Internamento de cidadãos alemães na primeira Grande Guerra - barracões (3/4)

Apareceu recentemente à venda no site delcampe.net um postal alusivo ao internamento de prisioneiros alemães em Lourenço Marques (LM) durante a primeira grande guerra. Como vimos já nos artigos anteriores esse campo foi instalado no quarteirão onde está agora principalmente a sede do Clube Ferroviário e uns armazéns e parte das instalações da antiga fábrica de Cerveja Reunidas (quarteirão aqui).

IMAGEM 1
Desenho com "lembrança do acampamento de 
470 prisioneiros de guerra alemães em LM"
Primeira nota é que muitos dos internados não eram prisioneiros de guerra mas sim marinheiros civis de navios mercantes que tinham sido apresados e simples civis alemães que residiam em Moçambique e sido internados à força.
Do lado esquerdo do postal está escrito, com algumas dúvidas relativamente aos números: 
Área total do acampamento: 26 200 m2 (?). Este número excede em muito a área do quarteirão completo que será de cerca de 17 000 m2 pelo que poderia incluir área no quarteirão mais a norte onde está agora o antigo campo de futebol do Ferroviário mas que não está incluido na imagem. 
Barracões 1 e 2: 1 020 m2 (?) cada; Barracão 3: 640 m2; Refeitório Festas: 1 020 m2 (?); Dependências: 780 m2, tratar-se-ia das construções mais pequenas na parte inferior da imagem.
Para perceber esta imagem a partir das fotos que temos desse campo, tomo como primeira referência a linha de combóio "preta" que corresponderia ao ramal da Av. Álvares Cabral, actual Manganhela e que marco com a cor "púrpura". Desse modo podemos logo colocar pontos cardeais na imagem.

MONTAGEM 
Preto: ramal de linha de combóio que na foto de baixo parecia ter sido cortado
Púrpura: Av. Álvares Cabral, actual Manganhela, a norte do quarteirão do campo
Laranja claro: a sul desse quarteirão, a Av. da Repúbica, actual 25 de Setembro
Azuis: três barracões maiores, correspondendo-se mútuamente nas duas imagens
Rosa: limite inicial do campo na IMAGEM 1, presumo que foi depois 
por aí colocado o barracão "verde escuro" da FOTO de 1918
Verde escuro: barracão a oeste dos três maiores, só aparece na FOTO de 1918 
mas desenhei a marca da sua linha central ao comprimento na IMAGEM 1
Verde claro: barracão a leste dos três azuis e que só se via na IMAGEM 1
Branco: telhado da fábrica de gelo Vitória, depois Cerveja Reunidas
Carmesim: cúpula da fachada da estação de caminhos de ferro
Laranja normal: topo a leste do grande hangar das antigas oficinas dos CFLM
Castanho claro: onde veio ser construído o passeio 
do lado leste da Av. Luthuli, antiga Luciano Cordeiro (aparece agora aqui ao centro)
Como disse, na IMAGEM 1 original não estava representado o barracão "verde escuro" que aparece na FOTO de 1918 e suponho por isso que essa imagem lhe seja anterior. Como vimos nesta foto em artigo anterior, nos anos 30 esse barracão tinha desaparecido para dar lugar à sede e campo de treinos de basket do Clube Ferroviário sendo por isso o que teve vida mais curta dos quatro pavilhões que se vêm na FOTO de 1918. 
Precisamente a partir desse campo de treinos, que em parte foi ocupar o lado mais a norte do espaço do armazém "verde escuro" depois da sua demolição, podemos ver a seguir o barracão "azul" mais à esquerda = oeste das imagens de cima. Esta é uma foto do início dos anos 70 com jovens basquetebolistas do Ferroviário e tal como a FOTO de 1918 de cima e a FOTO 2 também de c. 1918 em baixo vêm do site delagoabayworld, sendo as duas mais antigas originárias do Ministério de Negócios Estrangeiros de Portugal:


FOTO 1
Azul, em cima: indicando a cumeeira do barracão "azul" mais a poente = oeste
Verde escuro: aprox. na direcção da 
linha central do barracão com essa cor 
da FOTO de 1918 e que tinha ocupado esse espaço
Já no artigo anterior tinhamos visto uma foto semelhante à de cima mas em que aparecia um dos respiros no topo do telhado desse barracão. Nesta foto vê-se só parte do telhado do lado mais a norte, junto à Av. Álvares Cabral, actual Manganhela, a marcada a "carmesim" na MONTAGEM.
Quanto ao barracão "verde claro" na IMAGEM 1, ele existia na foto aérea dos anos 30 mostrada no artigo anterior e por isso a razão para não aparecer na FOTO de 1918 deveria ser por ficar para a esquerda = leste do seu limite. Observa-se na MONTAGEM que esses barracões "verde claro" e "verde escuro" tinham muito respiros cilíndricos a sair do telhado, o que lhes dava aspecto distinto dos outros três com os respiros longos na cumeeira do telhado e que pareciam também ser mais largos.
A seguir foto do interior dum dos barracões do campo que seria de um dos dormitórios, como disse algures do arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal via blog delagoabayworld.

FOTO 2
Castanho escuros: esta parte interior de telhado com os orifícios para os respiros, 
corresponderia aos dos barracões "verde claro" e "verde escuro" na MONTAGEM
Comparando com a FOTO de 1918, à primeira vista pareceu-me que a FOTO 2 seria do barracão "verde escuro" pois tinha janelas ao fundo e de lado, todas à mesma altura. No entanto pelo menos para o topo que se vê na FOTO de 1918 esse barracão teria quatro janelas ao fundo e não três como aparece na FOTO 2 e na IMAGEM 1 onde se vê o topo oposto parecia ser o mesmo. Mas, como nada nesta "arqueologia fotográfica" feita cem anos depois dos factos é simples, olhando para a FOTO de 1918 nota-se que a quarta janela (à direita = para oeste) pode corresponder a um compartimento do barracão na sua esquina e que estaria separado = do lado poente da secçâo rectangular do dormitório, o que poderia explicar as três janelas na FOTO 2.
Podemos reparar também que na FOTO 2 o barracão não tinha chapas transparentes no telhado (não precisava delas pois luz suficiente entraria pelas grandes janelas nas paredes) o que o distingue dos pavilhões "azuis" e por isso reforça a possibilidade de ser um dos "verdes". Tal é ainda mais reforçado por nesta foto aparecer um refeitório do campo que se conclui seria num dos três barracões "azuis" (pois tinha as placas transparentes e as entradas de ar e luz correspondentes aos respiros longos na cumeeira do telhado) o que possibilita também imaginar que os "verdes" no interior seriam muito diferentes, como se verificaria com esta FOTO 2.
No próximo artigo falaremos da correspondência enviada pelos internados neste campo para o seu país, a Alemanha.

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