Demarcação de fronteira com a ZAR em 1890 - FA em Mabanine e seguindo o Ualuize (21)

Continuamos o artigo anterior onde com Freire de Andrade (FA) tinhamos cerca do dia 23 de outubro de 1890 chegado à planície de Mabanine vindos do lado oeste, planície essa cujo centro como dissemos fica por aqui (google maps).
primeira foto do corrente artigo mostra duas crianças africanas e um adulto europeu, os três com as pernas dentro de água (tendo o adulto arregaçado as calças) uma densa parede de vegetação por trás.


FOTO 1
Legenda original: charcos de Mabanine (ACTD web n4012)
HoM: Freire de Andrade e os dois moleques
Como vimos no artigo anterior, no relatório da missão  - pdf aqui - FA descreve Mabanine assim da pág. 60 para a 61.  "... entrámos na extensa planície de Mabanine, vasto areal onde só de longe em longe se encontram alguns macissos de arvoredo, ... lagoas de agua salobra, impossível de beber. ...... o terreno, sempre encharcado, nos obrigava por vezes a caminhar durante horas, mettidos no lodo e completamente molhados". Por isso era uma zona mista por um lado com charcos de águas salobras e vegetação densa como se vê na FOTO 1 e por outro lado de areal seco e plantas raquíticas como se verá depois nas FOTOS 2 e 3 por exemplo. 
Estando assim mais ou menos seguros que a foto seja efectivamente de Mabanine, sabemos também que a câmara fotográfica da missão ia com FA e que na passagem por Mabanine ele seguia já sem companhia dos seus vogais. Se repararmos bem na foto (e seria melhor com ela mais bem digitalizada) vê-se reflexos frente aos olhos do adulto. Como FA era o único membro da comissão que usava óculos esta será então a única foto dele, aí com cerca de 31 anos (vê-lo mais idoso na wikipedia), em plano médio tirada durante a comissão e que está na colecção do ACTD. 
Outro elemento a favor da identificação de FA na FOTO 1 é a explicação para a presença dos dois jovens dado que FA na pág. 64 do relatório (pdf aqui) e numa passagem sobre essa zona refere "o meu moleque pequeno que tinha trazido de Isidrodro (?) no Komati" e na página 65 que tinha outro moleque que tinha trazido de Lourenço Marques. Moleque em Moçambique significa um jovem africano empregado doméstico, neste caso estariam acompanhando FA na longa viagem.
Como veremos pelo resumo do relatório de FA e do seu calendário, a FOTO 1 terá sido tirada por volta de 28 ou 29 de outubro de 1890 se tiver sido tirada por Hiron, o empresário das carretas que o acompanhava por essa altura, ou tirada a partir de 23 / 24 de outubro se o tiver sido por exemplo por Loforte, o chefe dos auxiliares. Apesar de neste caso a legenda da foto ser concreta quanto ao local, daí não podemos inferir uma data precisa dado que FA atravessou lentamente a zona de Mabanini devido a diversas dificuldades de locomoção, alimentação e de saúde, para além das distâncias serem sempre grandes  (por. ex. a área lagunar ao centro da planície de Mabanine que fica entre os dois rios que vemos no google maps tem quase 24 km de comprimento de oeste a leste).
Confirmada a localização e personalizada a FOTO 1, prosseguindo o que fizemos no artigo anterior seguiremos o relatório de FA e olharemos em detalhe para a carta de Jeppe que mostro a seguir e para detalhes da tabela do relatório que mostro ao fundo do artigo.


Canto superior direito da CARTA DE JEPPE de 1892 (clique para aumentar)
disponibilizada pela Universidade de Illinois
Cor de rosa: ponto de partida de FA e MS de Chicualacuala para leste
Laranja claro: percurso inicial comum de FA e MS
Branco: percurso individual de MS, tomando finalmente a direcção de Inhambane
Cinzento: percurso individual de FA, seguindo o rio Ualuize
Circunferência azul claro: chegada a Mabanine pelo oeste
Castanho: Mabanine genéricamente
Círculo laranja: primeiro ponto do rio Ualuize, actual Chengane, 
que FA encontrou
Laranja: rio Ualuize, actual Chengane nasce nas lagoas da Mabanine
 (na de Chicarre, ligada à Bembe)
Outras cores: ver no texto em baixo e nos 
artigos anterior e seguinte as passagens relevantes

Mais excertos relevantes da parte escrita por FA no relatório da comissão:
da pág 61 para a 62: "No dia 23 de outubro chegava a Mabanine e apesar do terreno encharcado e da água ser salobra e salgada ...". Nesta passagem FA descreve o local de que temos falado mas em relação à tabela parece que andava um dia para trás pois o ponto que marquei com uma circunferência azul clara na tabela e na carta significava o seguinte quanto ao local do acampamento: "Em Mabanini, junto ao rio Tundgi, em 24 de outubro de 1890", mas isso é um pormenor.
pág. 62,  ainda no dia 23 de outubro: ".... achavamo-nos encurralados entre o rio Zundzi (deve ser Tundji, azul claro), uma serie de lagoas onde os homens entravam no lodo até ao pescoço, e um pequeno affluente d'clle (noto de novo que temos agora a carta com pormenores que FA não tinha, a sua visão em campo aberto era limitada ao horizonte, ele não sabia se um trecho de água era um rio parado ou uma lagoa a menos que o fosse explorar e não podia estar sempre a mudar de rumo ...). Para o noroeste tinha a lagoa Bembe (carmesim) de onde sai o Ualuize (laranja)". Dessa descrição podiamos dizer que CX estava nessa altura no campo da círcunferência cinzenta se a lógica fosse perfeita mas ...
Ainda na pág. 62: "... Com effeito no dia 27 (de outubro) tendo explorado o terreno achávamos um caminho com o nivel um pouco mais alto que nos levava até ao Ualuize, e saindo de junto do Zundzi (agora olhando para a carta podemos questionar, se FA tinha atingido já a círcunferência cinzenta então esse rio "azul claro" tinha já ficado para trás, mas FA podia ter dificuldade de distinguir por aí o que era esse rio ou outro tipo de superfície aquática) íamos acampar perto de uma lagoa onde habitavam innumeros hipopótamos; entretanto o ar estava perfeitamente empestado pelas emanações das lagoas". Aparece na tabela, linha marcada a verde escuro e branco, que acamparam "em Mabanini junto à lagoa dos hipopótamos em 28 de Outubro de 1890" pelo que se trata de local e data mais ou menos em linha com as de FA. Pelas coordenadas (latitude 22°41'26.3"S e longitude 33°04'47.1"E) essa lagoa seria por aqui no google maps quer dizer no lado a sul da zona mais húmida entre os dois rios mas é difícil ter a certeza que fosse aí até porque noutros casos a longitude da tabela tem necessitado de ajustes.
pág. 63: "No dia 28 (de outubro) as carretas chegavam com Hiron ao nosso campo", daí a possibilidade de ter sido Hiron a tirar a FOTO 1 a FA e aos moleques nessa data. Muito depois não teria sido pois mais ou menos a 29 de outubro o grupo saiu de Mabanine e a legenda da foto diz que foi lá tirada.
pág. 63, 28 de outubro"Ao acampar appareceu um gongonhe isolado; apesar de termos patos e cegonhas em quantidade sufficiente para a comida de toda a gente, vendo o animal que a uns 500 metros andava saltando em redor de nós, sem se afastar, saímos, atirando-lhe Hiron a 400 jardas." 
Certamente que a imagem seguinte se refere a esse caso: 

FOTO 2
Gungonhe plantas espinhosas de Mabanini (ACTD web_n4011)
Continua a parte escrita por FA no relatório da comissão:
pág 64: No dia 28 (de outubro): "de tarde partíamos novamente, continuando na planície e quasi á noite encontrávamos os rastos da passagem do capitão Serrano, que ali passara poucos dias antes".
Por aqui se vê que FA e MS depois da separação em Makiki (castanho claro) acabaram por percorrer os dois as margens do curso superior do Ualuize (laranja) mas não se voltaram a encontrar. Mesmo tendo dado uma volta maior pelo sul como se vê na carta, MS chegou ao Ualuize primeiro do que FA porque, apesar das imensas dificuldades de que falaremos noutro artigo, MS não era atrasado como FA foi pela difícil deslocação das carretas pois MS levava só carregadores a pé. 
Marquei com circunferência laranja na carta o ponto a partir de onde os percursos de MS e FA voltaram a coincidir numa certa distância e como isso para FA aconteceu na tarde de 28 de outubro pode dizer-se que a "lagoa dos hipopótamos onde FA e equipa acamparam a 28 de Outubro de 1890" estava antes daí, quer dizer essa lagoa estava entre os círculos cinzento e laranja. Na carta parece não haver por aí lagoas mas no google maps pode ver-se que nessa zona a separação entre água e terra pode ser mais complexa do que Jeppe representou. Lembro que Jeppe não foi ao terreno, para a carta seguiu o que FA e MS lhe terão dito ou simplesmente interpretou os seus relatórios e desenhos.
Ainda na pág. 64, voltando ao relato de FA: No dia 29 (de outubro) "... Hiron entrava na minha barraca para comer, quando um (africano) que tinha ido reunir os burros para os prender veio dizer que andava um leão no meio d'elles". Como o campo na tabela para esse dia 29 de outubro e que marquei aó a preto e amarelo é o da "planície dos leões" neste caso há coerência com o texto de FA.
pág. 65: "No dia 2 (de novembro) deixava as carretas (quer dizer FA seguia só em frente, como as carretas eram mais lentas por vezes ficavam para trás mas num campo seguinte FA poderia esperar por elas como vimos acontecer em cima). O terreno apresentava-se muito ligeiramente ondulado, sempre coberto de espessa vegetação até ao Ualuize que encontrámos no dia 3 (de novembro) de tarde."
Parece haver aqui uma incoerência dado que tinha sido a 28 de outubro que FA tinha encontrado vestigios de MS e pelos percursos dos dois na carta isso teria sido já junto ao rio Ualuize. Por isso pela carta FA teria chegado ao Ualuize muito antes de 3 de novembro mas talvez depois de 28 de outubro FA se tivesse afastado do rio e tivesse regressado às sua margem a 3 de novembro. A carta não mostra grande afastamento de FA em relação  ao rio nessa parte do percurso mas ...
FA ainda na pág. 65: "... Ualuize ... e em cuja margem acampámos (e se foi a 3 de novembro na tabela é o campo "azul e branco" no princípio da mata)Apesar de ter encontrado os rastos de grandes bandos de búfalos, não pudemos matar nenhum d'lles e apenas cacei dois pequenos antílopes (dykas) cuja photographia vae junta. O rio Ualuize corria entre margens chatas....."


FOTO 3
2 Dyka [cabritos] (ACTD web n_3275)
O antílope dyka será o dik-dik que é mais específico da regiâo do que o duiker de som parecido e de que há muitas espécies. Na wikipedia há duas fotos de dik-diks (um macho e  uma fêmea) que parecem ser dos mesmos animais da foto de 1890.
Pode ver-se a tabela dos campos / acampamentos para FA mas só a sua parte central é pertinente para este artigo em que começamos no campo da circunferência "azul clara" do início de Mabanini e acabamos cerca (mas presumo que já depois) do campo "azul e branco" do dia 3 de novembro, o do princípio da mata. 

TABELA DO RELATÓRIO DA COMISSÃO
Entre estada em Chicualacuala a 22 de setembro e o afastar-se do rio Ualuize
 a caminho de Masibi a 9 de novembro

No próximo artigo veremos ainda parte do que se passou no resto do dia 3 de novembro em que FA tentou caçar hipopótamos. Depois veremos mais do trajecto de Freire de Andrade (FA no texto em cima) ao longo do rio Ualuize até que deixou a sua margem esquerda, partindo mais para leste e rumando mais directamente para Inhambane. Recordemos que a exploração do rio Ualuize tinha ficado a cargo de Matheus Serrano (MS no texto em cima).

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