Bairro dos Cronistas na Sommerschield - um pouco da origem e imagens (1/2)

Nos anos 50 quando se tornou premente estender a cidade de Lourenço Marques (LM), actual Maputo para norte do seu limite na altura, a Rua da Nevala actual Av. Nkrumah, foi necessária uma negociação semelhante à que tinha acontecido em 1912 entre o Estado e a concessionária dos terrenos a norte do Hospital, a companhia anglo-sul africana Delagoa Bay Lands Syndicate (DBLS). 
Como explicamos mais aprofundadamente neste artigo da série sobre as concessões na zona, acima = para norte da Rua da Nevala havia uma faixa de cerca de 380 metros que seria do Estado e depois = para norte dela terrenos que pertenciam à DBLS depois de terem inicialmente sido de Oscar Sommerschield. Uns e outros nessa zona estavam a ser usados como campo de golfe, os da DBLS certamente à espera da melhor oportunidade para serem urbanizados. 
Foi necessário um acordo da DBLS com a câmara para se secar e terraplanar lagoas que por aí havia e para se construir os necessários arruamentos e as redes de água, saneamento, electricidade, etc. Só depois a DBLS os pode vender em talhões e criar-se o Bairro dos Cronistas assim chamado por as ruas terem nomes de historiadores portugueses do tempo dos descobrimentos. Deve-se notar que também era de interesse da câmara que não se urbanizassem grandes novas áreas antes das anteriores estarem bem ocupadas, para assim se limitar o seu investimento em infraestruturas. 
Não sei os termos e contrapartidas dos acordos entre as duas partes mas apesar da habituais polémicas legais e na imprensa escrita, uma vez assente o processo de construção do novo bairro iniciado a partir de meados dos anos 50 prosseguiu em ritmo acelerado. Teremos dele aqui três vistas aéreas mas começaremos vendo uma das suas ruas centrais com dois exemplares típicos das suas vivendas e o único grande prédio que a área teve inicialmente, o prédio BuccelattoUso uma foto publicada num grupo de facebook relacionado com LM de que perdi o traço. 
Rua na Sommerschield/Bairro dos Cronistas em declive para leste e
para o nível da Av. António Enes, actual Nyerere

O prédio Buccellato que está ao fundo na foto de cima é a melhor referência para se observar a zona à distância:
Amarelo: o pequeno trecho do bairro dos Cronistas visto na foto de cima

Nesta altura o Bairro dos Cronistas subia da Av. António Enes (azul) à Av. General Rosado , actual Sung (roxo) e da Rua de Nevala (preto) à Av. Nossa Senhora de Fátima, embora na realidade a zona habitacional mais densa começasse dois quarteirões para norte daí (a partir do traço branco).
Em baixo temos a conhecida foto de Carlos Alberto Vieira do album "Recordações de Lourenço Marques"  com as cores correspondentes às da foto de cima, para o que for comum:
Vista parcial da parte mais a norte e a oeste = poente do Bairro dos Cronistas

O bairro tem construção de qualidade e dezenas destas moradias apareceram no HoM e podem ser procuradas inserindo Sommerschield na caixa visível no canto superior direito do écran (ver por exemplo a série de "casas para diplomatas"). No entanto o seu estilo moderno tropical é tão uniforme que penso que mesmo tendo procurado com atenção não consegui identificar nenhuma delas no núcleo central da foto de cima, apesar do seu relativo detalhe.
Finalmente e aplicando as mesmas cores a uma panorâmica abrangente de quase toda a cidade de cimento de LM na qual mais próximo aparece o bairro bem definido a nordeste e junto à barreira da Polana na borda da baía:
Bairro dos Cronistas centrado em torno do prédio Buccellato 
em vista para sudoeste sobre a cidade e estuário a meados dos anos 60

Como se vê nesta altura o bairro inicial estava preenchido de vivendas concentrando-se a sul da Av. Nossa Senhora de Fátima, marcada a vermelho e a oeste pela Av. General Rosado, marcada a roxo. Para oeste, passada a Av. General Rosado, actual Sung (roxo)  onde tinha estado o antigo aérodromo o terreno estava ainda livre mas veio a ser urnbanizado depois e onde as ruas tiveram nomes de Governadores Gerais.
Notam-se na foto de cima também algumas casas espalhadas para a direita (norte) da Av. N.S. de Fátima e foi nessa faixa relativamente estreita que ficou disponível para habitação e onde as ruas tiveram nomes de Reis que nasceram muitos dos projectos emblemáticos do arquitecto Pancho Guedes. Não se consegue ver se estariam já na foto de cima ou não mas esse é o local das casas Salm de 1963-65, Almiro do Vale de 1965 e Boesch de 1968, as três junto ao prolongamento da Av. António Enes, actual Nyerere e também da Casa vermelha  de 1969 colocada já mais para leste.
Por isso para o fim dos anos 60 a urbanização da antiga concessão de Sommerschield / DBLS ia crescendo para norte-nordeste da cidade passando ao lado (do lado da baía) da estação de radio-navegação e radiogonométrica que se identifica pelas torres de antenas. Essa zona depois de libertada da estação de rádio foi principalmente reservada para a cidade universitária (ver aí a faculdade de Agronomia) mas ainda nâo estava urbanizada nem edificada nesta última foto.
Para mais aprofundamento sobre a evolução das concessões de terrenos na cidade, incluindo esta da Sommerschield - série aqui.

Comentários

Unknown disse…
O primeiro a nascer foi o bairro dos cronistas que deu origem ao bairro de Sommerschield ou o contrário? Vivi neste bairro até 1974 e não se chamava bairro dos cronistas. Agradecia que me esclarecesse.
Rogério Gens disse…
Não sei a resposta exacta mas o que presumo mais lógico é o seguinte. A zona era a antiga concessão de Oscar Sommerschield e por isso foi sendo conhecida por esse nome. Foi urbanizada para o final dos anos 50 e olhando para o mapa de LM dos anos 60/70 a maior parte das ruas do novo bairro, nomeadamente em torno da praceta central, para leste da Av. General Rosado, actual Sung, a da Cadeia Civil ficaram com nomes de Cronistas portugueses. Os seguintes estão na lista na wikipedia: Bocarro, Diogo do Couto, Garcia de Resende, Duarte Galvão etc e incluindo até uma que se chamava Av. Cronistas. Mas para oeste da Av. General Rosado as maiores ruas tiveram nomes de antigos Governadores (Pereira do Lago, Melo e Castro, Pereira Marinho, Francisco Barreto) e similarmente ao que aconteceu à parte dos Cronistas uma delas chamava-se Av. Governadores. Para norte da Av. NS de Fátima, actual Kaunda o bairro teve nomes de reis de Portugal. Então eu diria que o no geral a zona era da Sommerchield mas estava dividida geográficamente e nos nomes dados às ruas em três bairros, o dos Cronistas e os outros dois que nunca ouvi serem chamados assim mas deviam ser o dos Governadores (ao lado do hospital militar) e o dos Reis (na faixa para nordeste da NS da Conceição). Se não for mesmo assim não deve estar muito longe.
Rogério Gens disse…
Acrescento ainda. A primeira avenida paralela e a norte à NS da Conceição actual Kaunda era Sidónio Pais e à esquerda, ao lado do bairro da Coop de vivendas havia uma António José Almeida, ou seja dois presidentes da república portuguesa e havia aí uma Avenida dos Presidentes, que note-se tal como para a dos Cronistas e a dos Governadores tinha tamanho de simples rua e pequena por sinal. Então a zona da Somerschield dividiu-se em 4 bairros, Cronistas, Governadores, Reis e Presidentes mas por qualquer motivo só a parte dos Cronistas ficou assim conhecida e o seu nome talvez até sobrepondo-se aos nomes que as outras deviam ter tido. Certamente que isto estará explicado nos documentos desse tempo porque a urbanização da antiga quinta foi processo complicado e demorado.