Demarcação de fronteira com a ZAR em 1890 - construção do bote para CX (14)

Retomo o tema da comissão de demarcação de fronteira entre Portugal (Moçambique) e a ZAR (Zuid-Afrikaansche Republiek SAR dos boer, parte da actual África do Sul) que esteve activa na segunda metade de 1890. Sigo o texto escrito pela parte portuguesa dessa comissão (pdf aqui) e as fotos disponibilizadas pelo ACTD
Como vimos antes, a parte fulcral da missão (a marcação da fronteira) foi concluida com a chegada à junção entre os rios Pafuri e o Limpopo a 21 de Agosto de 1890. A comissão fez aí uma pausa técnica e de repouso e partiu daí a 3 ou 4 de setembro com Freire de Andrade (FA) e Matheus Serrano (MS) por terra e Caldas Xavier (CX) num bote - com dois auxiliares africanos - pelo rio abaixo, missão para que CX se tinha voluntariado em conversa com FA. 
Chegaram os três a Chicualacuala a 11 de setembro, local a onde FA e MS voltaram a 22 de setembro após terem ido regular os cronómetros no campo 30 onde tinham estado antes (não sei o que CX fez nesse período).
A 23 de setembro CX voltou ao bote acompanhado dos dois auxiliares africanos prosseguindo a descida do Limpopo em direcção ao Bilene a propósito do que FA escreveu: "CX, que num escaler construído em Mas'tulele (HoM: local entre o Pafuri e o Limpopo) seguiu a estudar o curso do Limpopo até ao extremo tocado pelos navios que têem demandado este rio pela barra do Inhampura" (nome também usado para o Limpopo na altura, pelo menos na zona da barra).
Nesse mesmo dia 23 de setembro, FA e MS partiram de Chicualacuala para Inhambane e Gaza seguindo os dois juntos até que a 15 de outubro MS deixou FA. A partir dessa data os quatro membros estavam a prosseguir individualmente as explorações ou tinham-nas já concluído (Elvino Mezzena tinha iniciado a missão individual muito antes)  Não vou acompanhar essas missões individuais em pormenor mas das partes finais das de EM e de MS na costa de Gaza mostrei já uma carta aqui.
Vejamos então em Mas'tulele, a terra que presumo fosse do chefe que aqui aparecia e onde ficou o campo 38 entre o Pafuri e o Limpopo, a construção do bote ou escaler que CX usou na sua missão:


FOTO 1
Construção do bote (ACTD)
Caldas Xavier que parecia muito franzino está à esquerda e sentado na barraca ao fundo está outro membro europeu da comissão. 
O ACTD tem no seu site uma pasta de "Reprodução de desenhos sobre expedições" na qual está uma gravura que relacionam com CX mas, estranhamente (?), a seguinte não:

GRAVURA 2
Acampamento (ACTD web_n15926
Esta é então outra perspectiva da construção que veremos já foi improvisada do bote para Caldas Xavier (CX) e é interessante notar que se na FOTO 1 se viam as tendas nesta se vêm carretas, dois temas de que falaremos com mais detalhe em artigos seguintes.
Em baixo podem ver-se os detalhes da construção do bote no relatório de FA, a qual se pode  consolidar assim: a madeira usada para a estrutura tinha sido duma carreta que foi desmantelada, suponho porque os seus animais de tracção tivessem entretanto morrido. Essa estrutura foi coberta por lona impermeável de cobertura de carretas e os barris colocados lateralmente (que veremos nas fotos deste artigo) serviam de estabilizadores. O bote ia ser levado pela corrente do rio (sentido único) e a sua direcção seria controlada pelos dois auxiliares com remos. FA descreve a criação dum toldo para CX mas o que veremos depois são duas velas triângulares (que serviriam para reforçar a impulsão da corrente e presumo para ajudar a dirigir a embarcação que não tinha leme axial) e numa das fotos essa "vela" estar a servir de toldo para CX.

Relatório de FA (pag 46): "Tendo-se uma noite fallado na vantagem que haveria em seguir o rio Limpopo, embarcado, para lhe reconhecer o curso, e tendo Hiron oferecido a madeira de uma das carretas para fazer um bote, o major Caldas Xavier mostrou desejos de fazer a viagem d'essa maneira até á costa, no que concordei pela vantagem que era para o districto o poder-se conhecer com alguma exactidão o curso d'aquelle rio de que tanto se tem ultimamente fallado. 
Fazendo se de companhia a viagem até Chicualla-Cualla, um por terra e outro pelo rio, podia-se avaliar do perigo que poderia haver na viagem feita no pequeno bote que se podia arranjar. A viagem era certamente arriscada, mas havia a vantagem de haver sempre povoações ao longo do rio onde se poderia encontrar de comer; a agua do rio nunca poderia faltar, esplendida, Em caso de desarranjo no bote era fácil alcançar ou o Biléne, onde se encontram bastos recursos, ou a foz do rio dos Elephantes, onde estava estabelecido um baneane, em Maharinge. 
Principiou-se, portanto, a construcção do bote, que foi dirigida por Caldas Xavier, fazendo um esqueleto de madeira que se forrou da lona de um dos impermeáveis das carretas; com quatro dias de trabalho o bote estava acabado, e tendo-se deitado á agua fizeram-se algumas experiências com elle. Não tendo estabilidade bastante por ser de fundo chato, amarrou-se-lhe de cada lado um barril vasio, o que o impedia de se voltar. Com prumos das barracas e panno que de prevenção se tinha levado, fez-se um toldo.
O barco não era em extremo espaçoso nem permittia muita mobilidade, parecia comtudo bastante para seguir n'elle o rio; dois (africanos), á popa e outro á proa, mantinham-o no fio da corrente, que era o o motor da embarcação. Se a viagem não era em extremo confortável dentro d'elle, era-o relativamente comparada ás longas marchas no areal que se estende do Limpopo a Inhambane, e pelo menos tinha a incomparável vantagem de não poderem faltar nem mantimentos nem água."
FA indicava que "As photographias juntas dão idéa do modo de confecção e forma do barco" e devem ser as 4 que encontramos no ACTD e publicamos neste e em dois artigos seguintes. 

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