Feitoria do Allen Wack na baixa de Lourenço Marques (6/6)

Terminamos a série iniciada aqui sobre a feitoria ou grande armazém do Allen Wack (AW) de Lourenço Marques (LM), actual Maputo complementando o que se falou nos artigos precedentes e abordando alguns pontos adicionais.

Concessão de terrenos à firma Allen Wack 
Como referimos no segundo artigo desta série foi ainda no século XIX (19) outorgada pelo Estado português à AW uma grande concessão de terrenos na encosta da Maxaquene e foi-lhe confiado o trabalho do aterro da enseada da Maxaquene. Estas duas grandes parcelas de território estão representadas no mapa seguinte que talvez seja de por volta de 1909.

Mapa da capa do livro de João de Sousa Morais: Maputo, Património da estrutura ...
Vermelho: concessão do Allen Wack na encosta da Maxaquene
Zona rosa: terreno que seria obtido pelo aterro da enseada da Maxaquene

Como no círculo vermelho o "de" está na direcção da Av. Francisco Costa, actual 24 de Julho, a concessão de AW na encosta devia ser entre as actuais avenidas Mondlane a norte e Lumumba a sul e pode-se estimar assim a sua enorme área. Sobre essa parte da concessâo refere Lisandra Franco de Mendonça na sua tese de doutoramento na página 128 "Na cartografia de finais do século XIX a área que se estende entre o limite este da expansão da cidade (Av. Augusto de Castilho) e a vila da Ponta Vermelha, aparece assinalada como “Concessão de Allen Wack”. 
Sobre a parte do aterro mais a sul Lisandra Franco de Mendonça menciona o seguinte: "Segundo Pereira de Lima, o Governo concedeu a Charles Wack em 1888, “todos os terrenos que pudesse conquistar ao mar, entre a Praça de N.ª S.ª da Conceição e as proximidades da Ponta Vermelha, ‘a fim de neles construir oficinas metalúrgicas, docas de abrigo e outras edificações, com a obrigação de construir um muro-cais, [...]. A concessão desta área feita sucessivamente à firma Allen Wack & Co. foi anulada em 1897, por o concessionário não ter cumprido as obras acordadas."
Destes textos ficamos no entanto sem saber se o direito da AW às duas parcelas era conjunto ou individual, quer dizer se a anulação da componente da concessão para a enseada terá implicado automáticamente a anulação da componente da encosta ou não. Se essa componente tiver também sido cancelada então a referência no mapa de 1909 à AW seria simplesmente histórica pois os terrenos nessa altura teriam outro proprietário, talvez de novo o Estado. Sobre o que aconteceu depois a esses terrenos da encosta falámos aqui embora também nem tudo tivesse aí ficado bem esclarecido.
O que em retrospectiva observamos aqui foi o Estado atribuindo a uma firma comercial, aparentemente sem experiência em construção civil, um grande trabalho de aterro e a feitura do muro cais que seria essencial para o futuro da cidade. Esse trabalho seria longo, volumoso e difícil mas poderia gerar grandes benefícios à AW no caso de ter sucesso. Para ter chegado a esse tipo de relação com o Estado é de crer que Charles Wack tivesse certa reputação, influência e/ou poder em Moçambique nesse tempo da Monarquia mas sobre isso nada sei.  
Estranho é que como vimos no artigo anterior nas fotos de Fowler cerca de 1886/87 ainda não se viam instalações da AW no local onde vieram a estar junto à fortaleza. Por isso Charles Wacke terá ganho o peso "institucional" que terá feito as autoridades confiar nele exercendo outra actividade ou a actividade comercial que ele exerceria teria sido noutro local da então vila de Lourenço Marquues, isso óbviamente em condições normais de administração do bem público. Este é um exemplo de assuntos que os poucos textos disponíveis, os mapas e as fotos podem levantar mas não resolvem e onde trabalho de pesquisa de Historiadores seria crucial.
Mudança no nome da firma - Allen Wack & Shepherd 
Em 1920 a Allen Wack tinha aumentado o nome original juntando-lhe o Shepherd (aqui AW&S) e podemos ver aqui os pormenores:
Nova firma criada pela junção de duas prévias
e entrada de quatro novos accionista^s
Por esta notícia não se fica perceber bem qual das firmas iniciais era alemã e se foram elas que terão deixado de ter interesse na zona dado a Alemanha em 1918 ter perdido o Tanganhica.
Publicidades de Allen Wack em 1933 e 34 em Lourenço Marques

Venda de mobiliário doméstico 
Via-se daqui que a Allen Wack nos anos 30 vendia produtos ao público e por isso precisava de manter uma loja na cidade, quer dizer não podia ter só um armazém no cais das estâncias.

Allen Wack & Shepherd na cidade da Beira e em mais sectores de actividade
Enquanto que em Lourenço Marques que eu veja a partir dos anos 30 deixa de haver referências à firma AW, na Beira ela existiu até mais tarde como AW&S.
Cidade da Beira onde o AW&S parecia em actividade. Seria nos anos 30/40?
Antigo AW&S da Beira à direita

Os edifícios das fotos de cima são na zona da Arângua na Beira que pelo resto que se vê era de armazéns na zona do cais. Um leitor tinha acrescentado à versão inicial deste artigo que o AW & S estava em plena actividade na cidade da Beira em 1965/70, pelo menos numa sede que ficava para os lados da Capitania.
Entretanto a Allen Wack e Shepherd parece continuar a existir no Zimbabwe no ramo dos transportes, portos e alfândegas. Noutro artigo aparece referência à AW&S já depois da independência de Moçambique e relativamente a esse sector (integração na firma Manica), o que me leva a supor que a AW&S a ele se tenha dedicado nos anos mais recentes. Noto todavia que apesar de originalmente a actividade da firma parecer ter sido comercial (importações e exportações como era tradicional para as grandes companhias) encontrei também referência a ter tido uma fundição pelo que a AW terá também estado ligada à indústria.

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