Demarcação de fronteira com a ZAR em 1890 - MS, Mabanine e o rio Ualuize (28)

Continuaremos aqui com o tema da planície de Mabanini e da nascente e curso do rio Ualuize que os capitães Matheus Serrano (MS) e Freire de Andrade (FA) exploraram separadamente com diferença de alguns dias em 1890 na sequência da demarcaçâo de fronteira com a África do Sul como vimos relativamente a MS no artigo anterior. Recordemos que FA pretendia marchar por essa zona para leste na direcção de Inhambane e foi ao seguir ao longo do rio Tundgi que acabou por encontrar os lagos onde o Ualuize tinha origem e que só MS de facto procurava.
Vejamos Mabanine na actualidade a partir de satélite, chegando lá do modo seguinte: pela tabela da comissão o ponto onde FA e o seu grupo chegaram a "Mabanini, junto ao rio Tundgi, em 24 de Outubro de 1890" tinha latitude 22°40'40.0"S e longitude 33°06'51.69"E. Embora a latitude provávelmente necessitasse de correcção para se encontrar esse ponto (que estaria mais para a esquerda) essas coordenadas levam-nos no google maps à imagem seguinte, a qual pelos rios e lagos que aparenta fácilmente reconhecemos ser a zona que FA e MS descreveram e que Jeppe tentou reproduzir (embora se constate agora que um tanto aproximadamente) na carta de 1892.

GOOGLE Maps - marca vermelha em 22°40'40.0"S 33°06'51.6"E (clique para aumentar)
Ao centro a área conhecida em 1890 por Mabanine ou Banhine
Na página 106 do relatório MS descreve Mabanine da seguinte forma: "enorme planície onde as águas (dos rios Umchlanganini, Mundji, Gueguatzi e Umt'shefu) se espalham e nasce o rio M'ualuize, D'ualuize, Ualuize, Inhangude, Pongute ou Chengane". Vê-se na imagem de cima as lagoas que se formam entre a foz do rio Tundgi (o Mundji de MS) à esquerda e a nascente do rio Ualuize para a direita. Note-se que esses dois cursos de água têm agora o mesmo nome de rio Chengane.
Por aqui, num ponto já muito distante de Mabanine, o rio entra numa zona indefinida o que pode ser uma das explicações para parte da dúvida de FA de que "não se sabia se ia à costa ou ao Limpopo" pois para jusante daí uma parte dele parece ir desaguar no rio Limpopo - perto de Chidenguele, a montante do Chibuto (ver aqui) - mas outra parte parece ir para lado do mar mas não o atingindo pois termina numas lagoas (ver por aqui na horizontal). Todavia a explicação mais provável dessa expressão de FA é de que havia indicação de que o maior rio que saía de Mananine ia dar à baía de Inhambane, quer dizer seria para leste e veremos depois o que a justificaria. 
A visão mais alargada da região é a seguinte:


GOOGLE Satélite (clique para aimentar)
Azul escuro: rio Limpopo 
Verde: rio dos Elefantes
Laranja: devia ser o Ualuize, na margem esquerda a norte do Limpopo 
e com junção perto da foz deste (para baixo da imagem)
Circunferência laranja claro: junção do Pafuri com o Limpopo, 
ponto tripartido de fronteira
Circunferência castanha: Mabanine onde nasce o "Ualuize"
Roxo: Inhambane (no canto inferior direito da imagem)
Castanho café: rio Save, fronteira sul de Sofala
A partir dos resumos aqui feitos dos relatórios de FA e MS fica-se bem com a noção da dificuldade das missões de FA e de MS, mas eles não eram uns simples aventureiros. Certo que pisavam terrrenos desconhecidos, corriam os riscos da selva e tinham a "civilização" a semanas de distância em caso de emergência, mas eram jovens militares preparados físicamente e mentalmente e eram profissionais com equipamentos de medição de posição pelo sol e estrelas que lhes permitiam saber exactamente onde estavam. 
Explicando melhor o que pode parecer uma contradição, como as cartas da altura cobriam bem os sitios conhecidos junto à costa, FA e MS podiam conhecer a cada momento a que distância em linha recta (que seria duns 270 - 300 km de Mabanine por exemplo) e em que direcção estavam os seus destinos de Inhambane e Manjacaze / Xai-Xai. Contudo não sabiam nada do que estava à volta deles num raio de digamos 100 km, porque não havia ainda cartas mínimamente precisas dessas zonas e porque a informação que a população local lhes pudesse dar, caso fossem encontrando alguém o que era raro, podia não ser completa e/ou fiável. Note-se que FA e MS tiveram dificuldade em arranjar guias locais, porque como as condições geográficas eram difíceis ninguém queria partir para longe (para mais que depois teriam de regressar sós). Também de notar que nesse aspecto os auxiliares africanos da comissão não podiam ajudar dado que estavam nessa zona pela primeira vez e distanciados uns 400 km das suas terras natais.
Há também uma diferença a considerar entre FA e MS e por exemplo comerciantes que tivessem antes passado pela zona. Os comerciantes procuravam o caminho mais fácil e/ou mais curto para a atravessar e sómente porque ela estava entre os seus centros principais de negócio. FA e MS estavam aí em missão de soberania e de informação geográfica, etnográfica, económica, política, militar, etc e embora tivessem rumo e calendário geral a cumprir podiam fazer desvios para explorar o que lhes parecesse mais relevante na zona. Por isso, dado que a missão de recolha de dados exigia tempo para medições, observações e escrita de relatórios, conversas com populações. etc FA e MS deslocavam-se mais lentamente do que se estivessem simplesmente de passagem pela zona.
Para o fim do artigo anterior tinhamos visto que o chefe de Magimane, aldeia na margem esquerda do rio Ualuize e a cerca de dois dias de viagem depois das lagoas de Mabanine, tinha alertado MS para que esperasse dificuldades para si e o grupo de 12 africanos que o acompanhava nos próximos dias do percurso e é nesse ponto que deixo de seguir o relatório de MS para não prolongar demasiadamente este tema. Ainda assim fica aqui a parte da carta de Jeppe relativa ao prosseguimento da exploração de MS ao rio Ualuize / Chengane e pela qual confirmou ser afluente do Limpopo:


Canto inferior direito da CARTA DE JEPPE de 1892 (clique para aumentar)
disponibilizada pela Universidade de Illinois
Branco: percurso individual de MS, seguindo o rio Ualuize para sul - sudeste
Cinzento: percurso individual de FA passando por Majimane  
virando mais à frente na direcção de Inhambane
Laranja: rio Ualuize, actual Chengane
Púrpura: localidade de Magimane na margem esquerda do Ualuize
Azul escuro: trecho final do rio Limpopo 
Setas: pontos equivalentes nos dois lados da carta
Note-se que em 1892, ao tempo desta carta, não havia o distrito, agora província de Gaza, havia o de Lourenço Marques a sul e logo para norte desse era o de Inhambane sendo a fronteira entre os dois o rio Limpopo, presumo. Na segunda imagem de satélite de cima pode ver-se que foi o rio Ualuize, de Mabanine para o sul - sudeste que foi usado para ser aproximadamente a fronteira essas duas províncias, Gaza a oeste e Inhambane a leste do rio.
Temos nestes artigos acompanhndo em detalhe a actividade de Matheus Serrano (MS)  em 1890 quando teria cerca de 30 anos de idade. Como para o artigo anterior finalizo com duas variantes duma sua foto aparentemente já reformado e depois de ter alcançado o topo da carreira militar 

FOTO 1A
[Retrato de] General José António Mateus Serrano
da delimitação de fronteiras de Moçambique (ACTD web_n20474)

FOTO 1B

General Refª José ª A. Matheus Serrano  (ACTD web_n6800)

NB 1: Aparece na carta de Jeppe de 1892 que FA fez uma missão ao longo do rio Incomáti, digamos a partir da estação de caminho de ferro com esse nome até à zona mais a norte do rio e onde ele curva para leste, junto a Magude, foz do Uanetsi. 
Nessa missão FA terá sido acompanhado de um Rosa que desconheço quem fosse. No relatório de FA é referido um comerciante Rosa de Inhambane e que deveria trazer mantimentos para a expedição mas não é provável que seja o mesmo indivíduo.

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