Demarcação de fronteira com a ZAR em 1890 - artigo de MSP - fotos "objectivas"? - I (32)

Para se ficar com uma ideia de como um académico tratou em 2015 as fotos do ACTD e o (s) relatório(s) da comissão com Freire de Andrade (FA) e Matheus Serrano (MS) que aqui vimos seguindo, pode ver-se daqui o artigo do brasileiro Matheus Serva Pereira (MSP) que é Doutor em História na área de História Social e intitulado "The Lourenço Marques Frontier Limitation Committee and its pictorial records (Mozambique – 1891)"
Essa comissão marcou a fronteira no interior e depois os seus membros encetaram explorações individuais a caminho da costa e a análise de MSP incluiu as duas partes sem fazer grande distinção. Na série sobre esse artigo que aqui inicio focar-me-ei mais no que FA reportou dado que MS não tinha máquina fotográfica, embora tenha escrito uma parte do relatório que é também interessante.
O artigo de MSP começa por enunciar as novas abordagens à fotografia colonial listando na extensa bibliografia consultada obras com títulos mais ou menos elucidativos como seja “Fallacious Mirrors: Colonial Anxiety and Images of African Labor in Mozambique, ca. 1929", “Old pictures, new approaches: researching historical photographs”, "Os Olhos do Império. Relatos de viagem e transculturação" e "O império da visão: fotografia no contexto colonial português (1860-1960)"
MSP sumariza-as desta forma: "The historiographical interest in photography as a source for the history of Africa has grown significantly in the last two decades. Along with the expansion of the theoretical and methodological frameworks for working with these images, researchers are aware of the ideological weight encompassed in the act of shooting. In this sense, there is skepticism over the ability of these photographs to demonstrate issues other than those related to the culture of the producers of these images"
Como disse ao início deste artigo parece-me que tal abordagem ao poder informativo das fotos coloniais e à distorção da realidade que elas podem conter é do senso comum. Quer dizer é roupagem nova para preocupação antiga se nos mantivermos no campo da racionalidade (e nesse campo das questões filosóficas fundamentais também já não deve haver muito para "inventar"). Essa nova abordagem terá a grande vantagem de sistematizar o processo de análise da objectividade das fotos antigas e de se poder controlar melhor os potenciais erros desse processo. Mas não se pode considerar o analista actual (nem ele se pode considerar) como sendo imune aos seus próprios preconceitos, faltas de conhecimento, falhas de raciocínio, etc. havendo o risco de que ele avalie a objectividade da foto e da realidade que ela seria suposto representar de forma ainda mais enviesada do que as "verdadeiras" distorções que teriam acontecido na sua génese. Para mais o analista actual pode ser tentado a "acertar contas" com acontecimentos históricos atribuindo aos fotográfos intenções sobre o que as suas fotos pretenderiam transmitir que "não são comprováveis, ou mesmo não podem ser verificadas" equivalente à deficiência filosófica / lógica / de direito de fazer a alguém um "julgamento ou processo de intenções". 
MSP enuncia o que FA comentava no texto do relatório sobre algumas das fotos que fez: "Shooting was understood by FA e MS as something capable of producing a precise description, sometimes more accurate than the writing, and, above all, the camera was a precise instrument capable of capturing real experience"
MSP parece concordar que, pelo menos em parte, isso foi conseguido com as fotos da missão dado que mostra logo a seguir seis que não haverá muitas dúvidas são tão "realistas e naturais" quanto uma imagem momentânea é possível sê-lo: 1. natureza no rio dos elefantes; 2. "peixes pescados no Pafuri" que veremos depois; 3. construção do bote de Caldas Xavier, 4. e 5. acampamentos no Letaba e no Pafuri e 6. a foto seguinte dos auxiliares atravessando um rio a pé com as cargas às costas: 
(Africanos) passando o rio dos Elefantes  (ACTD web_n3996

MSP mostra ainda outra foto que se enquadrará nessa categoria mais ou menos realista em termos de representar a actividade da comissão. É a do marco junto à lagoa que mostra um dos vogais utilizando um aparelho de medição e um auxiliar junto ao novo marco que terá erguido, essas duas pessoas mais outra indefinida imersos na paisagem africana.  Embora possa ter havido certa encenação na medição (pode ter sido simulada essa actividade naquele momento, mas antes ou depois ela terá sido executada)  tal  será transparente / compreensível para o leitor mais avisado.
MSP não faz muita análise critíca a estas seis fotos, parece-me que o essencial do seu artigo e do método que advoga é sobre as fotos com pessoas mais destacadas. De facto parece-me que nas fotos de objectos inanimados, que certamente também terão sido serão afectadas por "subjectividade" e "carga ideológica e cultural", os seus impactos terão sido menos importantes do que nas fotos com pessoas. Não sei se os académicos fazem essa distinção pois MSP pelo menos no seu artigo não a faz explicitamente.
No artigo seguinte veremos fotos com pessoas, a análise que MSP lhes faz e os meus comentários.

Algumas notas:
NB 1: O "sumário" de Filipa Lowndes Vicente ao tema no seu livro / colectânea de autores "O Império da Visão" que se pode carregar aqui imagino que mostre bem o que se debate sobre o tema da fotografia colonial nos círculos académicos. Mas como mesmo esse texto não é fácil de apreender, imagino que para o "comum dos mortais" os artigos completos do livro onde essas ideias são desenvolvidas devam ser "pesadotes" ....
NB 2: MSP escreve que "Freire de Andrade report does not seem to be necessarily written in order to be published. His narrative is marked by a not very accurate description of the expedition’s path, and it has a focus on the difficulties faced and the contacts established"Comento que se consegue seguir o percurso de FA e confirmar-se que ele é linear no tempo e no espaço com a ajuda da carta de Jeppe de 1892 pelo menos até Magimane por onde passou a cerca de 4 de novembro de 1890 e como se fez no HoM. No relatório há uma série de páginas que está repetida mas isso é fácil de se detectar e ser corrigido. 
NB 3: MSP tem interesse continuado na história de Moçambique e por isso bons conhecimentos o que evita que faça erros de principiante, mas Elvino Mezzena não era militar nem português.
NB 4: o artigo, que foi feito ou traduzido para um seminário internacional, não está escrito em bom inglês. 

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