Obras do Porto na base da Ponta Vermelha: texto de Montague e fotos anterior e posteriores (2/5)

Na sequência do artigo anterior, continuamos a falar das Obras do Porto (OdP) que decorreram do lado oriental = leste da enseada da Maxaquene e que segundo o livro do Eng. Galvão consistiriam num muro-cais para acostagem de pequenas embarcações a ser construído entre a Ponta Vermelha e a Baixa
Introduziremos aqui a informação proveniente do livro "The Key To South Africa: Delagoa Bay" de Montague George Jessett (MGJ) que está disponível em pdf no site da Universidade de Toronto. MGJ visitou LM entre 1897 e 1898 e publicou o livro em 1899 cobrindo assim grande parte do período em que as OdP se iniciaram (em 1897) e pararam (definitivamente em 1899).
MGJ descreve com algum detalhe as obras e suas dificuldades como se pode ver ao fundo deste artigo. Até aqui sabiamos através do que Alfredo Pereira de Lima (APL) escreveu em 1972 dos problemas (financeiros e de autoridade) que o Eng Silvério - a quem em Lisboa tinha sido atribuido o projecto e gestão do trabalho das OdP mas sem "aprovação" local  - tinha enfrentado em LM mas Montague relata também problemas surgidos no projecto e/ou execução. Óbviamente que algumas lições terão daí sido retiradas para que em 1915 se tivesse iniciado e concluído depois com sucesso o aterro da Maxaquene mas também é de ter em conta que em 1915 certamente a capacidade das empresas e da tecnologia tinha aumentado grandemente. MGJ diz também que nas OdP tinha-se feito aterro de cerca de 10% da enseada e que em 1898//99 parte disso tinha sido já perdida nas águas embora nas fotos que vimos no artigo anterior mesmo assim a perda não parece ter sido total.
No livro de MGJ é difícil distinguir as suas próprias observações das de outros autores que ele cita mas a impressão com que fico é que para todos os observadores estrangeiros as OdP decorriam lentamente. Não sei se MGJ sabia do que se passava nos bastidores - aspecto de que APL dá alguma informação - mas ele falava de fundos desaparecidos ou aplicados noutras prioridades o que podia estar relacionado com os conflitos envolventes. 
A foto seguinte - que já vimos e as outras também - é dita ser de c. 1890 por isso de antes dos trabalhos. Ao fundo e como era indicado na planta de 1897 vista no artigo anterior, pode ver-se que na base da Ponta Vermelha havia uma costa/praia mais saliente para sul do que a costa do estuário para montante = oeste = poente e que correspondia ao fecho a leste da enseada da Maxaquene. 

FOTO 1
Vista da barreira do lado da cidade para a Ponta Vermelha a leste = oriente
antes das Obras do Porto

A FOTO 1 podia servir de referência para se analisar visualmente os trabalhos subsequentes e o seus resultados mas como dissemos o que se consegue é limitado. Por exemplo na foto seguinte que será de 1906 vemos os barracões e o terreno em parte natural e em parte aterrado na base da Ponta Vermelha mas essa zona está longe demais para que se possa comparar com o aí existente na FOTO 1. Em relação à enseada não se consegue saber se nesta FOTO 2 estão aí construções deliberadas/humanas (aterros ou muros) ou se o que se vê serão simples "caprichos" da natureza mais evidentes na maré baixa.

FOTO 2
Não se vê grande impacto na enseada das Obras do Porto
que teriam sido efectuadas uns bons anos antes

Agora uma foto tirada no sentido contrário às duas de cima, com a baixa da cidade para o fundo à esquerda e a Ponta Vermelha nas costas.

FOTO 3
Língua de areia/terra apontando a noroeste junto à praia para o centro da enseada

Já tinhamos observado esta língua ou barra noutras fotos mas como dissemos não sei se era natural ou se tinha resultado, mais próxima ou mais longínquamente, das Obras do Porto realizadas de 1897 a 1899. No que MGJ diz e sumarizo em baixo primeiro e mostro completamente depois podem estar pistas para o que se vê nesta FOTO 3 e para o que marquei na FOTO 1 do artigo anteriormas não será conclusivo:

A. Resumo do livro de MGJ relativamente às Obras do Porto:
Primeiro cais na Baixa era só para barcaças e só servia na maré alta. 
Veio dinheiro para as Obras do Porto mas estas avançaram pouco mas esperava-se que a venda dos terrenos do aterro (da enseada da Maxaquene) que delas resultaria compensaria os custos.  Era esperado que partes dos trabalhos fossem dadas de empreitada a empresas locais mas foi tudo feito directamente pelo Estado. Trabalho prioritário foi um muro em pedra com 2 milhas de comprimento na base da barreira para a suster mas esse muro foi feito sem fundações e não resistiu a tempestades. O elemento principal, o muro de suporte do aterro que formaria o cais (que o Eng. Galvão disse ser para acostagem de pequenas embarcações mas que MGJ diz que seria para vapores, assumo que Galvão estava certo e MGJ estava mal informado mas o que ele escreveu terá contribuído para muita confusão sobre o tema) seria feito por uma única parede de blocos de concreto de 2 a 3 toneladas. Mas não se tinha estudado como/onde abrir as suas fundações para a sua base no lodo da enseada e via-se que o betão dos seus blocos era fraco. Fez-se uma experiência com uma ponte por onde uma grua transportaria esses blocos para os colocar (MGJ não explica se seria no estuário ou na enseada, nofinal teria de ser para cruzar a boca da enseada mas inicialmente podia-se pretendender avançar um pouco sobre o estuário para ganhar profundidade)) mas essa grua caiu, a experiência foi anulada e não se avançou mais. Foi feito perto de 10% de aterro mas foi levado pela maré e essa areia re-colocada pelas águas algures formando uma barra. O material para o aterro seria dinamitado da barreira. A certa altura os trabalhos estavam quase parados e o pessoal tinha sido reduzido.
Esta foto do artigo 5 mostra esses blocos e os seus moldes supostamente em 1901, isto é continuando sem aplicação já pelo menos dois anos depois das Obras do Porto terem sido canceladas.

B. Detalhes das passagens mais relevantes do livro de MGJ relativamente às Obras do Porto com comentários HoM mais específicos:

Página 35:
It was not until the construction of the Delagoa Bay Railway was commenced that any serious attempt was made to improve the harbour and extend the town of Lourengo Marques, and even then it has, until within the last few years, progressed but at a snail's pace.

Da página 73 à página 81:
To return again to the harbour works, the following account will show clearly the modus operandi of the Portuguese in this respect. GBP 300,000 was the modest sum required to reclaim some 350 acres of waste ground (mud banks) adjoining the town to the east. At the time it was plainly decreed (provided this sum was forthcoming) it was to be spent in building a river frontage wall of concrete blocks of sufficient length and depth for steamers and ships to lie alongside, discharging cargoes cheaply and expeditiously. The work of filling in or reclaiming the large area of 350 acres to an average depth of 20 feet  was to be given out in sections to the contractors. 
(HoM: 6 metros de profundidade em média parece OK comparando com o aterro final de 1915//20)

The net results on paper were : First, the sanitary arrangements would be improved by filling in 350 acres of swamp ground, so detrimental to the town and its cosmopolitan inhabitants ; second, if GBP 300,000 were spent in harbour works Delagoa Bay would then be well up with its rivals. Natal, East London, and Port Elizabeth ; third, the land so reclaimed would realise a million sterling if offered as sites for bonded stores and warehouses in connection with the railway, providing ample room in the future for the extension of the cramped-up town.
The £300,000 asked for was easily obtained (in Paris, so it is said) for so laudable an undertaking - a mere trifle in comparison with the millions advanced in London to assist Portugal in her financial troubles during the present century. The Delagoa Bay harbour works for which this sum of money was advanced twelve months ago (1898) need some explanation. Everything in connection with landing is of the most primitive description. Little or no progress has been made in landing since Delagoa Bay became a port. True, the Portuguese Government have provided cranes in plenty, but there is no deep-water wharf in existence. At half and low tides every loaded lighter is high and dry. The Lisbon Government being in possession of  GBP 300,000, no record is published of the probable filtration which this sum was subject to at the hands of the various members of the Government in power. All that was known in Delagoa Bay was so many millions of reis had arrived in Lourenço Marques to be spent on the much required harbour improvements. The residents naturally expected sections of the work would be given out in contracts, and a share of the work divided amongst those who were willing to take the risk of prompt settlements. In this the inhabitants of Lourenço Marques met the first great disappointment. The local Government got hold of the money, and stuck to it, the little real work that has been accomplished having been entirely done by Government officials. 
The first portion of the work entailed the leveling and making of an esplanade at the bottom of the cliff from the town to Reuben Point, a distance of two miles. The military engineers erected a dry stone wall without foundation on the sand shore, ostensibly to protect sections of the sand esplanade. But the periodical high tides and rough weather on a lee shore persistently undid the work of the staff surveyors and engineers employed thereon. The continuous zeal displayed by them was worthy of a better cause. 

(HoM: MGJ fala de parede de pedra na base da barreira sem fundações. Seria então a língua da FOTO 3 resultado dessa parede? Na FOTO 1 do artigo anterior na marca "amarela" mais à esquerda da língua "castanho claro" aparece também uma elevação, seria ela o que restava dessa parede?

About five hundred concrete blocks, weighing from two to three tons, composed of conglomerated oyster rock, sand and cement, present a formidable appearance as a centrepiece to the harbour works. On close inspection, however, one finds that each block is materially depreciating on exposure to the rigours of this climate. The native labour employed, supervised by soldiers, in manufacturing concrete has not proved a success, more especially when the concrete blocks are to be submerged in a deep, strong tidal river where no attempt has yet been made to discover the depth of the necessary foundations underneath the mud. An experiment was made a few months back in transporting one of the concrete blocks by the aid of a valuable new locomotive crane. A jetty, extending seaward with a sharp decline, was the improvised scene, but the crane took charge of the driver, finally depositing itself headlong into the river. After a fortnight's work this valuable piece of machinery was rescued from its mud-bed, but any further experiments in this particular department have been avoided by the management. 

(HoM: A olho podemos estimar na foto do artigo 5 que haveria uns 60 blocos ao longo de cada fiada o que multiplicado por duas fiadas e 3 blocos empilhados daria uns 360 blocos no total. MGJ fala de 500 por isso está-se na mesma ordem de grandeza, o que MGJ viu devia ser o que estava na foto). 

(HoM: Neste trecho do seu texto MGJ começa a falar doutra construção - em betão - pois a referida mais acima era só em pedra. A de betão era para o muro de suporte exterior, a de pedra era para uma primeira protecção junto à barreira.  No final deduz-se de MGJ que os blocos de betão acabaram por não ser colocados embora alguns possam ter caído à água no referido incidente com a grua locomotiva. Quando MGJ diz que a ponte entrava para o mar não é claro se ela entrava para sul (para água mais funda) ou para oeste (directamente a fechar a enseada) e por isso não se percebe bem onde iria ficar o muro de suporte com esses blocos, se no limite a sul do terreno que tinha já sido aterrado ou se seria ainda mais para sul = água mais funda (era nessa direcção que estava a ponte marcada a vermelho na FOTO 1 do artigo anterior mas ...). 
É também estranho que o método fulcral para a construção das OdP (como colocar os blocos para a muralha marítima) não tivesse sido testado antes de finalizar o projecto e/ou que o primeiro falhanço não desse origem a nova tentativa ou a uma alternativa. Que tivesse havido dúvidas e discussões técnicas que não conhecemos e que MGJ tinha má ideia da engenharia portuguesa era claro, mas que o cenário fosse assim tão mau ... 

From three to four hundred natives have been employed from time to time in filling in. About 30 acres out of 350 have been reclaimed. As no provision was made for draining this loose ground, the summer rains descended as is their wont, and washed away many hundreds of tons from the top, whilst the uncontrollable spring tides and waves played sad havoc with the unprotected sand base. The loose drift sand thus washed away is deposited by the outgoing tide at the entrance of the harbour. A bar is slowly but surely accumulating there, which hitherto was unknown. 

(HoM: aqui MGJ fala do enchimento da primeira parte de aterro da barreira do primeiro muro de pedra para sul. Essa parte seria cerca de 10% do aterro total mas sem o muro de suporte do lado do estuário a terra foi levada pelas águas e depositada mais longe formando uma barra parece que à entrada do porto. Seria então esta uma justificação para as barras (línguas) que vimos na FOTO 3 de cima, nas outras fotos e nos mapas?
Quanto ao muro de pedra em baixo da barreira, feito sem fundações e com água descendo da barreira e não sendo drenada, não se susteve por completo. 
Com o "no provision" da drenagem da primeira parte do aterro, MGJ dá ideia que o Eng. Silvério era estúpido e/ou incompetente mas seria (assim tanto)? Noto que isto foi escrito com as OdP em curso, depois delas e como ficaram incompletas teria sido mais natural que acontecesse este tipo de acidente.

To expedite the works a mine was sunk at the top of the cliff, overlooking a portion of the ground to be reclaimed. It was intended to dislodge many thousands of tons of rock and muck by blasting. Two thousand pounds of powder, so it is said, was placed in the mine, and an electric wire attached for safety's sake, but the day the explosion should have taken place a deluge of rain fell, half-filling the mine. Unfortunately the staff were again to be disappointed by the elements. Eventually, when the explosion did take place, its effect did not tally with the well-thought-out calculations on paper.

(HoM: a barreira seria dinamitada para se libertar terra/rocha para o aterro mas o resultado ficou aquém do planeado. Não se sabe muito bem o que foi feito a seguir. Na FOTO 1 do artigo anterior aparece uma zona da barreira sem vegetação acima da zona que foi aterrada a oriente da enseada, teria sido essa a parte da barreira dinamitada?)

A number of commodious iron houses for the workmen, and extensive offices for the heads of departments have been erected, also huts for natives. Workshops are dotted about, and a large quantity of railway construction material, purchased from the unfortunate Silati Railway, is on the spot, but so far unused. 

HoM: MGJ refere-se aos barracões e certamente às casas mais pequenas que veremos noutro artigo. Das palhotas para os trabalhadores nativos não tenho mais informação mas vê-se na foto seguinte de cerca de 20 anos depois que havia palhotas na base da encosta mas um tanto afastadas do local das OdP. Terão aparecido aí cerca de 1897 ou seriam as casas dos pescadores tradicionais (foto de ARPAC (no facebook) da pasta “Maputo Cidade XI, Monumentos e Locais Históricos”
Palhotas na base da barreira em 1918. Seriam as das Obras do Porto?

MGJ menciona também as oficinas espalhadas por essa zona e o material que tinha sido destinado à linha férrea de Silati que iria de digamos Komatipoot para o norte e que não tinha sido efectivada. Sobre ela podemos ver o seguinte no "Reports from the Consuls of the United States" de 1893: "Sixty-eight miles from Lorenzo Marquez a branch line 35 miles in length is being constructed to Barberton, a mining center. One mile beyond the border another branch called the Silati Railway is being constructed. It is to run in a northwesterly direction some 250 miles through a dry and arid country unfit for cultivation, but reputed to be a very rich mining field. The gauge of all these lines is 3 feet 6 inches. Although the branches are not in Portuguese territory, they are a part of the Delagoa Bay Railway system." )

A new tug from Germany, a launch, some lighters, boats and boat-houses, complete the assets of this undertaking. 

(HoM: não se percebe se estes equipamentos eram para as Obras do Porto, parecia um bocado prematuro estando elas tão no início, ou se seriam para o primeiro cais na Baixa. O rebocador era o Teredo)

Very little work is going on, and the large staff have been subject to an all-round reduction.

(HoM: Aqui MGJ parecia pessimista)

Página 153:
In 1897 it was reported from Lourenço Marques that authority had been received from the Portuguese Government for the expenditure of JC1,000,000 upon improvements to the Delagoa Bay harbour. The scheme, which was sanctioned by the Lisbon Parliament, was a very extensive one, and comprised the building of quays, landing places, and other harbour works, as well as the improvement of the town, drainage works, etc.

(HoM: Aqui MGJ parecia optimista mas deve ter sido antes de ter escrito o de cima. Como digo num artigo anterior é difícil encadear no tempo as suas opiniões e/ou as de quem ele cita. Não se sabe para que secção do plano do Eng. Silvério seria esta autorização orçamental mas como só para a primeira secção tinha sido preparado o projecto devia ser para ela. Seria então para o muro-cais para pequenas embarcações e o aterro para o seu interior mas aparecem nessa lista outros elementos).

PS: Na FOTO 1 do artigo anterior, os elementos marcados a amarelo e castanho parecem não naturais e o marcado a vermelho evidentemente não o era. Estas explicações de MGJ não garantem se esses elementos seriam resultado das OdP, uma consequência mais distante deles ou se não teriam nada a ver com as OdP. 

Série de artigos sobre as OdP aqui.

Comentários