Alfândega, WNLA e magaíças na fronteira de Ressano Garcia

Primeiro uma foto publicada por Santos Rufino em 1929 da Delegação Aduaneira de Ressano Garcia:

FOTO 1
Alfândega em Ressano Garcia em frente às linhas de caminho de ferro

Conhecemos a posição do edifício em relação ao espaço circundante a partir da foto panorâmica seguinte e que mostrámos em parte neste artigo. Ressano Garcia fica na margem esquerda do rio Incomati e Komatipoort, a estação na fronteira sul-africana, ficava-lhe para a direita.

FOTO 2
Vermelho: estação de caminho de ferro na margem sul = direita do rio
Laranja. alfândega da FOTO 1
Seta preta: linha na direcção de Lourenço Marques (LM), actual Maputo
Seta branca: linha na direcção de Komatipport
Azul: rio Incomáti que corre da direita para a esquerda

Agora uma foto reproduzida do blog delagoabayworld mostrando melhor o edifício "laranja":

FOTO 3
Alfândega de Ressano Garcia vista do "lado" de Komatipoort

Vemos agora outra foto de Santos Rufino publicada em 1929 em que coloco a legenda original em português:

FOTOS 4 (oval) e 5 (maior)
"Magaíças regressam das minas dando a bagagem ao manifesto"

Como a legenda é um tanto dúbia, pode ver-se que a tradução em inglês diz que os magaiças mostravam as bagagens para inspecção (vê-se na foto oval um sipaio e um magaíça com os seus pertences) e em francês diz que os magaiças apresentavam as suas bagagens para a declaração. Presumo que esse documento fosse o "manifesto" que teria de ser mostrado pelos migrantes se necessário no resto da viagem para suas casas, para demonstrarem que não traziam contrabando ou que tinham pago as taxas devidas. Mas essa legenda pode ser também um tocadilho pelo facto de os magaíças depois de terem estado na África do Sul em árdua labuta ("dando o corpo ao manifesto") na fronteira terem ainda de mostrar o que traziam nas malas.
Na FOTO 5 não aparecia o edifício da alfândega das fotos de cima embora ele pudesse estar para trás ou para os lados do campo da objectiva. Num estudo sul-africano preparando a expansão do terminal de Komatipoort em 2008 é mostrada a mesma foto e dito que se tratava das instalações da WNLA (WENELA) em Ressano Garcia. O texto na sua página 14 que antecedia a foto era: "The WNLA - The Witwatersrand Native Labour Association (WNLA) was founded by the Chamber of Mines after World War I for purposes of recruiting black labour for the mines in South Africa. At Ressano Garcia the WNLA established a compound where workers were assembled and checked before going to South Africa. This compound is close to the new port of entry facility but will not be affected."
Falámos das instalações da WENELA em LM (perto do Quartel do Alto Maé) anteriormente e referiremos agora uma publicação com entrevistas de moçambicanos que foram para as minas na África do Sul. Corrigindo-se a possível distorção ideológica de terem sido feitas ao tempo dos "amanhãs que cantam" as entrevistas dão boa perspectiva do que se passava com os migrantes, no recrutamento, nas deslocações por caminho de ferro incluindo a passagem pela fronteira e depois nos postos de trabalho onde eram colocados. 
Dito isso, selecciono aqui a parte da entrevista ao mineiro mais antigo que deve ter ainda passado pelas instalações que se vê em cima. No entanto ele só aborda a fase da ida, não a do regresso que seria a das duas últimas fotos. Disse então Zulumiro Meceiso que foi em 1938 pela primeira vez trabalhar para as minas: 
"Ficávamos ali (no compound da WENELA na Malanga em LM) uns dias antes de embarcarmos do comboio para Ressano Garcia. O polícia encarregado do componde de Ressano Garcia era alcunhado de NTwaxitihlawani (o homem com olho pequeno). Quando saíamos do comboio em Ressano Garcia,ouvia-se um homem a apitar e outros a gritar «novos recrutas, para baixo!» Saltávamos todos e íamos para o componde a correr, com o polícia à frente a indicar o caminho. Alguns ficavam com os dedos dos pés cortados pelas pedras quando corriam. Chegávamos ao componde tão cansados que o médico nem tinha de pedir para respirarmos fundo! O exame médico tinha lugar imediatamente. Era muito azar ter os dedos dos pés feridos porque nesse caso era-se automaticamente vendido para as minas de carvão e nunca para as minas de ouro!"
Aqui outra foto de Santos Rufino de 1929 e relacionada com o que é dito em cima. Provávelmente passar-se-ia nas instalações da WENELA em Ressano Garcia porque a foto aparece junta às outras dessa localidade: 
"Inspecção médica aos indígenas que vão trabalhar para as minas do rand"

Esta inspecção parece bastante simplificada em relação ao exame que Zulumiro Meceiso descreve em que era feita auscultação ao peito, aqui talvez fosse uma primeira fase. Segundo os mineiros entrevistados havia exames mais completos feitos por exemplo com RX ao torax já nas minas ou noutros pontos de passagem mais próximos delas.
Aqui a história da TEBA, como foi redominada a Wenela (WNLA) a partir de 1974.

PS: Existe algures informação sobre uma fábrica de álcool instalada em Ressano Garcia para aproveitar o facto de em virtude do acordo aduaneiro entre Portugal/Moçambique e a África do Sul as bebidas alcoólicas produzidas em Moçambique serem menos taxadas no mercado sul-africano do que os produtos locais. 
No entanto penso que essa legislação foi rápidamente modificada e as ideias para esse fabrico não vingaram mas o Eng. Lopes Galvão no livro "Engenharia" tem a informação seguinte: "O Eng. António Rodrigues Nogueira esteve colocado em comissão de serviço em LM entre 1895 e 1896" e "montou uma fábrica de álcool em Ressano Garcia por conta dum sindicato inglês, tendo estado préviamente na Alemanha a estudar as condições da fabricação daquele produto". No entanto daqui não fica claro se esta fábrica seria para álcool "industrial" ou para bebidas alcoólicas.

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