Rainha da Maxaquene, nomes e histórias antigas do seu clã

Continuamos com fotos da Universidade do KwaZulu-Natal Campbell Collections e a que aqui veremos mostra a Rainha da Maxaquene, pessoa de que como veremos há algumas referências no passado de Lourenço Marques (LM), actual Maputo mas de que eu não conhecia foto.

FOTO 1
Legenda original: The Queen of Machaquene and her indunas. L. Marques
A foto foi tirada pelo pessoal da companhia Eastern Telegraph que seria vizinho desta população local. O ano que lhe é atribuído no site é 1887, o que é possível mas não tenho a certeza pois há outras fotos no mesmo conjunto que serão de cerca de 1880/82 e outras talvez anteriores.
Os textos onde a Raínha da Maxaquene aparece referida dão alguns dados mas esta foto permite visualizar os costumes e nível de desenvolvimento sócio-económico desse clã com autoridade tradicional para além de evidentemente permitir saber-se (em teoria) quem eram individualmente. Noto que estas fotos exigiam algum tempo de exposição fixa e daí algumas das pessoas aparecerem com aspecto distorcido.
Procurando saber quem era a Raínha da Maxaquene e em que linhagem ela se inseria, segundo a muito interessante dissertação de mestrado de Gabriela Aparecida dos Santos o régulo Maxaquene cerca de 1860 era a autoridade principal nas terras de Ka-Mpfumo e vassalo do rei de Portugal (o boletim do AHM n.2 diz no entanto que  Maxaquene ter-se-ia tornado "independente".de Mpfumo durante o reinado de Hamule, no inicio do último quartel do século XIX, por isso só de 1875 em diante). No início dessa década de 60 Maxaquene foi um dos chefes que apoiaram Muzila, com o governo português e os boers, de modo a destronar o problemático Mawewe do trono vátua / nguni de Gaza. As batalhas principais de Muzila contra Mawewe ocorreram em 1861 e 1862 mas continuaram até 1864, ano em que ele se tornou lider do reino de Gaza até falecer em 1884 e ser sucedido pelo seus descendente Gungunhana (Ngungunyane).
Por isso no início dos anos de 1860 o régulo Maxaquene tomou o lado vencedor no que respeita à disputas inter-africanos e estava em linha com o lado português. Todavia em 1866 esse contexto positivo para ele desfez-se como relatou a pioneira de origem europeia em LM Emily (ou Emilie) Fernandes da Piedade e que Alfredo Pereira de Lima (APL) retransmitiu no livro Edifícios Históricos na página 95Em 1866 Emily foi viver para a primeira e durante muito tempo única casa de europeus fora da Baixa de LM e construída perto donde agora está o edifício do antigo Corpo da Polícia e essa casa ficava junto à aldeia do régulo Maxaquene, por isso na encosta na parte alta do burgo. No final de 1866 os swazis atacaram as povoações dos Matolas quando os seus homens estavam na caça e Emily pode da sua casa ver fumo na Matola e as mulheres e crianças dos Matolas fugindo para se protegerem em LM. Quando os Matolas (homens) regressaram da caça foram atacar, no início de 1867, a aldeia do régulo Maxaquene passando até pela propriedade de Emily. Perante o ataque dos Matolas o régulo refugiou-se em LM mas acabou por ser preso e deportado pelas autoridades portuguesas para a Ilha de Moçambique pois foi considerado responsável (nessa parte do livro APL diz "provou-se ter sido") por instigar os swazis a inicialmente atacar os Matolas. No entanto noutra parte do livro (c. página 123) APL lança a hipótese de que Maxaquene podia estar inocente e de ter sido vítima duma conjura dos seus inimigos (quem?) para perder o favor que tinha diante dos portugueses. De qualquer modo em 1867 o régulo Maxaquene saiu de cena mas ainda estamos longe do tempo da Rainha da Maxaquene aparecer na FOTO 1 fotografada nos anos de 1880 e veremos em baixo o que se terá passado nesse intervalo.
O mesmo APL na página 123 do seu livro e a propósito da Igreja Anglicana escreve (parece que baseado na maior fonte escrita de tempos antigos na cidade, Eduardo de Noronha) que ela foi erguida em terreno anteriormente pertencente ao régulo da Maxaquene. Diz APL que a aldeia (kraal em africânder) do Maxaquene ocupava a área que vai dessa Igreja à actual Av. Mondlane e que na esquina das Av. 24 de Julho e Allende (sitio do Mimmo's, antiga Pastelaria Princesa) estava um canho onde a Rainha costumava reunir as suas "banjas" ou seja fazer as reuniões. Mas diz também APL que aí não seria o local tradicional pois segundo o jornalista João Albasini (que era familar da Rainha como APL diz e confirmaremos mais abaixo) essas "banjas" seriam feitas à sombra duma figueira brava que existia no local onde veio a estar uma casa dum certo Marciano Nicanor da Silva e que ficava na actual Av. Mondlane. Mesmo com essa dúvida temos daí uma definição genérica de por onde era a aldeia dos Maxaquene. Podemos também anotar que na FOTO 1 não aparece nem grande canho nem figueira em primeiro plano pelo que não seria por aí o lugar das banjas e de facto o mais normal seria a Rainha estar na FOTO 1 em frente à sua casa. 


FOTO 2
Verde: igreja anglicana, em terreno de Maxaquene
Vermelho: casa de Emiliy ficava junto à aldeia do régulo Maxaquene
Círculo roxo: um dos ditos locais das banjas dos Maxaquene
Mancha roxa: zona doutro dos ditos locais das banjas dos Maxaquene
Mancha branca: genéricamente seria por aí a aldeia dos Maxaquene
Verde claro: Av. Mondlane, antiga Pinheiro Chagas
Laranja claro: Av. 24 de Julho
Azul claro: Av. Cabral, antiga Pero de Alenquer
Rosa: Rua Issa, antiga Fernandes da Piedade, nome do marido de Emily
Cinzento: Av. Min, antiga Andrade Corvo
Quanto ao local, visualizamos assim na cidade actual onde o clã Maxaquene habitava e por isso onde a FOTO 1 terá sido tirada tendo esse bairro continuado a ser conhecido pelo nome do clã.
Quanto à dinastia, como dissemos o régulo Maxaquene foi deportado em 1867 e ainda segundo APL na página 123 do seu livro foi Sotêve o seu sucessor. Entre o fim de 1881 e início de 1882 Sotêve terá falecido e o sucessor foi o jovem Mahomana, que renovou a vassalagem a Portugal em Janeiro de 1882 mas morreu pouco depois em Junho de 1882. A Mahomana sucedeu em Agosto de 1882 a sua jovem irmã Gelêba que e ainda segundo APL, ficou conhecida como "Raínha da Maxaquene" tendo morrido com idade avançada.
Como em 1881/82 Mahomana era jovem esteve sob tutela da sua mãe Maxembe. Mas morreram os dois de doença mais ou menos na mesma altura e por isso foi a avó de Gelêba chamada Mapolêne (teria sido mulher do régulo Maxaquene que tinha sido deportado?) que ficou como sua regente e presumo até Gelêba se ter tornado adulta.
Conclusão daqui é que na FOTO 1, partindo do princípio de que como diz a legenda está lá a Rainha e que ela foi tirada em 1887 (por isso com grande margem para ter sido depois de Agosto de 1882), estarão Gelêba e a avô Mapolêne. Tentar identificar as duas não me parece fácil apesar de em princípio Gelêba dever ser uns 40 anos mais nova que a avó, mas pelo menos tento com a legenda. Suspeito que especialistas de costumes bantus / rongas (tsongas) conseguiriam ver na foto elementos que permitiriam confirmar ou não o que presumo, por exemplo nos penteados e colares usados pelas duas, mas ... 


FOTO 3 - pormenor da FOTO 1
Se a foto for de 1887, à esquerda podia ser a Raínha Gelêba que estaria já adulta
e à direita a sua avô Mapolêne que tinha sido a regente no início do seu reinado em 1882
Na FOTO 1 segundo a legenda estão os indunas, os secretários principais da Raínha. Presumo que o senhor que aparece na FOTO 1 à direita e coloquei à esquerda na montagem em baixo fosse mais preponderante que os outros, talvez da linhagem real mas não sei.


FOTO 4 - pormenor da FOTO 1
Indunas da rainha da Maxaquene na tribo Ronga / Tsonga 
Não dá para se ver muito bem se o artefacto que usavam na cabeça era o mesmo que o dos vátuas mais considerados (os vângáunes), um objecto mais ou menos fixo ao cabelo em forma de rolo e um pouco curvo feito de cera e resina e que era polido pelas esposas, segundo o que Freire de Andrade relatou em 1890.
Nos textos que vimos em cima não é bem explicado porque se chamava Rainha à senhora dado que ao régulo não se chamava Rei. Foi provávelmente um título honorífico pois no fim de contas o regulado da Maxaquene seria igual a muitos outros ignorados que haveria por Moçambique fora e só se tornou mais conhecido porque estava junto à costa onde por acaso os portugueses resolveram instalar-se e onde por circunstâncias várias acabou por nascer uma cidade. Os Maxaquene beneficiaram assim de estar numa posição estratégica entre as forças muitas vezes antagónicas da cidade e do mato podendo servir de balança entre elas. E como eram os mais próximos puderam receber as influências positivas que a cidade colonial possa ter trazido para a zona. 
Mas se foi o acaso que fez o regulado (ou chefatura) da Maxaquene ter sido vizinho dos portugueses e de muito por isso ter ficado na História, foi esse acaso também o que o fez desaparecer não resistindo à pressão expansionista da cidade. Segundo José Capela diz na página 14/15 do livro "Movimento Operário", cerca de 1891 a rainha da Maxaquene - provávelmente seria ainda a da FOTO 1 e que seria Gelêba - e a população africana da sua zona foram desalojados pelas autoridades portuguesas das suas terras para permitir a urbanização da cidade que necessitava de crescer da Baixa inicial para a encosta próxima. Essa população africana foi primeiro para as cercanias da nova cidade mas depois foi transferida para mais longe enquanto que as suas terras de origem eram concedidas a alguns portugueses e/ou estrangeiros com influência. Estes foram-nas depois urbanizando e comercializando (ver parte da zona da Maxaquene a começar a ser construída em meados dos anos 40) e esse negócio, como se pode imaginar, foi extremamente lucrativo para quem beneficiou dessas concessões.
Ver mais sobre Emily Fernandes da Piedade / Lee a partir do artigo seguinte.
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Sobre a família / linhagem dos Maxaquene encontro também referências na wikipedia sobre José Francisco Albasini (o Bandana), um mestiço que era neto (ou bisneto ?) de português. Citando esse artigo, a mãe de José Francisco (JF) era Kocuene Mpfumo, cujo nome português era Joaquina Correia de Oliveira (JCO), e era neta do régulo do clã Mpfumo (na Maxaquene, zona alta da que viria a ser a cidade de Lourenço Marques) e sobrinha da rainha Sibe, de etnia ronga ou tsonga, tendo assim um elevado estatuto social, além de propriedades. O nome da mãe (JCO) aparece às vezes como Kocuene Mpfumo ou Kássine. 
Tentando ligar isto ao que APL disse no livro, noto que aqui a rainha chamava-se Sibe e não Gelêbe. Podemos também daqui ver que João dos Santos Albasini (JdS) que era irmão (parece que o mais velho) de JF nasceu em 1876. Então JCO, a mãe dos irmãos JF e JdS, se quando este nasceu em 1876 tivesse uns 20 anos de idade teria nascido cerca de 1856. Se JCO era sobrinha da rainha Sibe e se esta fosse mais ou menos da idade da mãe de JCO (esta seria nascida cerca de 1856) então Sibe teria nascido digamos em 1836 pelo que nada teria a ver com a rainha da Maxaquene da foto. Sibe teria então sido uma antepessada do régulo Maxaquene em exercício no início dos anos 60.
Ainda na wikipedia está que segundo Karel Pott (um mestiço que da parte materna pertencia as estas famílias tradicionais africanas pelo que as conhecia bem e que como era advogado devia ser exacto no que escrevia) JdS (e por isso JF devia ser também) era “neto da bondosa rainha da Machaquene” por parte da mãe. Por isso do que KP diz, eu deduziria que JCO (a mãe de JdS e JF) seria filha da raínha, e não - como se diz na secção de cima - sobrinha. Mas isso não altera muito a minha conclusão anterior de a repeito das origens africanas dos Albasini se falar duma Raínha da Maxaquene que foi muito anterior à da FOTO 1. Terá quem escreveu estes textos tido percepção de que se estaria a falar de duas Rainhas da Maxaquene afastadas de digamos uns 40 anos? Houve mesmo?

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