Comércio marítimo em LM e migração de trabalhadores dos séc. 19 a 20 - Dunn e Gaza (4/6)

Esta é uma das fotos da Colecção Campbell e que será presumívelmente de J. Haig Smellie e do ano de 1896. Nela aparecem veleiros fundeados no estuário junto a Lourenço Marques (LM), actual Maputo e serve para ilustrar o tema de que falaremos mais neste artigo e na sequência do anterior relativo à deslocação de trabalhadores moçambicanos para trabalhar na então colónia inglesa do Natal na África do Sul.


FOTO 1
Embarcações à vela no estuário do Espírito Santo (sailing ship in Delagoa Bay)

Em artigo anterior falámos do inglês com ligações aos zulu John Dunn dizendo que tinha feito comércio com LM. O já aqui referido estudo "Work, Culture and Identity - Migrant Labours in Mozambique and South Africa, c. 1860-1910" de Patrick Harries, que se pode descarregar daqui e que trata da migração de trabalhadores na África Austral fala muito de Dunn dando o contexto exacto de parte das suas actividades e do que elas significavam. 


FOTO 2
John Robert Dunn (1834 - 1895) na wikipedia 

O estudo fala das relações de Dunn com os zulus e com as autoridades inglesas e portuguesas e da forma como organisou o recrutamento de  trabalhadores de Moçambique para o Natal. De facto a foto que vimos de "Dunn e os indunas", fossem os indunas moçambicanos ou zulus, poderá estar relacionada com o que Harries descreve ser o acompanhamento de grupos pelos seus responsáveis tradicionais de forma a assegurar que o contracto com o recrutador fosse cumprido e que as somas combinadas fossem pagas ao chefe do clã ou da tribo. 

Página 49 de pdf de Patrick Harries
Em 1878 os indunas de Umzila (ou Muzila, o pai de Gungunhana / Gungunynane)
esperavam os trabalhadores 
no regresso a LM para lhes cobrar a taxa do rei

Como se pode ver nas páginas 46 e 47 do pdf de Patrick Harries esse assunto da mão de obra para o Natal era tratado directamente entre o governo Inglês dessa colónia e Umzila (Muzila) pelo menos desde 1868: "The Natal government initially looked to Gazaland for a solution to the labour shortage. In August 1870 Pietermaritzburg again received a mission from the Gaza king, who hoped to persuade the British to bring pressure on the Swazi to halt their raids into the southern marches of his empire. Umzila stressed that the expansion of the Swazi into the area behind Delagoa Bay had blocked the southward emigration of Gaza workers and that, if the British would allow a friendly chief to settle on the coast, he would encourage his subjects to seek work in Natal. In sharp contrast to the apathy with which they had received a similar request two years previously, government officials then believed the importation of "the Amatonga or non-combatant tribes of Gaza" to be of benefit to the colony and sent an expedition to the Gaza capital under the command of St. Vincent Erskine, the explorer son of the colonial secretary. The expedition proved a failure but provided an insight into the possible mechanisms of recruitment in Gazaland. Erskine emphasized that Amatongas refused to tramp south without the king's blessing for fear that their villages would be pillaged and that, on their return, they would lose their wages and perhaps their lives.' Nevertheless, in the early 1870s, when the Zulu reasserted their control over the territory south of Lourenço Marques, and the Swazi relinquished their ambitions in the Delagoa Bay region, a trickle of Gaza labour began to cross the Limpopo and enter Natal along the coastal route."
Estas ofertas directas do rei de Gaza Umzila (Muzila) ao governo inglês do Natal em Pietmaritzburg de mão de obra dos seus súbditos evidenciam que o domínio português no sul de Moçambique pelo menos até 1878 era quase só nominal. Fica-se daí bem com a ideia que os ingleses só em 1891, ao ser assinado um novo tratado de delimitação de fronteiras, reconheceram a soberania de Portugal por exemplo sobre Gaza e isso a troco de grandes concessões territoriais e de acesso para o centro e norte do território de Moçambique que obtiveram de Portugal. Quando se reflecte que Gungunhana / Gungunynane na escalada que levou aos combates de 1895 e à sua derrota não avaliou correctamente a recente alteração de forças na região é a isso que se refere, que a Inglaterra preferiu nessa fase "abandonar" Gungunhana e que tinha usado como "peão" contra Portugal de modo a reforçar os seus interesses a norte.
Esse estudo de Patrick Harries não me parece moralista nem doutrinário e tem factos importantes e para mim surpreendentes. Como já seria de esperar nestas histórias não há "Madres Teresas de Calcutá" pois parece-me que todos os envolvidos (chefes tribais africanos, autoridades oficiais, intermediários principais e secundários, donos das plantações e os empregados destes todos) estavam interessados no mesmo que era controlar o máximo de elementos no sistema de recrutamento para maximizar o seu lucro, mas não esticando demasiadamente a corda para não matar a "galinha dos ovos de ouro". Lógicamente que quem sofria mais era quem estava mais em baixo na escala social e que por isso se tinha de sujeitar a sair da sua terra para trabalhar longe e no duro, mas mesmo esses tinham de tirar alguma vantagem senão em caso de força maior fugiam para o mato. 
O tema, tratado nestes artigos do HoM de forma parcial e relativamente ligeira, continua no próximo artigo. Mais artigos no HoM sobre migração de trabalhadores nesta série.

NB: Podemos localizar a FOTO 1 através dum edifício que se via ao fundo. Tratava-se do matadouro antigo que agora ficaria na direcção do fim da Av. 25 de Setembro e para o interior donde passam as linhas de combóio (por aqui ao centro da imagem) e por isso via-se para o fundo a barreira do Alto-Maé / Malanga depois da zona plana que tinha sido pântano e estava em processo de ser aterrada.
Veleiro ancorado em frente à Baixa ficando a costa do Infulene para o fundo
e a costa da (k)Catembe para a esquerda

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