Posto de desinfecção no porto de Lourenço Marques dos anos 30

FOTO 1
Posto de desinfecção no porto de Lourenço Marques (LM) em 1936 
e que parecia ser edifício recente
Pelos piores motivos o que parecia um assunto do passado volta a estar bem presente. Temos visto nos últimos dias casos de navios de cruzeiros onde foram identificados passageiros com coronavirus e que por isso têm sido sujeitos a procedimento especial no mar e nos portos. Forçar o navio a ficar isolado no mar para evitar o contágio em terra poderia significar a morte da maioria dos seus tripulantes e passageiros, deixar o navio vir para terra e depois deixar os passageiros sair ou não pode ser uma nova fonte de propagação da doença. Parece que as opiniões dividem-se mas este artigo recente na "Time" diz que o conceito de os navios e seus passageiros ficarem de quarentena está ultrapassado, uma ideia que era já referida em 1911. 
Como o site delagoabay explicou neste artigo a pandemia da "gripe espanhola" causou largas dezenas millhões de mortos em todo o mundo entre 1918 e 1920 e foi particularmente letal na África do Sul e consequentemente em Moçambique dadas as profundas ligações económicas e sociais entre os dois territórios. Diz o artigo que o virus terá sido trazido para o sul de África por pessoas viajando por mar e assim espalhou-se a partir dos portos para o resto principalmente através dos transportes ferroviários. 
Focando-nos por isso nos navios e porto, do site diccionary vemos a definição de bandeira de quarentena a ser hastada nos navios: "a yellow flag, designating the letter Q in the International Code of Signals: flown by itself to signify that a ship has no disease on board and requests a pratique, or flown with another flag to signify that there is disease on board ship."
Na wikipedia explica-se melhor o que é a "pratique" e o resto: "The plain yellow flag.... in modern times indicates ... a ship that declares itself free of quarantinable disease, and requests boarding and inspection by Port State Control to allow the grant of "free pratique".  The Yellow Jack is flown in harbor when "ship is under quarantine"."
Podemos ver esses dois sinais náuticos aqui:
Bandeiras Amarela (Quebec) e Xadrez (Lima)
Então a bandeira amarela históricamente indicava febre amarela (caso de Filadélfia aqui em 1793) ou mais genéricamente uma doença contagiosa declarada num navio mas agora indica o contrário, que a doença foi ultrapassada. Quando há doença é içada a bandeira xadrez, o que permanece actual como se pode ver em foto deste artigo sobre o paquete de cruzeiros Diamond Princess que acabou por atracar no Japão no final de Fevereiro de 2020:


FOTO 2
Bandeira xadrez amarela e preta içada no Diamond Princess em 2020
no Japão durante a pandemia do Coronavirus
Antes do incremento da aviação comercial de longa distância a partir do fim da grande guerra em 1945, a via "marítima" de transmissão de epidemias seria a grande preocupação. Como Moçambique tinha sido fortemente afectado pela pandemia de 1918 / 1920 presumo que se tivesse especial atenção no porto a essa eventualidades e daí a instalação da FOTO 1 e o destaque que lhe foi dado em 1936 na revista Moçambique Documentário Trimestral (MDT). Diz-se aí num artigo publicado pelo Eng. Pinto Teixeira, director do Porto e CFM,  que posto de desinfecção do porto era necessário em caso de se declarar uma epidemia (inesperada) a bordo mas que havia um procedimento especial para os navios provenientes da Ásia onde a peste e a cólera eram endémicas pelo que todos os navios dessa procedência tinham de ser tratados especialmente. 
Para que a epidemia não se propagasse para a cidade eram precisas instalações e equipamento especializados para tratar roupas, objectos e pessoas, equipamento móvel para ir aos navios e também desinfectar vagões e carruagens dos caminhos de ferro se fosse necessário. Eis um extrato desse artigo: 
Artigo / relatório do Eng. Pinto Teixeira de 1936

Podemos localizar o posto da FOTO 1 nas instalações portuárias de LM, actual Maputo em duas fotos de épocas diferentes. A zona era a que vimos por exemplo neste artigo e que agora fica por baixo do tabuleiro da ponte para a (k)Catembe ou seja na direcção do fim da Av. 25 de Setembro e presumo que o edifício tenha sido demolido nos preparativos da sua construção.


FOTO 2 de 1937 de Mary Meader 
Vermelho: posto de desinfecção de LM
Laranja: carvoeira Provay
Círculo verde: carvoeira Mac Miller
Roxo e azul: frigorífico do peixe 

Da FOTO 2 vê-se que a fachada da FOTO 1 com um volume saliente central era a virada para a ponte-cais e para o estuário, para sul.
Agora esse posto visto de poente para nascente talvez nos anos 60 e em que a Baixa da cidade estaria para a parte superior e à esquerda da imagem:

FOTO 3 
Vermelho: posto de desinfecção
Círculo verde: carvoeira Mac Miller
Roxo e azul: frigorífico do peixe 
Segundo o Eng. Pinto Teixeira em 1936, para o sistema sanitário do porto ficar completo faltava montar-se um lazareto ou lazaretto, um edifício próprio para quarentenas penso que destinado a receber pessoas já afectadas ou que podiam ser transmissoras da doença,  que estava previsto para a margem da Catembe a fim de garantir melhor isolamento. Não sei se chegou a existir pois falámos já dum lazaretto num subúrbio a noroeste da cidade (Lhanguenemas suponho que esse era para doentes leprosos. 
Presumo eu que à medida que o impacto da epidemia de 1918 - 20 em Moçambique se foi tornando mais distante, que a medicina e farmacologia foram avançando, que a maioria do tráfego de passageiros foi passando para o meio aéreo e que o número de viajantes internacionais explodiu, que o posto de desinfecção no porto tenha deixado de ser considerado crítico pelas autoridades e até que as normas internacionais que o enquadraram inicialmente tivessem sido relaxadas. De facto nos vários casos que têm sido relatados em 2020 parece-me que os procedimentos seguidos relativamente aos navios e aos passageiros têm sido decididos caso a caso em cada país e que não há actualmente instalações específicas hospitalares ou de quarentena nos portos, mas pode haver algo que me escape.
De qualquer modo na planta do porto de LM de 1965 o posto de desinfecção da FOTO 1 era ainda referido como tal:


PLANTA de 1965 no livro dos CFM (clique para aumentar)
Vermelho: posto de desinfecção c. de 1965
Laranja carregado: carvoeira Provay
Círculo verde: carvoeira Mac Miller
Roxo e azul: frigorífico do peixe 
Olhando para estas imagens pode observar-se que o posto de desinfecção tinha sido colocado numa zona um tanto isolada da ponte-cais porque dos lados (a oeste e leste) tinha as duas instalações carvoeiras e por trás (para norte) tinha parques de vagões e que só posteriormente (ao tempo da FOTO 3) apareceu aí o frigorífico do peixe. Suponho então que os navios que estivessem de quarentena acostariam frente ao posto.

A publicação Moçambique Documentário Trimestral que foi digitalizada e incorporada na Biblioteca Digital da Memória de África através de protocolo para a cedência de conteúdos assinado entre a Caixa Geral de Depósitos e a Fundação Portugal-África. 

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