Prédio Pott - pontos de análise e dois imbróglios (3/12)

Sobre o Prédio Avenida / Avenida Buildings / Prédio Pott eis mais informação e uns imbróglios que ficam à espera de resolução.

A. Primeiros passos do prédio
O terreno para o prédio, segundo o autor laurentino Alfredo Pereira de Lima (APL) no livro "Edifícios Históricos de Lourenço Marques (LM)", foi concedido a Gerald Pott em 1888 com 60 m de frente para a Av. Aguiar, depois D. Luis e actual Samora, e 50 metros para a Av. D. Carlos, depois da República e actual 25 de Setembro, para ser construida uma casa. 
Como era no pântano, Pott teve de o aterrar primeiro, depois iniciou a construção mas deve tê-la interrompido. Em 1891 requereu "querendo continuar com a construção d'uma casa de pedra e cal coberta de telha, nos alicerces já existentes no terreno na esquina da Av. D. Carlos, esquina com a Avenida Aguiar pede a aprovação da planta". Ainda segundo APL o pedido foi diferido e em 1894 Pott alterou a fachada da casa, até aí só de rés-de-chão, para outra com melhor aparência. E ainda segundo APL a alteração para a traça actual do Avenida Buildings da esquina que tem dois pisos foi feita em 1903 e é a seguinte a foto que APL mostra como sendo de após a sua conclusão.

FOTO 1
HoM: Esquina entre a fachada sul, 
para a Av. da República, actual 25 de Setembro à esquerda
e a fachada para a Av. D. Luis, actual Samora à direita

Informação da tese de Lisandra Franco de Mendonça "Conservação da arquitetura e do ambiente urbano modernos: a baixa de Maputo" (descarregar aqui), nota de fim de página 109 na página 102 e concordando com a data de 1903 dada por APL: "Este edifício, singular no panorama da cidade, foi edificado num terreno de 3 000 m2 aforado a Gerard Pott em 1888, com frentes sobre as Avenidas Aguiar e de Dom Carlos, em cuja esquina se encontrava a célebre Fonte Castilho e onde existira o baluarte S. João. Inicialmente só com um piso térreo, em 1903 um novo projeto delineado pela firma Ing & Anderson deu-lhe a conformação definitiva (Lima, 1966a: 215-218; Lage e Carrilho, 2010: 46-47; Morais et al., 2012: 49, 62, 188)".
Para se ver melhor a zona da esquina do prédio Pott da FOTO 1 mas em Julho de 1907, vamos combinar três fotos tiradas aquando da visita a Moçambique do Princípe Real de Portugal D. Luis Filipe ao cruzamento das actuais avenidas 25 de Setembro e Samora, por onde passou um dos cortejos (clique na foto para aumentar). 
As fotos da esquerda e central foram tiradas viradas para sul (com o estuário para o fundo), a da direita foi tirada virada para norte - noroeste (com a alta da cidade para o fundo)



:

MONTAGEM 1

Carmesim: limites da faixa de rodagem da Av. Samora
Roxo: centro da Rua da Fonte
Azul: 
Av. 25 de Setembro passando de través, 
da esquerda (leste) para a direita - poente (oeste) 
Vermelho: prédio na esquina a sudoeste do cruzamento 
entre a Av. 25 de Setembro e a Rua da Fonte
Roxo: telhado desse prédio que fazia a esquina 
Preto: eucalipto a meio da actual Av. 25 de Setembro, antiga da República / D. Carlos
Estrela rosa: base do pilar do arco comemorativo 
mais próxima da esquina do prédio Pott

Na foto central com a nuvem creme e preta marquei o telhado (visto pela traseira) do Clube Inglês na actual Praça 25 de Junho, antiga 7 de Março. Esse telhado ficava a cerca de 80 metros para trás das construções com frente para a antiga avenida da República / D. Carlos de que marquei os telhados com as núvens "roxa" e "castanha escura". 

B. Datas e fases de construção do Prédio Avenida / Avenida Buildings
O livro de Paulo Azevedo "Photographos Pioneiros de Moçambique" nas páginas 93 e 94 transcreve um artigo do jornal LM Guardian de Novembro de 1906 cujo conteúdo sumarizando é que a segunda secção do Avenida Building / Prédio Pott foi completada em novembro de 1906, tinha três andares e torres gémeas na parte da frente. Era então a  que se destaca bem do resto do edifício mais para sul e oeste, ficava na parte de cima (norte) do conjunto. Estava previsto que essa secção tornar-se-ia a central quando ele estivesse completo estando planeado que fosse expandido até à esquina mais a norte, a da Av. Álvares Cabral, actual Manganhela. Essa expansão teria desenho semelhante à secção que tinha sido concluída cerca de 1904 e de forma a que a frente para a avenida, actual Samora, ficasse simétrica. 
Tendo isso em consideração mais o que está na FOTO 1, mostro o que entendo dessa informação na foto seguinte de por volta dos anos 50, mas como veremos criando-se aqui o pequeno imbróglio 1:

FOTO 2 (adaptação de foto do site delagoabayworld)
Amarelo: secção que será de 1903, conforme se via na FOTO 1 
e que presumo tenha sido a primeira a ser construída
Laranja: secção de 1906, segundo o artigo desse ano com as torres gémeas e altas
Laranja e preto: entrada para a arcada / galeria dessa secção e que passaria 
a ser a entrada central do edifício quando a ampliação "rosa" fosse feita
Verde: secção intermédia que presumo foi concluída
 em 1904 de acordo com o LM Guradin
Rosa: terreno que em 1906 estava livre e onde era previsto o edifício ser ampliado  
Carmesim: Av. Samora, antiga D. Luis e Aguiar
Azul: actual Av. 25 de Setembro, antiga da República e D. Carlos
Castanho claro: Av. Manganhela, antiga Álvares Cabral

Uma das partes em que o artigo do jornal LM Guardian é confuso é dizer que estava prevista a construção dum teatro mas não fica bem claro se seria na esquina "rosa" que estava livre ou na esquina "amarela" que como disse em cima tudo leva a crer (APL e Lisandra) que em 1906 estava já construída. De notar que não chegou a ser feita essa ampliação até à esquina rosa nem o edifício teve um teatro o que dificulta a percepção do que se pretenderia fazer ao tempo do artigo em 1906.
Voltando às datas das secções, certo é que na imagem da direita da MONTAGEM 1 de Junho 1907 se vê que as três secções estavam construídas. Assim mesmo não tendo a certeza de quando foi a secção intermédia "verde" construída pode-se estimar que devem ter sido feitas com pouco intervalo entre elas. 
Penso que daqui se retira que o prédio Avenida/Pott foi previsto ser construído por secções, as duas ou três primeiras foram-no aceleradamente e a última prevista não foi concretizada.

C. "Campos dos Elísios"
Em relação a jardins na Baixa da cidade APL disse o seguinte: "Ao lado (do prédio Pott) fez-se um jardim que se prolongava pela Av. D. Luís (actual Samora) acima, a que o povo baptizou humorísticamente de "Campos dos Elísios". Esse jardim teve que ser destruído, depois de numerosos ataques à sua existência verificados na imprensa, visto que a sua manutenção era, além de dispendiosa, quase impossível. Numa altura em que o abastecimento de água para a população era mais do que deficiente, considerava-se um luxo criminoso estar a esbanjá-la com um insaciável jardim. Assim, os "Campos Elísios" pouco depois desapareceram." 
Problema é que APL não indica o período em que isto terá acontecido e não se fica a saber quanto acima na avenida ficou esse jardim. Também me parece estranho que existindo o jardim Vasco da Gama (VG) desde 1896 alguém tenha resolvido fazer um novo e logo no quarteirão ao lado mas isso é outro assunto. 
A FOTO 3 poderá elucidar um pouco a questão. Podemos dizer que foi tirada de posição elevada nas construções do prédio Pott para norte e aparece aí - ao lado do prédio Pott como dizia APL - um grande arvoredo (no canto superior esquerdo está a central geradora). 


FOTO 3
Carmesim: Av. Aguiar, depois D. Luís, actual Samora subindo para a alta
Amarelos: duas entradas para a praceta em frente à entrada principal
 para o jardim Vasco da Gama, actual Tunduru
Árvore verde: concentração de árvores para norte do prédio Pott
Verde claro: largura da faixa triangular
 que tinha sido adicionada ao jardim Vasco da Gama inicial
Azul: seria o edifício da primeira rede telefónica mas um tanto diferente do de 1937
Rosa: fábrica de refrigerantes
Castanho: Hotel Clube iniciado em 1898
Laranja: Hospital Civil e Militar de Todos os Santos

Lisandra Franco de Mendonça na sua tese diz que a FOTO 3 é de cerca de 1916 e como se vê um carro eléctrico no canto inferior direito podemos dizer que seria seguramente de 1904 ou posterior. As árvores que se vêm para norte do Prédio Pott podiam ainda ser das que tinham sido plantadas para secar o pântano ou podiam fazer parte dos "Campos dos Elísios" de LM que procuramos aqui, quer dizer as suas copas podiam encobrir os caminhos e canteiros que tivessem sido arranjados no solo como seria de esperarexistisse num jardim. Nesta foto não se consegue descortinar até onde as árvores iriam mas parece-me que passariam para lá da Av. Álvares Cabral e subiriam a encosta até ao nível da praceta frente ao jardim VG. Isso quer dizer que o Teatro Gil Vicente que foi construído em 1933 terá aproveitado terrreno onde tinham estado estas árvores e possívelmente os "Campos Elísios". 
Há outras imagens distantes em que se vê árvores por esta zona mas são pouco claras também e seria preciso verificar a sua data. De notar ainda que inicialmente a avenida tinha só faixa de rodagem ao centro sendo ladeada por duas faixas ajardinadas e/ou arborizadas. Apesar da faixa do lado esquerdo se distinguir bem na foto na zona mais próxima mais para norte pode causar confusão sobre onde começaria esse jardim, se realmente estivesse por aí. Penso que avançamos agora um pouco mas continua por esclarecer cabalmente o tema dos "Campos Elísios" - imbróglio 2. 

D. Primeiro edifício de Pott
Nesta vista (foto dos arquivos holandeses) da actual Av. 25 de Setembro para noroeste nos anos 90 do século XiX, aparece-nos o que deve ser um edifício construído por Pott no seu terreno de esquina. Fica-se no entanto sem ter a certeza se seria o primeiro ou o resultante da alteração feita em 1894 mas presumo que fosse este dada a sua aparência não necessitar de melhoria para os padrões da época. 

FOTO 4
Branco:  primeiras Obras Públicas ("barraca de praia"),
actualmente terreno vazio a poente = oeste da Biblioteca
Preto: espaço da futura sede dos Correios
Amarelo: Delagoa Bay Water, espaço do futuro Breyner & Wirth, actual Ministério
Laranja: espaço para o Cinema e Café Scala
Verde: espaço para actual Av. Samora
Vermelho: provávelmente primeiro (original ou alterado) edifício de Pott na esquina

De notar que o edifício de Pott parece estar elevado em relação ao solo o que seria para evitar as cheias frequentes nesse local.

E. Prédio Avenida / Avenida Buildings / Prédio Pott c. de 1929
Sobre esta zona da Baixa há também uma vista interessante que foi publicada por Santos Rufino e seria em princípio de cerca de 1929 mas não há certeza da data. A foto foi tirada da barreira da Maxaquene para poente:

FOTO 5
Amarelo: traço sobre o Avenida Buildings, 
na frente para nascente ou seja para a actual Av. Samora
Vermelho: telhado da secção 1 do Avenida Buildings virado para a actual Av. Samora
Verde: lojas no lado sul da actual Av. 25 de Setembro
Castanho: prédio da clarabóia visto de traseira (e já sem ela)

Comentários

Anónimo disse…
Caro Curioso;
"Imbróglio nº 3". Se compara as fotos 3 e 4 nao lhe parece que o marcado a vermelho na foto 4 é o telhado que na foto 3 está marcado como 'FASE 3'?.
Um abraço.
Rogério Gens disse…
Caro leitor: Tem absoluta razão. É menos um imbróglio, por algum motivo estava a posicionar esse edifício mais para trás mas as duas águas furtadas não deixam dúvidas. Mantenho a foto porque é interessante. Obrigado.