Vapor Neves Ferreira, antes como Lady Wood na África do Sul (3/4)

Falámos mais específicamente nestes artigos mas também nos mais recentes do vapor Neves Ferreira (NF) que em 1894/95 participou na defesa de Lourenço Marques (LM) e na campanha de Gaza. 
site marinhadeguerraportuguesa.blogspot.com dizia que o NF tinha sido "adquirido no Natal de 1893" e que "esteve ao serviço na Real Marinha de Guerra Portuguesa (MGP) pelo menos de 1893 a 1901". Mas como já dissemos esta informação tem partes duvidosas, sendo a primeira se o navio foi adquirido no período do Natal ou na colónia inglesa do Natal e a segunda se na África do Sul foi directamente adquirido pela MGP como é aí dito ou se pela casa Cohen e depois requisitado ou comprado pelo Estado como Eduardo de Noronha escreveu no livro "A Rebelião dos Indígenas".

Um pouco mais esclarecedor sobre a origem pré LM (mas não o é sobre a questão de quem foi o seu primeiro proprietário português) e que reforça a ideia do mau estado do NF em 1894/95 é o que escreve António Enes em A Guerra d'Africa de 1898: "O Neves Ferreira, o antigo Lady Wood, que o governo da província comprara já estafado de carregar (africanos) entre Durban e Inhambane ... pouca confiança inspirava, visto como, entre outros muitos estragos, tinha os supportes das caldeiras tão arruinados que um solavanco forte, uma topada de encalhe, devia derrubá-la". 
Temos imagens do referido Lady Wood e vamos comprovar que se tratava dum navio civil costeiro (movido a vapor usando carvão como combustível) sul-africano e que ele parece compatível com o ter-se tornado no navio NF português.
A foto seguinte daqui mostra o navio no rio St. John's River (rio de São João) ou Umzimbuvu
E já agora, podemos tentar conhecer melhor o local das FOTOS 1 e 2. Visto à distância já na FOTO 2 parecia difícil que o Lady Wood navegasse na barra (pelo branco das ondas vê-se onde teria o fundo baixo) e uma parte do texto da wikipedia sobre o que se passou por aí anos depois responde a essa questão: "The river mouth was used as a port, however this activity was abandoned in the 1940s due to siltation (assoreamento), which caused the river to become too shallow for vessels".
Pode ver-se aqui o rio actualmente com a foz ao fundo e uma zona amarela por lá (getty images):

FOTO 3
Umzimvubu / St. John's  River passando por St.John's Port 
que estaria na parte inferior do lado esquerdo

E aqui confirmar-se o assoramento nomeadamente na foz do rio:

FOTO 4
Foz do Umzimvubu / St. John's River no Índico, com um só canal 
muito barrento e provávelmente baixo passando do lado sul

Na wikipedia pode ver-se que o St. John's River (com mais informação deste site) agora chamado (U)Mzimvubu River fica no estado do Cabo Oriental (Eastern Cape) perto do seu limite a NE e numa zona chamada "Costa Selvagem". A foz do rio (no google maps aqui ao centro na marca vermelha) está a cerca de meio caminho entre Durban (no limite mais a norte) e East London (mais a sul). O antigo porto que ficava na margem esquerda do rio e a cerca de 10 km da foz parece nunca ter sido muito movimentado, por isso estas fotos do Lady Wood / NF acabam por existir muito por acaso.
Este Port St. John dá-nos ainda a oportunidade para recordar a história do grande galeão português S. JoãoSegundo alguns sites o nome do rio e do porto terá vindo dele por ter aí naufragado em 1552 mas sabe-se agora que esse acidente foi de facto em Port Edwards que será um pouco mais a norte (NE) na fronteira entre os actuais Cabo Oriental (Eastern Cape) e Kwazulu Natal (um rio aqui). 
A descrição dessa viagem fatídica do S. João é muito confusa na wikipediapor exemplo o navio teria estado mais de um ano a carregar na Índia, ele chegou à costa africana perto do Cabo mas depois e só por causa do vento começou a "subir" a costa para NE em vez de a "descer" para SW para o Cabo (se o vento era contrário poderia ancorar num local abrigado onde estava, não?), as datas entre acidentes sucessivos parecem demasiadamente separadas, é dito que atracou com sucesso mas ao mesmo tempo que morreram aí 120 pessoas, quer dizer a fonte de informação original não deve ter sido aí bem transcrita. 
A tragédia do galeão S. João foi uma das maiores da história Naval Portuguesa e está representada em "Os Lusíadas" de 1572 e na História Trágico-Marítima de 1735. Como diz o texto da internet a história com Manoel de Souza Sepúlveda, a mulher Lianor (Leonor) de Sá e os filhos "cativou o imaginário coletivo português" e tanto é que me lembro de a ter lido sem parar sofrendo com a marcha dos sobreviventes. Alguns destes conseguiram chegar até perto de Lourenço Marques, actual Maputo onde terão sido bem acolhidos mas na longa viagem acabaram morrendo (quase) todos por fome, doença ou assassinados pelos nativos. Na cidade este trágico acontecimento era evocado no nome duma escola primária feminina, a D. Leonor de Sá Sepúlveda inaugurada em 1944.
No próximo artigo veremos outras fotos do Lady Wood em Port St. John's e faremos uma comparação adicional com o vapor Neves Ferreira.

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