Vapor Neves Ferreira e operações militares em 1894/95 (1/4)

Utiliso aqui primeiro uma foto do arquivo da Marinha de Guerra Portuguesa dum navio com participação relevante na história da cidade de Lourenço Marques (LM), actual Maputo e de Moçambique no tempo português.
Navio a vapor "Neves Ferreira"

João das Neves Ferreira que deu o nome ao navio foi oficial da Marinha de Guerra Portuguesa (MGP) e Governador Geral de Moçambique em 1889-90 e teve acção destacada na resistência ao ultimato inglês de 1890 como se pode ler aqui.

Sobre o navio com o seu nome diz o site  marinhadeguerraportuguesa.blogspot.com (MGP): "Neves Ferreira: Vapor de 144 toneladas de deslocamento adquirido no Natal de 1893 para o serviço da província de Moçambique. Fora construído em Inglaterra em 1882. Tomou parte importante na campanha do Gungunhana. Em 1900 desarmou para fabricos. Esteve ao serviço na Real Marinha de Guerra Portuguesa pelo menos de 1893 a 1901". Mas vamos ver aqui que esta informação tem partes duvidosas e como o autor não indica as fontes não se consegue estabelecer por que razão.
O autor luso-moçambicano Alfredo Pereira de Lima no livro "Pedras" descreve assim as características do «Neves Ferreira»: "vapor de ferro, de 340 toneladas, 2 hélices e demandando 2,5 metros, portanto dificil de navegar em águas pouco fundas". Como se pode ver as massas parecem diferentes e não se percebe porquê (ver aqui que a "tonelagem" devia ser medida em volume e só o "deslocamento" é medido em unidade de massa, por isso ...) .
O Neves Ferreira (NF) não está na lista dos navios de guerra portugueses na wikipedia mas a explicação será, como se vê no arquivo da MGP, tratar-se dum "Navio de Comércio - Passageiros e Carga". No livro "A Rebelião dos Indígenas" de Eduardo Noronha de 1894 é dito que o NF tinha sido alugado à Casa Cohen e armado nessa altura, na segunda metade de 1894 mas como veremos também parece que o mesmo Eduardo Noronha se contradiz depois. 
Seguimos já o livro "A Rebelião dos Indígenas" nos artigos sobre o cerco e defesa da cidade de LM e são aí mencionados vários eventos de relevo em que o "Neves Ferreira" foi utilizado e que apresento em sequência cronológica:
evento 1. fim de agosto de 1894, na reacção portuguesa ao início da rebelião que se manifestou pelo corte do tráfego fluvial e ataque a viajantes e comerciantes na foz do Incomáti pelo chefe da Magaia. O NV foi para a barra do Incomáti mas o casco era demasiado fundo para subir o rio nessa ocasião pelo que o seu comandante passou para a lancha Xefina. Essa acção militar foi inconsequente e o rio ficou aberto para os rebeldes receberem armas contrabandeadas por comerciantes asiáticos.
evento 2. entre 25 de setembro e 4 de outubro de 1894, na tentativa de transporte dos guerreiros da tribo do Maputo, que supostamente iriam ajudar os portugueses, da Catembe para a cidade rebocando lanchas através do estuário. Como esses "aliados" se recusaram a combater os rebeldes, os portugueses tentaram tirar satisfacções com o seu chefe em Macassane nas margens do rio Maputo mas o vapor Neves Ferreira tinha entretanto ficado avariado e não permitiu que essa viagem se fizesse rápidamente. 
evento 3. cerca de 25 de outubro de 1894, na reação ao ataque mortal a dois pescadores ocidentais por rebeldes na Xefina: "Chegados (os sobreviventes desse ataque) à cidade, mandou o governador Canto e Castro fretar o vapor Neves Ferreira, da casa Cohen, deu o commando ao tenente Furtado, mandou-o tripular pelos melhores atiradores da corveta (Raínha de Portugal), armado com um canhão revolver, e no dia seguinte, ás 10 horas, partiu para a Xefina. Chegados ali,... desembarcou a marinhagem, que trouxe os cadáveres para terra".
Destes três eventos concluir-se-ia que o NF estava ao serviço do Estado no fim de agosto de 1884 mas que só tinha sido armado c. de 25 de outubro, já para o final do cerco à cidade. Mas vê-se a incongruência de no "evento 1." o NF ser já comandado pelo militar tenente Furtado (o que não era normal se o NF fosse ainda um navio civil mas alugado para um serviço ainda civil de reboque de lanchas) enquanto que a informação do "evento 3." é que esse comandante só foi nomeado cerca de 2 meses depois.
Podemos mostrar uma sua foto de artigo do prolífico Eduardo Noronha na revista Serões n. 23 e sobre a defesa da cidade:
Tenente Furtado presumo que pouco depois 
da sua comissão de serviço de 1894 em LM

Eduardo Noronha diz que “a esquadrilha de Lourenço Marques, no principio da campanha, era formada pelo vapor Neves Ferreira, antigo, decrépito e arruinado transporte de emigrantes negros, commandado pelo segundo-tenente Raul Furtado”Esse mau estado do navio coincidia com o descrito por António Enes e é de estranhar para um navio de 1882, por isso bastante novo em 1894, mas pode ser explicado pelo referido uso na derradeira fase da sua existência sul-africana. Continua-se no próximo artigo sobre a utilização do vapor Neves Ferreira na campanha militar portuguesa do sul de Moçambique, primeiro contra os rebeldes rongas da Magaia e Zixaxa após estes terem levantado o cerco à cidade e depois contra Gungunhana / Ngungunyane no coração de Gaza.
No próximo artigo falaremos mais do Neves Ferreira em Moçambique.

PS: No site almada virtual é dito que o vapor Neves Ferreira foi construido em Portugal pelo estaleiro Parry & Son (antes Sampaio). Como não me parece que tenha havido dois navios com o mesmo nome Neves Ferreira presumo que isto seja engano, isto é confio mais na informação dele ter sido construido em Durban mas ...

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