Lanchas canhoneiras em LM, Sabre e Carabina do Zambeze em 1895 (7/11)

Falámos nos artigos anteriores de quatro lanchas canhoneiras que chegaram de Inglaterra desmontadas em junho de 1895 e das quais a primeira ficou pronta a navegar em agosto de 1895. Essas eram de máquina a vapor e movidas por rodas de pá à ré e foram destinadas à campanha político militar no sul de Moçambique, primeiro contra os rebeldes ronga da Magaia e Zixaxa e depois contra Gungunhana / Gungunyane em Gaza. 
Aqui vamos falar das lanchas canhoneiras Sabre e Carabina que também foram desenhadas para uso fluvial e usadas na mesma campanha mas que se distinguiam dessas quatro porque já estavam em Moçambique antes de 1895 e porque apesar de terem também máquinas a vapor usando carvão (e / ou lenha?) como combustível o seu meio de propulsão era a hélice, em vez da roda de pás das outras quatro. 
Sobre a importância dos rios para os seus planos e tendo em conta os poucos meios que estavam ao seu dispor para esse teatro de operações escreveu em 1898 António Enes (AE), comissário-régio em Moçambique em 1895 no livro A Guerra de África: "O Incomati era a estrada militar do districto, assim como o Limpopo era a do paiz de Gaza e o Inharrime a dos territórios meridionaes (a sul) de Inhambane; estes rios asseguravam as marchas para a frente e as retiradas, facilitavam as communicações e os aprovisionamentos, serviam de fossos e trincheiras, e sem elles, ou não se aproveitando as suas águas, o paiz immenso que elles retalhavam tornar-se-hia quasi inaccessivel ás armas européas".
No estudo "A Guerra de África em 1895 - Uma leitura estratégica" o Coronel da Força Aérea Luís Alves de Fraga (pdf aqui)" avalia similarmente a situação a que AE teve de fazer face e descreve as primeiras medidas por ele decididas relativamente à força fluvial:"Este quadro naval vai acompanhar o ano de governo (de AE) em Moçambique: a Armada não possuía material navegante em condições mínimas; tudo era precário, velho e inapropriado; as soluções para as mais elementares dificuldades tinham de ser conseguidas ou à custa de pesadas despesas ou de engenhosas soluções. E torna-se necessário recordar que naquele final do século XIX, em África, não se conseguia ir muito longe no interior se não se tivesse o apoio de qualquer rio navegável, pois a penetração tinha de se fazer por via fluvial para ser mais suave, rápida e profunda e, até, em muitos casos, mais segura. AE e a Armada dispunham de pequenas embarcações ... a que ... chamavam canhoneiras! Por conselho de oficiais de marinha  (HoM: de alguns, AE parecia ter mais apoio para a suas ideias e confiança no seu desempenho nos militares mais jovens) optou-se por trazer para o Limpopo duas pequenas lanchas: a Sabre e a Carabina que, à partida teriam de ser comboiadas por um navio de maior porte. E foi neste ponto que começaram as dificuldades, porque ninguém queria arriscar a navegação no canal de Moçambique, especialmente naquela época do ano (HoM: explica AE que inicialmente se adiou por ser no início do ano, a pior época, mas que o ano foi avançando e a Marinha continuava a colocar dificuldades). As lanchas Sabre e Carabina só chegaram a Lourenço Marques na manhã de 14 de maio, depois de António Enes ter dado ordem que, de qualquer modo, navegassem sob sua responsabilidade desde Quelimane". 
Ao fundo deste artigo (NB 1) podemos ver o que AE recomendou para que a deslocação das lanchas se fizesse em segurança e indo contra a opinião do comando da Marinha em Moçambique. Eduardo Noronha (EN) na revista Serões n. 23 descreve em pormenor essa viagem e faço daí um resumo a seguir. As duas lanchas, comandadas por dois jovens oficiais certamente ávidos de mostrar serviço a AE vieram acompanhadas pela canhoneira a vapor Rio Lima, comandada por um relutante Azeredo de Vasconcelos (escreve AE: "esse já antes me mandara dizer, sem eu lh'o ter perguntado, que não tomava a responsabilidade de comboiar os barcos".... ). O combóio largou de Quelimane para o mar e para tomar na direcção do sul a 27 de abril com bom tempo mas pouco depois desencadeou-se uma violenta tempestade. As lanchas, só preparadas para navegar em rio e onde atingiam 11 nós, o dobro do que no mar,  passam a noite de 27 para 28 de abril em condições muito difíceis mas foram navegando. A meio do dia 28 de abril Ivens Ferraz, o comandante da Sabre reconhece estar na costa da Beira e consegue alcançar o canal para o porto pois conhecia-o muito bem. A Rio Lima só chegou à Beira no dia seguinte (29 de abril), tinha também sofrido com a tempestade e perdido completamente de vista as duas lanchas. A sua tripulação ao entrar no porto da Beira não as encontrou pelo que pensou que elas tivessem naufragado, mas elas estavam só fora de vista pois tinham-se abrigado da tempestade mais para o interior do porto numa curva do rio Pungué. 
Essa primeira etapa da viagem acabou por correr "bem" mas levantou-se uma dificuldade técnica para o seu prosseguimento. As caldeiras das lanchas estavam equipadas com condensadores para dessalinizar a água mas no oceano esse equipamento não foi muito eficaz e começou a acumular-se sal no interior das caldeiras que por isso poderiam explodir. O comandante da Rio Lima recomendou aos comandantes das lanchas que se abandonasse a missão mas estes mantiveram-na e conseguiram chegar ao arquipélago do Bazaruto onde limparam as caldeiras. Pouco depois de sairem da ilha de Santa Carolina a Carabina teve uma avaria que o seu comandante Alfredo Caçador reparou e mais para sul na aproximação ao porto de Inhambane segundo EN correram grande perigo mas conseguiram evitar prejuizos de maior. Ivens Ferraz na sua "Descripção da costa de Moçambique de Lourenço Marques ao Bazarutofala desse evento de forma fleumática: "Perto do limite N. da Linga-Linga, há uma coroa d'areia, chamada a Coroa do Rei, que convém conhecer, porque descobre em parte no baixamar. Entre esta coroa e a terra, indicam as cartas inglesas algumas sondas que não estão exactas. Entrámos por essa passagem em 1895 com a lancha-canhoneira «Sabre», encontrando apenas 1,80 m d'agua com duas horas de enchente e muito rolo e rebentação, o que nos fez passar um bem amargo bocado".
A seguir segundo AE seria a etapa mais perigosa dado que era um longo trecho de costa sem abrigo até à foz do Limpopo (uns 280 km) mas não terá havido peripécias a assinalar e as duas lanchas e a Rio Lima chegaram a LM a 14 de maio como se disse em cima, totalizando cerca de 19 dias de viagem desde Quelimane. Ainda segundo EN o veterano comandante dum cruzador inglês fundeado em LM disse a um dos jovens colegas das lanchas: "Uma nação que manda fazer um serviço destes ou tem muitos oficiais para perder ou não possui ninguém que saiba ao certo o que é medo". EN destaca os riscos e as dificuldades e a coragem e competência de Ivens Ferraz e de Caçador. AE também o realça no seu livro especialmente a de Ivens Ferraz ("como que seu filho") mas é claro que AE assumiu uma enorme responsabilidade, ao por quase decisão própria, ter colocado as duas tripulações e embarcações em tão grandes riscos, de modo a assegurar no sul alguns meios navais para continuar a ofensiva a partir do Rio Incomáti enquanto as novas lanchas canhoneiras não chegavam de Inglaterra. 
António Enes com franqueza, em público e "por escrito", que parece era comum na época mas agora surpreende retrata cruamente o comandante da divisão naval de Moçambique, Themudo, como temeroso em demasia, desleal e incapaz de decidir e assumir responsabilidades. AE também com a eloquência que aprecio neste livro pela primeira vez relata nas páginas 232 e 233 o seu sofrimento sobre a sorte das lanchas até que as viu chegar a LM (ver em parte na NB 2 em baixo). Curiosamente (ou não) AE descreve a viagem como tendo quase sido sem percalços, põe o foco na capacidade dos comandantes terem aproveitado os intervalos de calmaria entre os temporais, que só entre Quelimane e a Beira iam apanhando a tempestade mas entraram no porto antes dela, que a Rio Lima acompanhou-as, não fala do problema das caldeiras, em suma que "nem avarias tinham sofrido!" pelo que poderiamos concluir que apesar das dúvidas o seu planeamento tinha sido perfeito..
Vejamos então essas duas lanchas canhoneiras. Primeiro uma foto do arquivo da marinha mas não especificando se da Sabre ou da Carabina


FOTO 1
Sabre ou Carabina

Temos a seguir uma foto que é dita ser do Incomáti, um pequeno navio a vapor da Armada em Moçambique também nessa altura e que vem da revista revista Serões n 24 (pág 35 do pdf). Mas tal deve ser engano porque esta embarcação é muito semelhante à da FOTO 1 e como também é dito que o Incomati tinha sido um rebocador, que normalmente têm a proa bastante mais elevada que a popa, não parece ser aqui o caso mas não tenho foto mais credível do Incomati para tirar as dúvidas:

FOTO 2
Embarcação que contráriamente à legenda da revista
deve ser também a Sabre ou a Carabina

O site MGP tem dados da Sabre e Carabina que diz terem sido compradas em Inglaterra em 1891 e abatidas ao serviço em 1908. Eram de aço e de 53 t enquanto que as quatro novas, um par era de 21 t e outro de 40 t segundo o QUADRO de "os rikinhus" ou todas de 40 t (deslocamento) segundo o MGP. Assim comparativamente a Sabre e Carabina não seriam tão pequenas como os autores da época relatam mas ...
Quanto a armamento diz ainda o site MGP"A Sabre  montava uma peça revólver e uma metralhadora e a Carabina montava dois canhões-revólveres e uma metralhadora". Um especialista talvez pudesse dizer a partir daqui qual das duas fotos de cima seria da Sabre e/ou da Carabina mas ...Notam-se algumas diferenças entre as duas fotos mas não sabemos se devido a serem de dois navios do mesmo tipo mas com pequenas alterações ou de serem do mesmo navio mas em momentos diferentes. 
Há uma foto no IICT/ACTD  que mostra a Sabre mas à distância e com pouca visibilidade: 

FOTO 3
legenda original: Manhissa - a lancha canhoneira "Sabre" fundeada no rio Incomate

Olhando para as três fotos é claro que na FOTO 3 aparece a mesma cabine no deck superior que tem a embarcação da FOTO 2 e que não tem a da FOTO 1. Por isso a lógica diria que na FOTO 2 teriamos a Sabre e que na FOTO 1 teriamos a Carabina mas ...

Quanto à FOTO 3 (texto que tinha antes sido publicado noutro artigo), como conhecemos já a Manhiça de tempos antigos, parece-me que o local seria onde se construiu mais tarde o cais da vila pois dessa posição e olhando para o lado da foz = sul ver-se-ia a parte elevada da povoação para a direita do rio, como aí se vê. A Manhiça devido à sua posição na margem direita do Incomáti foi um dos suportes estratégicos na campanha militar portuguesa.
Como vimos as duas lanchas chegaram ao sul a 14 de maio de 1895. Diz AE que ela ajudou ainda na preparação da marcha iniciada a 17 de maio de Incanine (um local onde o rio Incomati se estreita a montante de Marracuene) para Mapunga passando por uma ponte e que a 27 de maio a Sabre se estreou (?) na navegação do rio. Nessa ocasião a Sabre com AE e o chefe militar Corionel Galhardo para ir de LM a Incanine devido a ter encalhado diversas vezes demorou 30 horas em vez das 12 previstas e tiveram de pernoitar diante de Marracuene. Poucos dias depois, para o final de maio (AE pág 263) a Sabre (e a Incomati) foram explorar o Incomati para montante de Incanine, o que Ivens Ferraz descreve como podemos ver na NB 3 em baixo.
A intervenção seguinte da Sabre com a Carabina e ainda e sempre no rio Incomáti que AE reporta foi levada a cabo em junho de 1895 (na pág 344): "A 25 de junho, uma esquadrilha formada pela Sabre, pela Carabina e pela incansável Bacamarte, levando a reboque alguns batelões, subiu o rio sem outra difficuldade além d'alguns ligeiros encalhes, e, sem ser inquietada nem hostilisada, lançou ferro em frente da Manhissa, .. Desembarcou a força, constituída por 120 praças de infanteria 2, de artilheria 4 e da montanha, e comquanto os indígenas não fizessem a minima opposição ao desembarque, antes se mostrassem submissos e medrosos, tratou logo, logo, de escolher uma posição estratégica." Será essa missão que aparece na FOTO 3?
AE e Ivens Ferraz depois não dão informações mais específicas mas suponho que estas duas lanchas tenham continuado a fazer esse tipo de actividade no rio Incomáti, transporte de abastecimentos, tropas e civis, reboques de batelões / barcaças, etc. Militarmente não terão intervido dado que as margens tinham sido pacificadas desde o estabelecimento dos primeiros postos militares ao longo do rio. Nomeadamente as forças do "Finish" que inicialmente atiravam ferozmente sobre as embarcações portuguesas junto à foz a partir da margem da Macaneta tinham-se entretanto desvanescido ou seja recuado com Mahazul para paragens mais a norte.
Numa foto da Rio Lima que combóiou as duas lanchas para sul em 1895:e que pode ser de Lourenço Marques (estaria aí a barreira da Polana ao fundo vista da baía) parece estar uma dessas lanchas atrás da corveta pelo que se pode comparar melhor os respectivos tamanhos. Essa canhoneira tem a chaminé mais alta do que a seguinte que é mostrada na lista de navios de guerra portugueses) e que também é dita ser a canhoneira Rio Lima 


FOTO 4
Canhoneira Rio Lima (talvez) da Armada Portuguesa,
em mar tropical com palmar na praia ao fundo

No próximo artigo falaremos mais sobre os comandantes das lanchas Sabre e Carabina que vieram em Abril-Maio de 1895 da Zambézia para o sul para reforçar a força naval na campanha militar que aí se iniciava.


NB 1: Sobre as condições e as suas (e de quem ele ouviu mais) expectativas optimistas que levaram à viagem da Sabre e da Carabina para sul escreveu António Enes, comissário-régio em Moçambique em 1895 no livro A Guerra de África de 1898 por volta da página 121: "Tendo-se queixado o governador Fernando de Magalhães (o governador geral que o antecedeu como dirigente máximo português em Moçambique), ahi por outubro ou novembro de 1894, de não ter material naval com que senhorear o Incomati, o ministério da marinha ordenara que as lanchas Sabre e Carabina, da esquadrilha do Zambeze, seguissem para Lourenço Marques; todavia, a ordem não podéra ser cumprida logo, porque os barcos precisavam reparações, e não tinha ainda sida cumprida quando eu passei por Moçambique (pela Ilha), no principio de janeiro (de 1895). Renovei essa ordem, e conferenciei com o commandante da Divisão naval, o sr. capitão de mar e guerra Themudo, acerca dos meios de lhe dar execução com o menor risco possível de vidas; mas logo pude perceber que esse official, e outros que o cercavam, eram muito contrários á viagem das lanchas. Especialmente o chefe de estado-maior fallou-me tanto e tão sentenciosamente em perigos e em responsabilidades, que tive de lhe observar que os navios de guerra não se construíam expressamente para serem guardados em etagéres dentro de redomas, e que a condição dos marinheiros e militares era precisamente affrontar perigos. 
Eu conhecia a Sabre e a Carabina e não desconhecia o mar do canal (de Moçambique). Effectivamente a viagem era arriscada. Os dois pequeninos barcos tinham sido construídos exclusivamente para navegação fluvial, qualquer ondulação os affrontava, e os seus cascos, de chapa de ferro delgadíssima, arrombavam-se com um piparote. Se apanhassem um temporal onde a costa lhes não offerecesse abrigo, perder-se-iam sem remissão, e é certo que na costa de Moçambique os temporaes são frequentes e não se fazem annunciar. 
Mas também ha amiudadas sotas de bonança, em que a agua se aliza como um espelho, e as lanchas podiam, espreitando e aproveitando essas sotas, ir de Quelimane até á Beira, depois até o Bazaruto, em seguida a Inhambane, e por ultimo até Lourenço Marques. Elas já tinham muitas vezes navegado entre o Chinde, Quelimane e o Macuse. 
As suas machinas, nos rios, venciam perto de 11 milhas por hora; os seus porões accommodavam combustível para mais de 48 horas; os seus commandantes, os segundos-tenentes Guilherme Ivens Ferraz e Alfredo Caçador, eram officiaes de confiança. Ivens, especialmente, já era, apezar da sua juventude, um dos melhores marinheiros da armada portugueza, a um tempo intrépido e reflectido, e tinha a vantagem de conhecer a palmos a costa inteira desde Quelimane até Inhambane, e de estar habituado ás inconstancias do mar e do tempo n'aquella região. N'estas condições, a empreza não era inexequível nem sequer temerária; para ser bem succedida precisava apenas d'algum auxilio da fortuna e de muita circumspecção dos commandantes, que nunca deveriam soltar-se dum porto para outro senão com as maiores probabilidades possíveis d'encontrar calma. E esta opinião não era minha, que não me atreveria a guiar-me por mim em tal assumpto; era a opinião de officiaes experimentados, e nomeadamente do sr. capitão-tenente Eugénio Andréa, que conhecia as lanchas como ninguém, porque lhes dirigira a montagem, e o Oceano Indico como poucos. 
Apesar desses pavores insisti, pois, na ordem, e lembrei que a canhoneira Rio Lima, que encontrara em Aden e que estava a chegar a Moçambique, poderia comboiar as lanchas, quando fosse occasião dellas se fazerem ao mar; mas o almirante Themudo objectou que a Rio Lima, demandando muito mais agua do que aquellas embarcações, não poderia acompanhal-as a rastejar pela costa, e propôz que as comboiasse antes o Auxiliar, que estava sendo concertado pelo arsenal de Moçambique e devia ficar prompto dentro de poucos dias. Não repelli a idéa, comquanto não percebesse muito bem que protecção poderia dar o Auxiliar aos seus companheiros de viagem, e recommendei que, em todo o caso, este pequeno vapor fosse também para o sul, tão depressa podesse navegar"
Muito antes disso no livro, por volta da página 14, tinha escrito AE: "Esta mesma preoccupação dos meios de aproveitar os rios fez-me lembrar de que no Zambeze havia dois barcos, de navegação fluvial, sim, mas providos de condensadores e capazes pelo seu porte de se aventurar nas aguas do oceano. Esses barcos, a Sabre e a Carabina, faziam frequentes viagens entre o Chinde e Quelimane e até o Macuse; não poderiam, pois, aproveitando sotas favoráveis, fazendo escala pelos muitos portos da costa, deitar até Lourenço Marques? Consultei um official da armada, muito esclarecido e brioso, que commandára a esquadrilha do Zambeze, e como elle me informasse de que o emprehendimento, sendo arriscado, não era impraticável havendo cuidado de vigiar bem o tempo, dei traça para que logo se expedissem ordens afim de que os dois barquitos fossem postos em estado de desempenhar uma commissão importante".

NB  2: Antonio Enes, brilhante na pág. 232 do livro, sobre o peso da responsabilidade e as suas angústias relativos i.a. à viagem das lanchas: "Mas se os barcos se perderem com as suas tripulações, perguntava eu, a que expiação poderei condemnar-me que resgate a minha culpa, já não direi perante o mundo, que me não importarei com elle em tão doloroso lance, mas perante o meu próprio sentimento, lancinante e implacável.'' Ah! os prazeres do mando e da auctoridade! Saooreei-os tanto, que lhes tomei aversão! Para quem tem sensibilidade melindrosa, dispor de vidas, ter de arriscar e até de sacrificar vidas, é uma tortura que chega a assemelhar-se á do remorso. Mormente no principio das operações militares, quando morria algum soldado, desconhecido que fosse, em combate, no seu posto, no seu officio, parecia-me que o tinha eu assassinado. Nem por isso fraquejei, é certo; mas soffri, soflri, soffri! Acabei de envelhecer por dentro. A Sabre e a Carabina, nomeadamente, causaram-me pezadellos, visões. Não estou a fazer elegias: muitas vezes vi em sonhos a mãe de Ivens Ferraz a exprobrar-me com lagrimas a morte do filho."

NB 3: Ivens Ferraz na "Descripção da costa de Moçambique de Lourenço Marques ao Bazaruto" publicada em 1903, na pág 22: "Em maio de 1895, por ordem do Commissario Régio, as lanchas canhoneiras «Sabre» do nosso commando, e «Incomati», commandada pelo tenente Vieira da Rocha, subiram o rio em viagem de reconhecimento, chegando até á Manhiça e continuando até ao extremo meridional da Ilha Marianna sem dificuldade. A bordo da «Sabre» ia o capitão Freire de Andrade, que em 1893 descera o rio quasi desde a fronteira n'uma pequena embarcação, descobrindo, em contrario do que dizem as cartas, que a confluência do Zaone com o Incomati não era mais do que uma bifurcação d'este rio formando uma ilha a que pôz o nome de Marianna. Seguindo o conselho d'este ofticial distincto, mettemos pelo braço occidental, que, embora mais fundo, é estreito e torcido em voltas bruscas, tem as margens ouriçadas de raizes e troncos d'arvores e leva uma corrente impetuosa. Apesar de tudo isto, salvo alguma esbarradella nas margens, conseguiram as lanchas chegar á ponta interior da ilha, nas alturas de Chinavane, a 80 milhas da foz, não podendo seguir mais avante por diminuir ahi consideravelmente o fundo. A descida do rio foi mais diflicil e não exempta de perigos, porque, em quasi todas as voltas mais apertadas, foram as lanchas impellidas pela força da corrente d'encontro ás margens, e não raras vezes tivemos de cortar ramarias salientes em que embirravam os mastros e as chaminés. Ambos os barcos sofreram avarias, especialmente a «Incomati,» que, por largo tempo, esteve fora do serviço. Pouco depois d'esta viagem, estabeleceu-se um posto militar em Chinavane, sendo a lancha «Magaia», por ser curta e não ter mastro, quem fez sempre o abastecimento d'elle". E Ivens Ferraz fala depois da lancha Lacerda e dos problemas que já conhecemos.

NB 4: O livro "Campanha das Tropas Portuguesas em LOURENÇO MARQUES E INHAMBANE" de AYRES DE ORNELLAS, HENRIQUE COUCEIRO, EDUARDO DA COSTA e MOUSINHO DE ALBUQUERQUE 
Todos sabem o que é o canal de Moçambique e o que é uma canhoneira de rio, por isso nada é preciso acrescentar para que fíque prestada homenagem á boa vontade e ás corajosas qualiades de marinheiros destes 2 oíficiaes. Só mais tarde, já por chegarem um pouco atrazados, já pelo tempo que levavam a armar, é que successivamente foram apromptando e entrando em serviço as lanchas vindas de Inglaterra, sendo a primeira a
Lacerda do commando do tenente Assis Camillo, que entrou no Incomati pela primeira vez em agosto, seguindo- se -lhe a Capello do commando do tenente Andréa, que seguiu para o Limpopo. A terceira, isto é a Serpa Pinto só em dezembro apromptou para seguir também para o Limpopo sob o commando do tenente Valente da Cruz.


No próximo artigo falaremos mais sobre Ivens Ferraz e Alfredo Caçador.


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