Gravura do final do século XIX com a Baixa de LM ao fundo

A gravura seguinte foi publicada por Miguel Bruno Duarte com a legenda que indico e não sei qual a sua origem. Muitas gravuras antigas são pouco credíveis mas os elementos principais desta podem-se confirmar. 

GRAVURA
Vista de Lourenço Marques (dita de 1895)

A vista da GRAVURA era certamente dum local alto para sul a Baixa da cidade de Lourenço Marques (LM), actual Maputo e nela podemos reconhecer vários elementos como mostro em baixo comparando essa gravura com uma foto. 
Essa foto que conhecemos doutros artigos, veremos aqui que é alguns anos posterior à gravura mas pode-se ainda fazer a equivalência do local entre ambas:

MONTAGEM de GRAVURA E FOTO 1
Mancha castanha: pântano em redor do burgo em fase final de drenagem. 
Na FOTO 1 apareciam já aí vedações e até uma casa
Roxo: casa perto da esquina entre a Rua da Linha e a Travessa da Fonte
Vermelho: fase inicial da Av. Aguiar/D. Luís, actual Samora
Verde claro: Travessa da Fonte continuando a Av. Aguiar
Amarelo: casa comprida no limite do burgo do lado sul na Rua da Linha,
onde está agora o prédio novo do BM. Para cá da rua era o muro da linha de defesa
Laranja: prédio de dois pisos e varanda alpendrada a norte do pântano. 
Foi da sua varanda que a FOTO 1 foi tirada
Branco: terreno abaixo do prédio de dois pisos
Só na GRAVURA:
Rosa e Verde normal: rua e casas que veremos com a FOTO 2
Carmesim (redondo): torre que desconheço, talvez imaginação do autor

Então é a partir da casa da marca roxa já localizada na "ilha" do burgo de que falámos neste artigo (aí marcada a preto) e neste artigo (aí marcada a laranja em fase posterior) que nos conseguimos orientar na GRAVURA e dizer que a estrada ainda mal definida que desce a encosta é a Av. Aguiar nos primeiros tempos, depois D. Luís e actual Samora. Como disse em cima presumo que a FOTO 1 foi tirada do prédio marcado a laranja a olhar-se para a Baixa, por isso há marcas que aparecem únicamente na GRAVURA pois ficariam em ponto mais alto da avenida do que essa casa como por exemplo a casa longa marcada a verde deste artigo e deste sobre Rus in Urbe.  
Fazemos assim já boa ideia do que se mostrava na GRAVURA mas vamos precisá-lo um pouco mais com a foto que publicamos aqui com o novo Teatro Gil Vicente (TGV) em construção entre 1932 e 1933.

FOTO 2
Laranja: parte de prédio de dois pisos e varanda alpendrada, o mesmo da GRAVURA
Vermelho: Av. Aguiar depois D. Luis, actual Samora
perto da entrada do Jardim Botânico
Branco: fachada principal do novo = actual Teatro Gil Vicente (TGV)

Pode então concluir-se daqui que o TGV foi construído no terreno marcado a branco na MONTAGEM.
O prédio a norte = para a esquerda = um pouco mais elevado no terreno do novo TGV da FOTO 2 era então o que se via na GRAVURA pouco acima do do pântano e de cuja varanda foi tirada a FOTO 1. Esse prédio estava assim onde foi depois construído o prédio João Ferreira dos Santos na esquina a sudeste entre as Av. Aguiar e Fernão de Magalhães. Tendo em conta que esse terreno pode ter sido aforado antes do plano reticular do major Araújo que definiu a cidade actual, pode não haver equivalência absoluta da sua posição com a esquina actual mas aproximadamente seria por aí. Daí podemos também dizer que o "rosa" na GRAVURA era aproximadamente onde está a extremidade a leste = nascente da Av. Fernão de Magalhâes. 
No artigo sobre o novo Teatro Gil Vicente (TGV) acima citado era dito (fonte Alfredo Pereira de Lima - APL) que o terreno que em 1932 Manuel Rodrigues comprou para o construir era contíguo ao "campo Berman". Tratando-se dum apelido de origem judaica tentei confirmar e de facto cerca de 1921 vivia em LM um certo I. Berman (deste registo com alguns nomes dessa comunidade). Não sei se era mesmo ele o dono do terreno "laranja" da esquina e também não sei se o "contíguo" significaria o que ficava para baixo ou outro próximo, mas fica aqui mais uma possível marca de quem teria sido esse cidadão de LM chamado Berman. 
Noto ainda que cerca de 1890 o terreno "laranja" pertencia ou estava reservado para o Major Joaquim Lapa das Obras Públicas e que no artigo sobre a Fonte Castilho citando-se APL dizia-se que por volta de 1885 nessa zona tinha sido a "quinta do Petiteau". Por isso é bastante complicado saber a quem foram pertencendo os terrenos dessa zona desde que se terá feito o seu aforamento ou venda talvez nos anos 70 ou 80 do século XIX (19). 
Quanto a avaliar-se a precisão da data da GRAVURA dita de 1895, temos a seguinte informação na tese de doutoramento de Lisandra Franco de Mendonça (descarregar aquisobre o período inicial da Av. António Augusto de Aguiar, depois D. Luis, actual Samora: 
página 54 (91 no pdf): delineada no terreno a partir de 1887; 
página 78 (113 no pdf): em meados de 1888 estava em construção e nos meses seguintes começou a ser calcetada recebendo para cima de duas centenas de árvores. 
Eu diria que ao tempo da GRAVURA a avenida estava delineada e não estava "calcetada" (e também que não se via esse grande número de árvores mas mesmo que tivessem sido plantadas iria demorar algum tempo até se tornarem bem visíveis, por isso não é dado relevante). Assim a imagem que esteve na origem da GRAVURA seria de entre 1887 e 1888 (a avenida estaria delineada mas não pavimentada) mas como a GRAVURA pode ter sido produzida posteriormente à imagem, a GRAVURA podia mesmo ser de 1895 e tudo estaria correcto. Óbviamente este tipo de hipóteses é fácil de criar mas .... 
Concretamente para se acompanhar a evolução da zona, passamos a parte de outra foto já conhecida que é pelo menos de 1904 ou seja uns bons anos posterior ao que vimos na GRAVURA. Essa FOTO 3 mostra a parte superior e intermédia da avenida Aguiar a ser vista para a Baixa dum ponto em que o Hotel Clube estaria à esquerda. Podemos ver aí o prédio "laranja" e que imediatamente para baixo dele, para o fundo da encosta em direcção à Baixa, havia terreno sem construção, quer dizer seria o marcado a branco na MONTAGEM e que uns 25 anos mais tarde foi comprado por Manuel Rodrigues para o novo TGV. 

FOTO 3 (sem e com marcas)
Vermelho: Av. Aguiar depois D. Luis, actual Samora
Laranja: prédio de dois pisos e varanda alpendrada da GRAVURA e FOTO 2
Branco: terreno livre onde foi construído o novo TGV entre 1932 e 33
Traço castanho escuro: prédio Avenida de Pott

Na FOTO 3 não é claro se se via a Av. Fernão de Magalhães que devia estar para cá do prédio "laranja" mas ela podia estar escondida na foto ou estar mal definida no terreno. Certo é que na planta da cidade de 1903, q
ue mostro a seguir, o entroncamento dessa avenida com a Aguiar estava bem indicado e estava até marcada uma casa na esquina que seria a do prédio "laranja".

PLANTA de 1903 (Jacques Salm)
Laranja: onde seria o prédio de dois pisos e varanda alpendrada
Branco: terreno do futuro (novo) Teatro Gil Vicente
Vermelho: Av. Aguiar depois D. Luis, actual Samora
Rosa: Av. Fernão de Magalhães
Verde claro: Travessa da Fonte continuando a Av. Aguiar para sul
Traço castanho escuro: futuro local do prédio Avenida de Pott,
 erigido onde tinha sido pântano e se viam vedações de madeira na FOTO 1

A seguir temos a FOTO 4 tirada em 1894 da barreira da Maxaquene numa direcção aproximadamente de nascente = leste para poente = oeste, por isso mais ou menos na perpendicular à direcção em que a GRAVURA e a FOTO 1 foram tiradas. Podemos então ver nela a zona de encosta da Maxaquene que aparecia nessas duas imagens mas muito ao longe

FOTO 4
Laranja: penso que mesmo prédio de dois pisos com as varandas alpendradas 
Vermelho: direcção da Av. Aguiar, actual Samora descendo à esquerda
 para o pântano e Baixa da cidade 
Rosa: igreja paroquial, vista do lado da sacristia,
por
 onde está agora a Rádio Moçambique

Eu poderia estar a confundir o que considero ser o prédio "laranja" na FOTO 4 com o do escritório da CGd'E que mostrámos aqui mas como esse só foi construído em 1897/98 não podia ser o que está na FOTO 4 de 1894. Na FOTO 4 o terreno antes do prédio laranja e da avenida pertencia ao jardim Botânico mas por esse tempo o que viria a ser a sua plataforma central não tinha ainda sido desenvolvida dado que o jardim começou pela faixa mais baixa e junto ao pântano que estaria mais para a esquerda na foto.
Com a FOTO 5 final podemos dizer que o prédio "laranja" da GRAVURA e FOTO 2 existia ainda em 1955 ou seja que o prédio do João Ferreira dos Santos (que agora penso que foi remodelado para GAPI) foi construído depois de 1955 o que se coaduna com o seu estilo. 
Podemos dizer também que a casa longa "verde" da GRAVURA existia ainda em 1955. Esta terá sido demolida antes de 1960 para se construir o prédio MONTEPIO / TAP ou para se construir o esqueleto de prédio em betão armado que ficou incabado a norte desse.

FOTO 5
Laranja: prédio de dois pisos e varanda alpendrada, o mesmo da GRAVURA 
e acima do novo = actual Teatro Gil Vicente,
Vermelho: Av. Aguiar depois D. Luis, actual Samora
Rosa: Av. Fernão de Magalhães, à direita em frente ao Pagode Chinês
 e ao espaço ao lado das Obras Públicas
Verde: casa longa "verde" da GRAVURA

Nesta FOTO 5 pode-se ver que a casa "verde" ficava acima na avenida = para norte duma casa de um piso e telhado a duas águas (leste e oeste) que estava na esquina a nordeste do entroncamento entre as duas avenidas aqui referidas, casa essa que aparecia à direita da FOTO 3 (em que a casa "verde estaria ainda mais para a direita da objectiva). Foi no terreno dessa casa e suponho nos duas casas ao lado dela (para a direita na FOTO 5 = oeste) que foi de certeza construido o prédio do Montepio, a dúvida é se ele ocopou também o terreno das casas "verdes"
A propósito do progresso da antiga Av. Aguiar, depois D. Luís e actual Av. Samora falámos aqui (sobre o arranjo de 1926) e aqui (depois desse arranjo). 

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