Esquina da Av. Central com D. Manoel e hipódromo no início do século XX. Nomes ilustres nas ruas

Este é um postal da colecção do editor E. Peters de Cape Town respeitante a Lourenço Marques (LM), actual Maputo e que mostra um local à partida pouco identificável. A legenda é "looking out to race course" o que quer dizer "olhando para a pista de corrida" e parecia que se estava na parte alta da cidade a olhar para a Baixa mas essas impressões podem ser muito enganadoras. 

FOTO 1
Postal de E. Peters "looking on to race course"
Entretanto li que por volta de 1900 LM tinha tido um hipódromo pelo que se afastava a possibilidade da FOTO 1 ter sido atribuida a LM por erro dos produtores do postal. Como se vê na foto os cavalheiros dos riquexós olhavam para o fundo e ...


Pormenor da FOTO 1
Pista em LM cerca de 1900-1905 para corridas de cavalos
A pista oval do hipódromo de LM devia ter sido batida em terreno de antigo pântano e que tinha sido drenado e aterrado muito recentemente. Para além do seu limite a sul, vê-se as casas do burgo que tinham estado mais próximas do pântano mas já para dentro da linha de defesa, numa zona que, como veremos a seguir era a das portas da cidade ou da linha. 
Então na FOTO 1 ver-se-ia a Baixa ao fundo e seriam depois dela o estuário e na sua margem sul a Catembe. O espaço arenoso mais próximo e em declive faria parte do traçado reservado para uma das futuras grandes avenidas "verticais" da cidade e desenhadas para terem 40 metros de largura.
Surgiu entretanto para venda no site de memorabilia delcampe. net a digitalização dum postal com melhor resolução do que anteriormente disponível. Coloco-o a seguir como FOTO 2 e o seu local tinha sido elucidado pelo HoM aqui. À direita da FOTO 2 temos então um edifício que ocupava uma esquina e que foi visto aqui nos tempos do carro eléctrico e que existe ainda com pequenas alterações (tinha recentemente o Restaurante Impala).

FOTO 2
Vista para a Baixa na Av. Central, depois Manuel de Arriaga, agora Marx 
antes do cruzamento com Av. D. Manuel, depois 5 de Outubro, agora Josina
Como suspeitei que o local fosse o mesmo, comparemos as FOTOS 1 e 2 relativamente aos edifícios mais próximos à direita da primeira.


FOTOS 1 e 2
laranja: muito provávelmente a mesma pequena casa de madeira e zinco
outras cores: muito provávelmente o mesmo edifício de alvenaria,
supostamente mostrado antes e depois de ter sido aumentado de mais um piso
Para além das prováveis equivalências das marcas, pequenos pormenores a favor do edifício de alvernaria ser o mesmo nas duas fotos mas ter sido aumentado da FOTO 1 para a FOTO 2 são o parapeito em grade no primeiro andar se ter mantido com o aumento e ter sido respeitado o estilo inicial colocando-se no terraço uma grade semelhante e replicando-se os vasos decorativos de cerâmica à italiana como foi moda nessa altura.
Não sei de que data é a FOTO 1 mas de cima concluo que será anterior à FOTO 2 que de certeza é de 1904 ou posterior. Em geral diria que a FOTO 1 será de cerca de 1900 a 1904 (outras da mesma colecção são de mais tarde um par de anos mas podem não ter sido tiradas na mesma altura - ver aqui) e que a FOTO 2 é de 1904 em diante pelo que a adição do segundo piso ao edifício da esquina terá sido feita digamos por volta de 1905 a 1908, só para termos uma ideia.
Podemos ainda comparar o edifício da FOTO 1 com outra parte do da FOTO 2 também pós-ampliação, jogando de novo com a dimensão horizontal das imagens para tentar corrigir as perspectivas diferentes com que foram tomadas. 

FOTOS 1 e 3
Parece também haver correspondência entre os edifícios mas ..
Como se pode ver aqui no edifício actual os arcos foram retirados pelo que não parecem elementos estruturais o que pode explicar que não apareçam exactamente iguais nas comparações. Tendo em consideraçâo o aspecto do local, a sua posição em relação à Baixa, a comparação dos edifícios e a ausência de alternativas similares em termos de edifícios de alvenaria por esses tempos, penso ter localizado correctamente a FOTO 1. Actualmente daria entâo a vista da Av. Marx para a Baixa da cidade a partir dum pouco abaixo do seu cruzamento com a Av. Josina e conseguimos agora uma vista desse local um pouco mais recuada no tempo do que a que se conhecia.

Num à parte sobre nomes ilustres do passado da cidade, a legenda da FOTO 2 é que se trata da avenida Freire d'Andrade (ou de Andrade). Nos mapas esta avenida passa de Central (no de 1903 e no de 1906 e também na sua actualização de 1910) a Freire de Andrade no de 1910 e passa depois a ser a Av. Manuel de Arriaga. Alfredo Freire de Andrade (de quem já falámos aqui) foi oficial militar português de engenharia, ajudante de António Enes em Moçambique em 1895 e tendo dedicado a carreira colonial especialmente a LM e a Moçambique (ver menções no HoM para a cartografia e escola distrital - ver aqui e aqui) acabou por ser o seu último Governador-Geral na Monarquia. Freire de Andrade passou para o regime republicano instaurado em 1910 sem problemas de maior, seguindo carreira como político e administrador de empresas. Pelcontrário, o seu camarada de armas Henrique Paiva Couceiro também ajudante de António Enes e chefe militar na campanha de Moçambique de 1894/95, mais convicto dos seus ideais e/ou belicoso, depois de 1910 liderou guerrilhas anti-republicanas no norte de Portugal finalmente derrotadas em 1919. 
Apesar do seu "aggiornamento" o nome Freire d'Andrade não deve ter perdurado muito nesta avenida e foi substituido pelo de Manuel de Arriaga, primeiro presidente eleito da República Portuguesa. A originalmente chamada avenida Central manteve depois esse nome até 1976 quando foi substituido pelo do filósofo alemão Marx. 

A referência em cima a Paiva Couceiro vem também a propósito de um Paiva de Andrade (Onofre Lourenço) que também foi militar e governante em Moçambique mas na geração anterior e que, tal como Paiva Couceiro, teve nome de rua no bairro do Alto Maé até à independência, respectivamente a avenida do Liceu António Enes e a das Berlengas. Por seu lado o nome de Freire de Andrade depois de ter sido retirado da avenida Central foi "perpetuado" na marginal do estuário frente ao Zambi. 
Um outro Paiva, Paiva Manso, não foi militar como os três ilustres anteriores mas teve nome na avenida imediatemente paralela a oeste da Central. O motivo para tal foi ter sido o célebre advogado contra a Inglaterra a favor da pertença a Portugal do território da actual província de Maputo, o que é a razão para ela fazer parte do Moçambique independente de hoje.

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