Pancho Guedes e os 300 a 400 projectos construídos em Moçambique - avaliação HoM (1/2)

Pancho Guedes suponho que 
no telhado da casa avião (Leite Martins)
No HoM o assunto do número de 300 a 400 projectos ditos construídos em Moçambique de Pancho Guedes (PG) foi primeiro abordado aqui da perspectiva de que peso teriam os pequenos trabalhos e com mais desenvoltura analítica abordado aquiTento agora encerrar este capítulo mas como o tema é um tanto ou quanto pesado o senhor leitor mais apressado pode saltar para a CONCLUSÃO
Parece-me que a única quantificação da obra de PG foi dele próprio e feita em 1980 numa entrevista mencionada por Alexandre Pomar: "(pergunta) Ulli Beier: Quantos edifícios construíu em Lourenço Marques?"; "(resposta) Pancho Guedes: Não sei, ainda estou a organizar o meu arquivo. Parece que há trezentos ou quatrocentos edifícios em Moçambique. (...) mas ao todo desenhei mais de seiscentos, talvez setecentos edifícios.PG estimou então haver 300 a 400 edifícios seus construidos em Moçambique. Quanto aos 600 ou 700 desenhados, sendo PG pouco explícito se seriam em Moçambique ou no total não analiso esses números em detalhe pois tambeém será um indicador menos relevante embora o tenha em conta para avaliar "qualitativamente" o volume de trabalho de PG.
Como se pode ver no detalhe A em baixo sobre o que foi construído, os críticos de arte e/ou jornalistas tiveram tendência para pegar no número "400" dito por PG esquecendo-se que esse era o limite superior duma gama que começava nos "300". Foram também pouco precisos sobre se esses "400" eram para Lourenço Marques (LM), actual Maputo ou eram para Moçambique no total.
Quanto aos números que PG disse, após ter pesquisado com atenção a informação oficial de PG (no flickr e no site) e em principio ter identificado todos os projectos em Moçambique aí incluidos isto é com imagens e/ou desenhos e tendo encontrado mais alguns para os quais existe outra informação, nHoM chego agora a 112 projectos construidos principalmente no antigo distrito de LM, actual província de Maputo e incluindo alguns em na vizinha Gaza (que irei mostrando). Destes nem todos foram edifícios feitos de raíz e alguns são possibilidades dada a sua informação ser incompleta mas resolvi incluir. Em Moçambique, fora dos 112 para que fiz artigos (ver no Detalhe E) estimo que haverá mais uns 10 projectos construídos a que juntaria os projectos das agências do Banco Standard Totta (ST) e de que falei aqui e que segundo Magri e Tavares foram 48 projectos. Não foi dito quantos desses projectos ST foram construídos pois entretanto deu-se a revolução do 25 de Abril mas vou supor, em estimativa conservadora, que todos o foram. Como desses 48 pelo menos 1 foi a sede em LM (renovação) e já está incluído nos 112 então os meus números seriam 112 nos artigos publicados + 10 no resto do território + 47 do ST = 169 projectos de PG construídos em Moçambique.
O maior número de projectos de PG construídos em Moçambique entre as cinco fontes distintas que os apresentaram (ver Detalhe B) é de 130 e fazem parte da lista do Consulado. Neles estão incluídos e descritos, mais coisa menos coisa os 112 em LM e Gaza que publiquei no HoM para além doutros que não consegui encontrar mas de que os ilustres autores terão conhecimento. Embora a lista devesse ser para Maputo ela inclui cerca de dez pequenos projectos na Província de Gaza e dois na Beira. Não inclui agências do banco ST pelo que já com grande margem de segurança partindo da lista do Consulado para o total de Moçambique teríamos uns 184 (130 na lista + 7 extra fora de LM e Gaza + 47 do ST) projectos construídos em Moçambique. 
Como este número de 184 está acima dos meus "cálculos" de 169, de forma a guardar margem de erro passo a usá-lo pelo que para o limite mínimo de "300 edifícios construídos em Moçambique" alvitrados por PG faltariam 116 projectos. Na práctica poderiam faltar mais se atendermos a que vários destes 184 projectos não foram de edifícios (ver Detalhe F) e a termos assumido que todos os do ST foram construídos. 
Não vejo como/onde haverá 116 edifícios projectados por PG e que terão sido construídos essencialmente em Maputo para os quais não haja até agora nenhuma informação sobre os seus nomes e/ou os desenhos e/ou as localizações (ver Detalhe C). Colocando em perspectiva esses 116 "perdidos" seriam mais do que os 112 de PG que identifiquei com fotos e dado o arrojo e criatividade de PG muitos deles deveriam chamar a atenção na cidade e levar a perguntar se não seriam de PG. A meu ver pode haver alguns casos desses mas nunca em números tão elevados. 
CONCLUSÃO: Há uma enorme descrepância entre o que se pode registar como projectos de PG que tenham sido construídos em Moçambique (uns 184 já com folga) e os números que PG disse (entre 300 e 400) e que por isso me parecem exagerados. Justificações para tal haverá muitas mas ... 
No próximo artigo estudo a sensibilidade do total de 184 à inclusão de edífícios que estão num mapa que PG dava à suas visitas. Com essa nova hipótese de projectos de PG, embora o número total possa aumentar de 184 para cerca 222 ele continuaria ainda longe dos 300, quanto mais dos 400 do máximo da gama.
E como explico no Detalhe D, mais "achismo" do HoM é que teria sido humanamente / materialmente impossível PG ter construído por exemplo os tais 300 a 400 projectos só em Moçambique nos cerca de 25 anos em que aí exerceu. 
Podemos ver na montagem seguinte os maiores projectos de PG fora dos que registei em artigos e que foram específicamente para os distritos de LM e de Gaza, actuais províncias de Maputo e de Gaza. Não incluo aqui as agências para o banco Standard Totta que terão representado o maior número. A foto do Nauticus / Hotel Portugal em Nampula vem do artigo do HPIP.
Quatro projectos de PG em três localidades de Moçambique
 e que não tiveram artigos específicos no HoM
Como sabemos da lista do Consulado que houve a "casa para pastor em Magude" e duas casas na Beira que não incluí nos artigos publicados, nos meus cálculos estimei que tivesse havido dez projectos construídos no resto do território cobrindo esses sete (4 da foto mais três dessa lista) e deixando mais três como margem de segurança. Um grande projecto de PG fora de LM teria sido o do Palácio do Governador de Distrito em Vila Pery / Chimoio mas presumo que não foi construído.
Tema continua no artigo seguinte.


Detalhes
A. Imprensa e especialistas a partir da resposta de PG a Ulli Beier:
Sobre os números de trabalhos de PG encontro o seguinte:
a. artigo no Construir sobre a exposição do Consulado de Portugal em Maputo de 2010: fala primeiro em 120 projectos identificados (eu contei 130 mas 10 seriam for de LM e os 120 viriam daí) dos 400 desenhados o que é mais conservador do que PG disse mas ao fundo do texto replica o que PG disse referindo "deixando no país 300 a 400 edifícios, dos 700 que desenhou". Por isso réplica correcta do que PG disse, mas devia ter dito dos 600 a 700 que PG desenhou;
b. artigo sobre o mesmo tema no DN de Lisboa: escreve "700 edifícios por si desenhados, na capital moçambicana" enquanto que PG respondeu, pelo menos em relação aos construídos dizendo que eram "em Moçambique" e não em LM. O DN esqueceu-se também dos 600 como limite mínimo dos desenhados. Podiamos também analizar os "há" da resposta de PG em termos do que terá sido entretanto demolido mas quantitativamente a diferença (para menos) entre o que foi construído e o que existia em 1980 e atl existe agora ainda é insignificante; 
c. revista Sábado: põe em sub-titulo "deixou mais de 400 obras em Moçambique" e o "mais" seria acima dos 400 que foi o máximo que PG estimou. Cita o Arq. Pedro Ressano Garcia frisando ele que PG tinha 500 obras construídas, o que é manifestamente exagerado porque mesmo se 400 fosse o número correcto para as feitas em Moçambique nunca haveria 100 obras que terão sido feitas fora de Moçambique (no máximo seriam umas 12);
d. artigo no Ponto Final: fala de "400 edificados em Moçambique" o que é o limite máximo da gama dada por PG;
e. Magri e Tavares no livro "Pancho Guedes": dizem que "PG trabalhou até à exaustão na elaboração de mais de 600 projectos, 400 dos quais realizados". Esqueceram-se que 400 seria o limite máximo dos realizados e não clarificam aonde foram realizados esses 400 (em Moçambique ou fora também?)..
Estas indefinições levam-me a crer que estes autores não fizeram eles próprios a pesquisa dos trabalhos de PG e que se limitaram a ler "por alto" a entrevista a Ulli Beier e a exagerar os valores para lhes aumentar o impacto "noticioso". 


B.  Estudos sobre projectos construídos de PG
As pesquisas dos especialistas a ter em conta (outra que se poderá ligar ao mapa de edifícios em LM para as visitas é abordada no antigo seguinte depois) são:
1. Lista "completa" da exposição de 2010 do Consulado com cerca de 137 no total de que pelo menos 7 não foram construídos por isso 130 projectos realizados em Moçambique embora alguns sejam de remodelações, género bar do Polana. Incluiu cerca de 10 pequenos projectos para missões em Gaza e 2 na Beira. É dito aqui que o mapa que foi produzido tem 112 edifícios mas não o vi; 
2. Lista Guedesburgo, com a vantagem de os localizar num mapa, tem 85 projectos relevantes construídos em LM, actual Maputo
3. Lista do artefacts que tem 111 projectos realizados em Moçambique no total incluindo bastantes de modificações "menores" e tem mais um fora de Moçambique na África do Sul por isso total de 112 projectos construídos. Inclui-se 8 fora do distrito de LM mas são quase todos de Chicumbane, pequenos projectos para missão religiosa em Gaza.Os 111 sâo quase os mesmo que os 112 dos artigos publicados no HoM;
4. Lista do livro Arquitect Works, tem 50 projectos construídos em Moçambique e estrangeiro até 1975;
5. Lista de Magri e Tavares no livro "Pancho Guedes". Total de 89 projectos, em LM, no resto de Moçambique, em Portugal Continental e no estrangeiro incluindo os depois de 1975.
6. Wikipedia em alemão: 35 realizados até 1975 dos quais 5 sem ser em Moçambique e 4 sem ser no distrito de LM

C. Ter-se-á perdido informação sobre projectos de PG?
Nos números do Consulado que uso em cima estão incluidos todos os projectos que constam da sua lista. Muitos deles eu nâo os localizei na cidade e/ou encontrei foto e por isso os números do Consulado são maiores que os meus e são eles que tomo em conta na comparação final. A lista do Consulado mais ou menos integra projectos que estão nas outras listas que se conhecem, inclusivé das listas que se podem fazer a partir dos desenhos ou das fotos disponíveis, e é mais extensa que elas. Quero dizer a lista do Consulado sobrepõe-se às outras, não se dá o caso de pelo menos significativamente a lista do Consulado e as outras serem complementarese poder-se juntar mais projectos "importados" das outras listas, pelo menos em volume significativos.
É possível que PG não se tenha recordado, guardado ou divulgado fotos e/ou desenhos de todos os seus projectos que foram realizados o que dificultaria a sua identificação actualmente mas noto que não me parece ter havido perda significativa de informação sobre a obra de PG. Isso porque as listas de agora incluem os projectos que foram sendo destacados no passado pelas múltiplas fontes que foram seguindo a obra de PG à medida que ele se fez. Nas reportagens, estudos, etc feitos nessas altura na aparecem projectos que agora sejam desconhecidos, por isso será pouco provável só se tivessem perdido fotos e desenhos de projectos que quando foram construído fossem considerados "menores" pelos autores desse trabalhos e por isso não tivessem sido incluídos neles.. 

D. Exequibilidade dos 300-400 projectos em Moçambique
Vendo da perspectiva do que era "exequível", com por exemplo 222 projectos construídos em Moçambique (estimativa mais elevada contando já com o mapa das visitas) e juntando 10 no estrangeiro, se forem divididos por 30 anos significaria em média cerca de 7.5 proejctos construídos por ano. Dado PG ser minucioso, as suas obras serem difíceis de executar e necessitarem de muito acompanhamento, a maior parte delas terem durado mais de um ano, durante muito tempo ter sido ele o único arquitecto do gabinete e tendo em conta as suas inúmeras outras actividades profissionais, artísticas e sociais, atingir esses 7.5 projectos por ano já me parece teria sido tarefa árdua. Imagine-se o que seria adicionar a esse ritmo de trabalho mais 78 projectos e só para se chegar aos 300 em Moçambique, já nem falando de chegar-se aos 400. 
Temos ainda de tomar em conta que a somar ao desenho e acompanhamento dos projectos que foram construídos que PG teve ainda o trabalho de imaginar e desenhar mais uns 200 ou 300 projectos que não o foram. Para mais os seus projectos espalharam-se por locais e até países diversos, implicando deslocações que aumentavam o tempo dispendido para cada um.

E. Projectos construídos em Moçambique fora dos distritos de LM e de Gaza
Na lista do Consulado aparecem 2 casas na Beira, no artifacts aparece o Hotel Portugal em Nampula de 1960 e o Colégio de Nossa Senhora da Conceicão em Inhambane de 1967 mas pelo que vejo aqui ou foi reabilitação ou não foi construído.

F. Dúvidas que poderiam ter sido esclarecidas na entrevista de Ulli Beier a Pancho Guedes
No artigo de Alexandre Pomar em que é referida a entrevista é dito que PG não era muito forte em registos dos trabalhos e dado que Ulli Beier saberia disso se quisesse respostas efectivas ao que perguntava sobre números devia ter antecipado que PG teria dificuldade em dá-las. 
Mas se não se lembrou disso antes, porque é que Ulli Beier se satisfez com os números dados de cabeça e em gamas largas e não deu a oportunidade a PG de fazer fazer contas mais exactas e de completar essa informação depois da entrevista? 
Ulli Beier e Pancho Guedes referem "edifícios construídos". Por isso em princípio os projectos de ampliação, remodelação e decoração estariam excluídos dos números alvitrados por PG, mas será que foram mesmo?
Em 1980, ano em que aparentemente foi feita a entrevista tendo sido publicada muito depois, havia já projectos de Pancho Guedes construídos no estrangeiro e que depois aumentaram. Não eram muitos mas porque não foram falados / enumerados se a intenção era sublinhar a capacidade de trabalho de PG? 
Também podemos questionar porque Ulli Beier não tentou esmiuçar os números, por exemplo se nos edifícios construídos estava a contar com as ampliações, remodelações, construções provisórias e decoração mas ... 

G. Resposta a duas auto-perguntas
a. Porque é tenho de dar tanta importância a uma resposta de PG? 
Porque aparentemente não houve outra instância em que se falasse de totais da sua obra e porque todos os especialistas andam "à volta" do número 400 que vem daí; 
b. Porque "tenho eu de fazer" estas contas, estimativas e comparações para chegar a alguma conclusâo? 
Porque acho que ninguém as fez até agora, o que é muito estranho mas ... 

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