugada, navegando o Fox na sua alheta. O mar estava calmo, a branda aragem bafejava do quadrante sul, e estas excellentes condições mantiveram-se até ás 6 horas da manha. A nova lancha rebocada portava-se na agua tão asizadamente  que os viradores pareciam nem sentil-a. Mas com o amanhecer começaram a vir lufadas de sul, que pouco a pouco foi refrescando, e ás 8 horas já o mar estava cavado e revolto por um legitimo temporal. O comboio achava-se a vinte e tantas milhas ao norte de Lourenço Marques, e portanto a perto de quarenta do Limpopo; o tempo mostrava tenções de peorar; a barra demandada já áquella hora estaria a cobrir-se de rebentações. Conviria proseguir na rota ou retroceder? Ambos os expedientes tinham riscos. Metter a proa á vaga e ao vento era correr perigo serio de perder a lancha, que os cabos, de duvidosa solidez, não aguentariam nos esticões; seguir avante, seria também um desastre se a barra estivesse inaccessivel ou nos seus marulhos enrolasse o rebocado e o rebocador. Capear (HoM: ficar parado no mar o melhor possível protegendo-se da ondulação, mas era dificultado por o casco da Capello estar a reboque da Neves Ferreira) tinha quasi os mesmos inconvenientes que retrogradar; Inhambane estava muito longe ainda. Que fazer?"
Prossegue AE sobre a complexa situação náutica e meteorológica:
"A modéstia do commandante do vapor (Neves Ferreira), o primeiro tenente Francisco Diogo de Sá, não permittiu ao seu merecimento resolver só por si em tal apuro: chamou a conselho o commandante da Capello, o primeiro tenente Álvaro Andréa, e o seu próprio ímmediato, o segundo tenente Valente da Cruz (ver FOTO 4 o em cima), e pediu-lhes parecer. "
Sobre o resultado da reunião feita a bordo da Neves Ferreira na manhã de a 31 de Agosto de 1895 na costa do oceano Índico entre LM e a barra do Limpopo escreveu AE: "Os três briosos officiaes resolveram proseguir; se o Neves Ferreira não podesse entrar por causa do máu estado do mar, largar-se-hia a Capello á bocca da barra sobre um comprido cabo, de modo que mar e vento a impellissem para dentro, e tentar-se-hia a entrada do Fox, de menos calado, para lhe pegar depois. Lavrada acta d'esta resolução unanime, não houve mais hesitações em cumpril-a: avante a todo o vapor, com a graça de Deus ! O mar foi-se levantando cada vez mais, redobraram de impeto as rajadas, mas a viagem fez-se sem transtorno até 1 1/2 hora da tarde, em que se deu vista do Limpopo. A lancha, felizmente, fluctuava bem no dorso das ondas, sem quasi enxovalhar o convez e sem esticar o reboque; mas restava mettel-a no rio, e este remate da empreza era o mais difficil de toda ella. «Chegado á entrada do canal, - contou o commandante (Diogo de Sá) no seu relatório, - sempre com a Capello a reboque e o Fox navegando nas nossas águas, retrocedi e puz a proa ao mar, afim de tentar a manobra e arriar para dentro a lancha sobre uma espia. Achava-me, é claro, em cima da ponte, e n'essa occasião acompanhado pelo primeiro tenente Andréa e pelo meu immediato, e, apoiado na opinião affirmativa d'estes oflficiaes, e parecendo-me a barra tentavel nas circumstancias criticas em que nos achávamos, resolvi entrar. (A) Fox havia retrocedido também, e um dos viradores de reboque rebentara quando o Neves Ferreira aproara ao mar e a lancha dera um grande esticão. Assim, a toda a força do vapor, empregando o azeite para abater o mar, procurámos o azimuth da entrada, pois não era fácil conhece-la por haver rebentação em toda a barra, e pelas 2 h 30' entrámos com a lancha a reboque e o vapor Fox nas nossas aguas. O Neves Ferreira ainda chegou a assentar no fundo momentaneamente, mas novo rolo de mar nos fez transpor a barra e entrar no rio, vindo a Capello simplesmente amarrada por um dos viradores. O Fox passou sem transtorno, e o comboio fundeou pouco depois junto da margem direita e em frente do antigo commando militar. Era ali que devia completar-se a montagem da lancha; umas casas velhas, que restavam de antigas installações, serviriam de abrigo e de officinas ao pessoal que n'ella houvesse de empregar-se."
Para os leitores que quiserem saber melhor como se fez a montagem da parte superior da lancha Capello e os seus primeiros ensaio de navegação no rio Limpopo, ver o relato de António Enes na página 449 do livro (469 do pdf).

NB 2: Texto de Alfredo Pereira de Lima em "Pedras que já não falam", página 270: "Iniciada a guerra, verificou-se que o Limpopo constituia uma magnífica linha de penetraçâo. O rio era então quase inexplorado, salvo as primeiras milhas do curso do rio que tinham sido navegadas por brancos. Para a missão que se impunha de reconhecimento do Limpopo foram então escolhidos dois navios, o vapor «Neves Ferreira» e a lancha canhoneira «Capello», respectivamente comandados pelos tenentes Diogo de Sá e Alvaro Soares Andrea, com a guarnição total de 50 praças.".

NB 3: Na página 58 da sua memória de 1902 "Descrição da Costa de Moçambique" o comandante Ivens Ferraz descreve as condições de navegabilidade do Limpopo.

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