Comércio marítimo em LM e migração de trabalhadores dos séc. 19 a 20 - Dunn, zulus e Moçambique (1/6)

Mostro primeiro aqui uma foto que foi usada para capa deste livro em reedição recente e é aqui reproduzida de original da Universidade de KwaZulu-Natal e fazendo parte da sua Colecção Campbell. Aparece no site duas vezes e com as informações seguintes: 
a. "John Dunn and his indunas" como pertencendo a um album de Thomas Cassidy que era quadro dirigente da companhia do cabo submarino Eastern Telegraph em Moçambique e particularmente em Lourenço Marques (LM), actual Maputo. As fotos deste álbum são de entre c. de 1882 e 1888 e incluem tiradas em Moçambique e na África do Sul, talvez umas foram tiradas expressamente e outras foram compradas; 
b. "John Dunn with a group of headmencomo pertencendo a um album da primeira gerra anglo-boer (1880/81) com a data indicada de 1881.
Ficamos assim com ideia aproximada da altura da foto embora não exacta 

FOTO 1
John Dunn e indunas africanos (vestidos com boas roupas à ocidental)
Esta foto vem acompanhada doutra que deve ser da mesma ocasião e em que John Dunn aparece ao fundo à esquerda (daqui):

FOTO 2
Wagons and men in the vicinity of John Dunn's house

Os indunas eram senhores africanos considerados na sociedade tradicional de Moçambique e que usavam o artefacto no cabelo de que falámos aqui. Esse termo é usado em todo o sul de África e como a legenda da FOTO 2 diz que ela foi tirada junto à casa de Dunn que era na Zululândia provávelmente estes indunas eram zulus. 
O senhor de origem europeia à esquerda, John Dunn, era um anglo / sul-africano, que que foi uma personagem singular da segunda metade do século XIX na região como veremos de seguida e que nos leva a conhecer melhor a região, os seus personagens e as suas ligações. 


FOTO 1 pormenor
John Robert Dunn (1834 - 1895) na foto de cima

Na Internet encontra-se uma biografia de John R. Dunn na wikipedia e que se pode ver sumariza o texto de que se pode descarregar daqui e foi escrito por Sue Parrott. Resumindo muito ele nasceu na África do Sul e tendo ficado órfão jovem tornou-se familiar dos Zulus e depois envolveu-se nas lutas intestinas dessa tribo. Em 1857 os Zulus deram-lhe terras e como disse ele tornou-se comerciante, a carroça da direita parecia ter caixotes no interior, para além dum trabalhador. 
Na década de 1860 Dunn ia a Lourenço Marques (LM) comprar armas para os Zulus (era esse "o grande negócio" na cidade de que falei aqui e aqui pois os ingleses restingiam-no) em troca de gado e também organisou a deslocação de trabalhadores Tonga para a agricultura e fábricas de cana de açúcar no Natal. 
Dunn era íntimo do Rei Zulu Cetshwayo's mas entretanto houve a guerra Anglo-Zulu (1879) e Dunn tomou o lado dos ingleses. Estes venceram mas a médio prazo Dunn acabou por não tirar benefício disso porque Cetshwayo voltou a cair na graça dos Ingleses, pode regressar do exílio e não perdou a Dunn a traição. 
Aspecto normalmente destacado na vida de Dunn é que depois da primeira esposa (sul-africana mista de pai branco e mãe malaia) ele teve segundo as tradições locais mais 48 esposas Zulus (talvez umas 65 contando com outras). Parte desses matrimónios terão sido a forma dele criar alianças com os chefes locais que óbviamente dele também receberam um "lobolo" pelas filhas certamente maior que o habitual e que, passando Dunn a ser da família, esperariam contar com a sua influência se necessário.
A foto (colorida) seguinte de Dunn está no Geni onde aparece também o relato dum dos seus filhos sobre como as suas esposas africanas eram mantidas afastadas dos europeus e como os seus filhos mistos eram mantidos afastados dos Zulus, o que devia criar umas relações um tanto stressantes mas a grande família que foi criada parece ter sido unida.

FOTO 3
John Robert Dunn (1834 - 1895)
Podemos ver a sua pedra tumular de 1920 no cemitério de Emogeni em foto do site sul-africano find a grave e erigida pelos seus filhos:

FOTO 4
Em memória do nosso amado pai "Chefe" John R. Dunn
Dos casamentos de Dunn resultaram 117 filhos dos quais alguns descendentes ocupam ainda as terras agrícolas na África do Sul que tinham sido dele (Dunnsland) mas muitos partiram para o estrangeiro pouco depois da sua morte em 1895. A foto seguinte vem de artigo sobre a reunião da famíla realizada em 2012 na zona onde Dunn viveu.


FOTO 5
Descendentes de Dunn junto à campa do seu filho Dominic
que parece ter nascido em 1883 (John R. Dunn faleceu em 1895)
Quanto a datas e factos com mais detalhe, a mencionada guerra civil entre príncipes Zulus foi em 1856 e Dunn apoiou o príncipe vencido = assassinado mas depois tornou-se conselheiro do vencedor Cetshwayo. O poder político e económico de Dunn cresceu a partir daí.embora esse príncipe só se tenha tornado Rei em 1872. Como já dissemos em 1879 seguiu-se a guerra anglo-zulu (Dunn é ai referido) e o desfecho foi a derrota dos Zulus e o exílio de Cetshwayo. A seguir Dunn tornou-se administrador duma parte do reino Zulu que como se pode ver a seguir era a maior.

MAPA de 1879
Azul: Durban, porto na Colónia do Matal
Roxo: território da Zululândia que John Dunn administrou entre 1879 e 1883
Preto: Lourenço Marques, porto em Moçambique
Vermelho: terra dos Amatongas onde em 1891 foi definida a fronteira da
"Ponta do Ouro" entre Portugal / Moçambique e a Inglaterra / África do Sul
Como se vê os ingleses colocaram John Dunn a administrar a parte da Zululândia logo a norte do Natal para lhes servir de tampão a problemas potenciais mas em 1883 autorizaram Cetshwayo a regressar ao trono e Dunn perdeu esse lugar. 
Se soubessemos o ano exacto das FOTOS 1 e 2 podiam saber qual a situação de Dunn nessa altura, se fosse do período desde o fim da guerra anglo-zulu de 1879 até 1883 em que Dunn foi o "White Chief of Zululand" ou se fosse dos anos seguintes em que ele se retirou da política e administração e voltou a ser comerciante e recrutador de trabalhadores para o Natal. Como Dunn nasceu em 1834 se as fotos forem de 1881 ele teria uns 47 anos de idade  o que parece compatível com o aspecto que ele aí mostra.  
Como simples "Curioso" tudo isto me parece muito interessante mas no momento em que escrevo se for ao google escrever "john dunn" e "moçambique" soletrado em português de relevante encontro em estudos académicos zero / bola / nickles. Para mais neste tema até abundam os "movimentos sociais" que costumam ser da predilecção dos Historiadores profissionais lusófonos.
Artigos no HoM sobre migração de trabalhadores nesta série.

Mais fontes onde se fala de Dunn:
Cartas de Dunn referidas aqui
Ballard, Charles é o autor do livro "John Dunn: White Chief of the Zulu" de 1985. 
Um livro contemporâneo dele está na Amazon "John Dunn, Cetywayo and the Three Generals" foi publicado em 1886.
A FOTO 1 aparece aqui num artigo sobre Dunn mas em que parece "perdido" no meio de indios na América.
Estudo académico a descarregar aquiRacialised Masculinity and the Limits of Settlement: John Dunn and Natal, 1879-1883.

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