Fotos de Lazarus em Lourenço Marques no início do século XX - Rus in Urbe

Versão revista com alguns novos dados e análise mas na mesma sem conclusão
Há algumas imagens de Lourenço Marques (LM) no início do século XX (20) feitas pelos irmãos J. & M. Lazarus que não são bem identificadas de origem e que mesmo com algum esforço não consigo localizar, embora consiga pôr hipóteses e esta é particularmente interessante:


FOTO 1
Digitalização dum postal à venda no site descampe.net
Rus in Urbe, Lourenço Marques


Segundo o site oxford reference Rus in Urbe quer dizer em latim o "campo na cidade" e aplica-se à ilusão de que dentro duma cidade se esteja no campo, se visto por exemplo a partir dum (grande) jardim que lá exista (educalingothe "rus in urbe" thing, the feeling that when you enter a cricket ground you escape from city life and all the tensions). Registar tal ilusão era exercício tradicional da pintura naturalista nas cidades que mantivessem parcelas verdes e os primeiros fotógrafos devem ter aderido à prática utilisando o novo meio de criação de imagem. Assim os Lazarus quando chegaram a Lourenço Marques (LM) devem ter procurado situações propícias para "Rus in Urbe" com o resultado que vemos na FOTO 1. 
Construções visíveis na FOTO 1 são principalmente um edifício "castanho" com duas partes separadas, antes dele um mais pequeno com varanda alpendrada que está na sombra e para o fundo outro "cor de rosa" que mal se vê. Inicialmente não os reconhecia individualmente e/ou em conjunto mas neste artigo surgiu um edifício muito semelhante ao "castanho" e que recordo aqui de diversas fotos (e aparece também numa GRAVURA deste artigo dita de 1895 e onde o marquei a verde) 

MONTAGEM 1 (clique para aumentar)
linhas verdes: edifício com dois corpos longos paralelos, 
penetrando para o fundo da parcela
preto: garagem/anexo desse edifício para o seu lado direito = sul na cidade
elipses verdes: pode-se comparar melhor o edifício das linhas verdes 
com o "castanho" da FOTO 1, sendo também comuns as aberturas redondas em cima
laranja: Av. Aguiar, depois D. Luis, actual Samora 
branco: Av. Fernão de Magalhães
amarelo: edifício na esquina das anteriores, onde está agora o prédio Montepio
Verifica-se que o edifício com dois corpos longos paralelos básicamente poderia corresponder ao "castanho" da FOTO 1, mas para se ter a certeza seria preciso ver se este tinha também uma pequena cobertura sobre as portas de entrada. Para isso teria de se encontrar o postal original da FOTO 1 ou preferencialmente a sua foto original mas ....
A respeito do conjunto, é de notar que o edifício com dois corpos longos paralelos tinha uma garagem ao lado enquanto o "castanho" da FOTO 1 tinha tido outra casa ao lado, mas tais modificações podem ter acontecido nos 20 ou 30 anos que decorreram entre as fotos. Quanto ao edifício "cor de rosa" que aparecia mais longe na FOTO 1 e não se vê na MONTAGEM 1 não tenho dados precisos. Assim no que respeita aos edifícios não se consegue com os elementos disponíveis confirmar a hipótese de localização da FOTO 1 na Av. Aguiar. É também de notar que numa das versões do plano do Major António José Araújo de 1887/1892 os terrenos aqui em questão na Av. Aguiar estavam já aforados por isso será natural que neles tenham rápidamente aparecido aí construções. 
A FOTO 1 tem claramente uma vertente do "campo" que tentaremos confirmar se seria compatível com essa hipótese da Av. Aguiar. Se o efeito "Rus in Urbe" era frequentemente criado por jardins, podia ser que na FOTO 1 o que parecia ser o mato em primeiro plano fosse o "jardim botânico" de LM que realmente ficava próximo na Av. Aguiar. Então nesse aspecto a hipótese da Av. Aguiar não seria de excluir de imediato e vejamos então as plantas com a  Av. Aguiar e o "jardim botânico" de cerca de 1892 e onde marco parte dos elementos da FOTO 1 e da MONTAGEM 1 para ver se são coerentes.

MONTAGEM 2 com base no plano de 1887
Cinzento: no desenho original as vias anteriores ao plano Araújo, incluindo
Preto grosso: Estrada das Mahotas existente nessa altura, desapareceu depois
Roxo: plano para nova Av. Aguiar, depois D. Luis, actual Samora 
Laranja normal: plano para a Av. D. Carlos, actual 25 de Setembro, antes da República
Laranja claro: futura Av. Fernão de Magalhães, ainda indefinida neste plano
Amarelo, verde e rosa: posição das três vivendas do lado oeste da Av. Aguiar 
para norte da Av. Fernão de Magalhães, da MONTAGEM 1
Vermelho: hipótese de linha de vista da FOTO 1
Mancha verde escuro: jardim botânico inicial
Mancha verde claro: expansão posterior do jardim para oeste 
da estrada das Mahotas até à nova Av. Aguiar e onde tinham sido plantadas árvores
Traço verde escuro: dreno do pântano a sul do jardim
Azul escuro: Av. Alvares Cabral, actual Manganhela, ainda indefinida neste plano
Como se vê na planta de 1887 e dissemos já o jardim botânico no seu início era limitado a oeste pela Estrada das Mahotas, a qual ficava na planta à direita = para leste do que veio a ser a Av. Aguiar. Só depois o terreno entre esse limite e a nova Av. Aguiar terá sido entregue para o jardim e esta planta mostra que isso só aconteceu depois de 1887. Como se vê na MONTAGEM 2 em princípio a FOTO 1 podia ter sido tirada daí (a partir da mancha verde claro). Todavia isso teria de ter acontecido antes da Av. Aguiar ter sido pelo menos desmatada porque se já o tivesse sido e sendo a sua largura de cerca de 40 metros, então entre o fotógrafo e as casas assinaladas na FOTO 1 haver-se-ia de ver algum espaço livre relativo à avenida e só se vê mato. Fundamental para se enterder isto será então saber quando foi pelo menos desmatada a Av. Aguiar, actual Samora.
Sobre isso teremos a seguinte foto ACTD que já conhecemos daqui e é dita ser de 1895: 

FOTO 2 de 1895
Av. Aguiar a ser pavimentada em 1895, vista para norte 
antes do cruzamento com a Av. Álvares Cabral actual Manganhela
No entanto Lisandra Franco de Mendonça (LFM) na sua tese de doutoramento (descarregar aqui) indica baseando-se em relatórios dos trabalhos que a construção da Av. Aguiar, actual Samora principiou em 1887 (página 54 impressa e 91 no pdf) e que prosseguia em 1888 (página 78 impressa e 113 no pdf) com o seu calcetamento e arborização. Por isso na FOTO 2 de 1895 parece estar-se numa fase mais avançada da construção da avenida mas fica claro que ela estava pelo menos desmatada e a todo o seu comprimento em 1895 (se acreditarmos nesta data !). Ora se assim for e tendo os Lazarus chegado a Moçambique em 1899, se a FOTO 1 foi mesmo tirada por eles e a partir da "mancha verde clara" então  não se podia ver tanta vegetação onde devia estar a avenida e indo até tão perto das casas como lá se vê. 
Por isso ou a FOTO 1 foi tirada pelos Lazarus noutro local que não este na Avenida Aguiar ou a FOTO 1 não teria sido tirada pelos Lazarus e seria anterior a 1899 e nesse caso poderia ser aí. Noto que parece haver exemplos de fotos compradas pelos Lazarus a outros fotógrafos que os precederam em Lourenço Marques como se pode ver para esta na RCS com o comentário no JANUS aqui ("... possible that the photograph was indeed taken ... before the Lazarus Brothers had set up their business") e que é datada de 1895. Por isso essa possibilidade não deve ser descartada para a FOTO 1 mas também não a podemos verificar.
Resumindo, ficamos a saber o que é um "Rus in Urbe" e a conhecer melhor a formação da Av. Aguiar, actual Samora e uma casa a meio dessa avenida e parecida com a principal da FOTO 1 mas no final não conseguimos localizar essa foto. 

PS 1: O interesse e ao mesmo tempo a dificuldade em analisar a FOTO 1 é que pelo título "Rus in Urbe" sabemos de antemão que os fotógrafos tentavam enganar o observador, procurando uma perspectiva que escondesse o que iria prejudicar a ilusão que eles queriam criar. Ora isso é o oposto daquilo que (normalmente) estamos habituados a ver, que são fotos em que o fotógrafo tentou captar o melhor e o mais abrangentemente possível a realidade.
PS 2: O espaço "triangular" entre a Estrada das Mahotas e o que veio a ser a Av. Aguiar (uma parte dele é a mancha verde claro na PLANTA) foi plantado com árvores do tipo eucalipto. Então se a FOTO 1 tivesse sido tirada daí devia-se ver eucaliptos jovens ou a crescer e não essa vegetação que me parece ser nativa. Será outro factor contra a foto ser na actual Av. Samora mas ...
PS 3: Penso que produtos fotográficos "Rus in Urbe" para LM não seriam muito chamativos para os destinatários ocidentais típicos das fotos/postais dos Lazarus. Se na Europa industrial e urbana seria interessante ver tais casos, em relação a África o melhor seria fotos dos povos e tradições locais (e eles fizeram muitas desse tipo) e fotos do desenvolvimento de tipo ocidental nessas paragens longínquas (que eles também fizeram). Suponho assim que o "Rus in Urbe" dos Lazarus deve ter sido mais um exercício de estilo do que de "marketing" mas disso eles deviam saber mais do que eu, 

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