Continuo o artigo anterior e seguindo ainda António Enes (AE), comissário régio português em Moçambique em 1895, no livro a Guerra d'Africa de 1898.
AE aborda aí um ponto muito interessante e que não encontro tratado noutra informação acessível na net, o de como eram as lanchas fabricadas na Europa transportadas para África dado que não o podiam fazer pelos seus próprios meios pois eram desenhadas para águas tranquilas e o que depois era preciso fazer no local de destino para as colocar a navegar. Havia a possibilidade de transportar as lanchas completamente montadas em navios (que fossem maiores que elas) mas seria uma solução difícil e dispendiosa e pelo menos no caso das quatro para o sul de Moçambique em 1895 ela não foi adoptada.
Escreveu AE: "Uma das (lanchas) destinadas ao (rio) Inharrime ia em chapas e a outra em quarteladas (HoM: deve significar partes, quer dizer separadas em módulos por isso em estado de construção mais avançado do que as transportadas em chapas); qualquer delas fora subdividida em muitos volumes, mas alguns d'esses volumes pesavam tonelada e meia e até duas toneladas. Assustei-me só com a idéa do desembarque de semelhantes pesos em Inhambane, onde nem um cais nem um guindaste haveria, e do seu transporte, depois, atravez de setenta ou oitenta kilometros de terreno arenoso e invio !". Por isso e como dissemos já AE decidiu inicialmente mandar "para o Inharrime unicamente a lancha em chapas, cuja conducção seria mais fácil embora fosse mais demorada a montagem, e destinar a outra para o Limpopo", pois nenhuma das que para aí estariam destinadas tinha sido fornecida e onde contráriamente à pacífica zona de Inhambane no rio Limpopo, atravessando o coração de Gaza de Gungunhane "haveria que combater" pretendendo as forças portuguesas chegar pelo rio até à zona do Chibuto.
Continua AE sobre a montagem das lanchas após serem desembarcadas em Lourenço Marques (LM) do navio vindo de Inglaterra: "tendo-se feito, desde muito, todos os preparativos necessários para a montagem das lanchas, logo uma d'ellas foi submettida a essa operação... Montar mais duma ao mesmo tempo é que se tornou impossível, por falta absoluta de pessoal. O que fora de Lisboa era insuficientíssimo até para trabalhar numa só, e tanto assim que foi necessário reforçá-lo com operários do caminho de ferro e outros contractados ad hoc. Em tais circumstancias, calculou-se que os três barcos em quarteladas (HoM: significa isto que três das lanchas vieram em módulos e uma veio só em chapas, a que inicialmente AE decidiu que iria para o rio Inharrime) já só estariam todos em serviço no fim de quatro a cinco mezes; o quarto, em chapas, só ao cabo de dez ou doze!".
Dada a falta de pessoal e a urgência em ter as lanchas a operar, como dissemos no artigo anterior, as primeiras a serem montadas foram as que vieram em quarteladas. Começaram pela Lacerda destinada ao rio Incomáti, seguindo-se a Capello para o Limpopo e a única que tinha vindo em chapas iria para o Inharrime "e lá se armaria quando e como podesse ser" e essa seria a Ivens. Para a Serpa Pinto AE não menciona o destino previsto.
Mas se num primeiro passo AE tinha já decidido transferir uma da lanchas do Inharrime para o Limpopo (a que veio em quarteladas e que veio a ser a Capelo / Capello), num passo posterior e atendendo às dificuldades em realizá-lo AE decidiu não usar lanchas-canhoneiras no rio Inharrime e tentaria intervir aí com outra embarcação. Para além da dificuldade no transporte (só a caldeira que era peça única pesava à volta de duas toneladas) a justificação de AE foi a seguinte: "Depois, dado que se conseguisse pôr as chapas todas à beira do Inharrime, quanto tempo levaria a montagem, feita com pessoal forçosamente reduzido e sem auxilio de oficinas habilitadas para tal serviço? A (montagem) das lanchas que tinham ido em quarteladas, emprehendida em Lourenço Marques com todos os recursos da terra, incluindo os das oficinas do caminho de ferro, estava calculado que não gastaria menos de mez e meio (o que corresponde ao que AE dizia em cima das três em quarteladas demorarem quatro a cinco meses no total, dado haver uma única equipa de montagem); quantos mezes seriam, pois, necessários para armar a do Inharrime desde o cavername, peça por peça, chapa por chapa, parafuso a parafuso? Se a expedição houvesse de esperar por ella para lhe aproveitar o préstimo, talvez ainda a estas horas estivesse esperando !"
Outro ponto interessante que AE aborda é a deslocação das lanchas de LM para o local de destino. Depois de montada no estaleiro em LM a Lacerda ela podia ir até à barra do rio Incomáti protegida do oceano Índico pela baía do Espírito Santo, actual de Maputo e pelas ilhas Xefinas. Quanto à Capello, não sendo capaz de navegar no mar costeiro até à foz do Limpopo (as lanchas não tinham quilha e tinham cabine alta pelo que fácilmente se virariam com ondas e vento laterais) foi decidido montar-lhe só o casco em LM e calafetá-lo (fechá-lo) e daí rebocá-lo "para dentro da barra do Limpopo; ahi cómpletar-se-hia a montagem" e veremos depois as dificuldades que isso envolveu.
Seria interessante vermos fotos da montagem das lanchas e como isso se passou em 1895 é técnicamente possível que alguém o tivesse registado e com qualidade, mas não encontro nada específico. No entanto no site oficial português ACTD/ICCT aparece uma pasta sob o nome "Imagens não identificadas (zona de porto e zona de habitação)" em que estão fotos de Moçambique (noto que esse site está frequentemente inacessível) e daí será possível que a foto seguinte que está lá incluída, mostrando uma "embarcação militar" ainda no estaleiro, seja de Moçambique também.
AE aborda aí um ponto muito interessante e que não encontro tratado noutra informação acessível na net, o de como eram as lanchas fabricadas na Europa transportadas para África dado que não o podiam fazer pelos seus próprios meios pois eram desenhadas para águas tranquilas e o que depois era preciso fazer no local de destino para as colocar a navegar. Havia a possibilidade de transportar as lanchas completamente montadas em navios (que fossem maiores que elas) mas seria uma solução difícil e dispendiosa e pelo menos no caso das quatro para o sul de Moçambique em 1895 ela não foi adoptada.
Escreveu AE: "Uma das (lanchas) destinadas ao (rio) Inharrime ia em chapas e a outra em quarteladas (HoM: deve significar partes, quer dizer separadas em módulos por isso em estado de construção mais avançado do que as transportadas em chapas); qualquer delas fora subdividida em muitos volumes, mas alguns d'esses volumes pesavam tonelada e meia e até duas toneladas. Assustei-me só com a idéa do desembarque de semelhantes pesos em Inhambane, onde nem um cais nem um guindaste haveria, e do seu transporte, depois, atravez de setenta ou oitenta kilometros de terreno arenoso e invio !". Por isso e como dissemos já AE decidiu inicialmente mandar "para o Inharrime unicamente a lancha em chapas, cuja conducção seria mais fácil embora fosse mais demorada a montagem, e destinar a outra para o Limpopo", pois nenhuma das que para aí estariam destinadas tinha sido fornecida e onde contráriamente à pacífica zona de Inhambane no rio Limpopo, atravessando o coração de Gaza de Gungunhane "haveria que combater" pretendendo as forças portuguesas chegar pelo rio até à zona do Chibuto.
Continua AE sobre a montagem das lanchas após serem desembarcadas em Lourenço Marques (LM) do navio vindo de Inglaterra: "tendo-se feito, desde muito, todos os preparativos necessários para a montagem das lanchas, logo uma d'ellas foi submettida a essa operação... Montar mais duma ao mesmo tempo é que se tornou impossível, por falta absoluta de pessoal. O que fora de Lisboa era insuficientíssimo até para trabalhar numa só, e tanto assim que foi necessário reforçá-lo com operários do caminho de ferro e outros contractados ad hoc. Em tais circumstancias, calculou-se que os três barcos em quarteladas (HoM: significa isto que três das lanchas vieram em módulos e uma veio só em chapas, a que inicialmente AE decidiu que iria para o rio Inharrime) já só estariam todos em serviço no fim de quatro a cinco mezes; o quarto, em chapas, só ao cabo de dez ou doze!".
Dada a falta de pessoal e a urgência em ter as lanchas a operar, como dissemos no artigo anterior, as primeiras a serem montadas foram as que vieram em quarteladas. Começaram pela Lacerda destinada ao rio Incomáti, seguindo-se a Capello para o Limpopo e a única que tinha vindo em chapas iria para o Inharrime "e lá se armaria quando e como podesse ser" e essa seria a Ivens. Para a Serpa Pinto AE não menciona o destino previsto.
Mas se num primeiro passo AE tinha já decidido transferir uma da lanchas do Inharrime para o Limpopo (a que veio em quarteladas e que veio a ser a Capelo / Capello), num passo posterior e atendendo às dificuldades em realizá-lo AE decidiu não usar lanchas-canhoneiras no rio Inharrime e tentaria intervir aí com outra embarcação. Para além da dificuldade no transporte (só a caldeira que era peça única pesava à volta de duas toneladas) a justificação de AE foi a seguinte: "Depois, dado que se conseguisse pôr as chapas todas à beira do Inharrime, quanto tempo levaria a montagem, feita com pessoal forçosamente reduzido e sem auxilio de oficinas habilitadas para tal serviço? A (montagem) das lanchas que tinham ido em quarteladas, emprehendida em Lourenço Marques com todos os recursos da terra, incluindo os das oficinas do caminho de ferro, estava calculado que não gastaria menos de mez e meio (o que corresponde ao que AE dizia em cima das três em quarteladas demorarem quatro a cinco meses no total, dado haver uma única equipa de montagem); quantos mezes seriam, pois, necessários para armar a do Inharrime desde o cavername, peça por peça, chapa por chapa, parafuso a parafuso? Se a expedição houvesse de esperar por ella para lhe aproveitar o préstimo, talvez ainda a estas horas estivesse esperando !"
Outro ponto interessante que AE aborda é a deslocação das lanchas de LM para o local de destino. Depois de montada no estaleiro em LM a Lacerda ela podia ir até à barra do rio Incomáti protegida do oceano Índico pela baía do Espírito Santo, actual de Maputo e pelas ilhas Xefinas. Quanto à Capello, não sendo capaz de navegar no mar costeiro até à foz do Limpopo (as lanchas não tinham quilha e tinham cabine alta pelo que fácilmente se virariam com ondas e vento laterais) foi decidido montar-lhe só o casco em LM e calafetá-lo (fechá-lo) e daí rebocá-lo "para dentro da barra do Limpopo; ahi cómpletar-se-hia a montagem" e veremos depois as dificuldades que isso envolveu.
Seria interessante vermos fotos da montagem das lanchas e como isso se passou em 1895 é técnicamente possível que alguém o tivesse registado e com qualidade, mas não encontro nada específico. No entanto no site oficial português ACTD/ICCT aparece uma pasta sob o nome "Imagens não identificadas (zona de porto e zona de habitação)" em que estão fotos de Moçambique (noto que esse site está frequentemente inacessível) e daí será possível que a foto seguinte que está lá incluída, mostrando uma "embarcação militar" ainda no estaleiro, seja de Moçambique também.
FOTO 1
A partir do que ficámos a saber nestes artigos, podemos assumir que se trata de uma lancha-canhoneira a ser montada algures. Podemos até assumir que os elementos laterais inferiores que juntos funcionam como flutuadores fossem módulos que viessem assim de fábrica só necessitando de serem encastrados / aparafusados / soldados (se bem percebo daqui existe soldagem a arco desde 1800).
Óbviamente seria interessante que a embarcação militar da FOTO 1 fosse uma das quatro de que vimos falando nestes artigos e que operaram em Moçambique mas facto é que esta não lhes é semelhante. Por exemplo na revista O Occidente de 1895, quer dizer do ano em que estas quatro lanchas canhoneiras foram compradas por Portugal aparece a seguinte imagem dizendo ser da Lacerda:
Por exemplo a lancha da FOTO 1 tem uma gávea e uma blindagem no deck superior que as do DESENHO 1 e as da classe Capello / Ivens não têm. Mesmo olhando para o Gracesguide da produção do estaleiro Yarrow não se vê aí nenhuma canhoneira do tipo da FOTO 1 pelo que pode ela ser de Moçambique mas referente a uma lancha doutro fabricante e/ou doutro período ou pode até não ser de Moçambique.
Num próximo artigo falaremos um pouco da casa Yarrow (Yarrow's) que fabricou as lanchas que Portugal encomendou em 1895 para Moçambique a pedido de António Enes.
Embarcação militar. |
A partir do que ficámos a saber nestes artigos, podemos assumir que se trata de uma lancha-canhoneira a ser montada algures. Podemos até assumir que os elementos laterais inferiores que juntos funcionam como flutuadores fossem módulos que viessem assim de fábrica só necessitando de serem encastrados / aparafusados / soldados (se bem percebo daqui existe soldagem a arco desde 1800).
Óbviamente seria interessante que a embarcação militar da FOTO 1 fosse uma das quatro de que vimos falando nestes artigos e que operaram em Moçambique mas facto é que esta não lhes é semelhante. Por exemplo na revista O Occidente de 1895, quer dizer do ano em que estas quatro lanchas canhoneiras foram compradas por Portugal aparece a seguinte imagem dizendo ser da Lacerda:
DESENHO 1
Por exemplo a lancha da FOTO 1 tem uma gávea e uma blindagem no deck superior que as do DESENHO 1 e as da classe Capello / Ivens não têm. Mesmo olhando para o Gracesguide da produção do estaleiro Yarrow não se vê aí nenhuma canhoneira do tipo da FOTO 1 pelo que pode ela ser de Moçambique mas referente a uma lancha doutro fabricante e/ou doutro período ou pode até não ser de Moçambique.
Num próximo artigo falaremos um pouco da casa Yarrow (Yarrow's) que fabricou as lanchas que Portugal encomendou em 1895 para Moçambique a pedido de António Enes.
NB: Notam-se algumas diferenças do DESENHO 1 em relação à realidade da classe Lacerda / Serpa Pinto, por exemplo neste desenho a cabine no deck superior era mais curta e a do deck inferior apesar do comprimento ser equiparado tinha menos janelas do que nas fotos, mas por exemplo os suportes dos toldos inclinados e as chaminés (uma de maior secção e outra de muito menor) correspondiam aos da Lacerda / Serpa Pinto.
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