Continuando os dois artigos anteriores com "notas soltas" sobre a vida do padre José Vicente do Sacramento vimos já que ele deixou o Transvaal provávelmente em 1914 e regressou a Moçambique, se rico ou pobre não temos a certeza. Mas é ponto inquestionável que fez fortuna em África e a sua fonte mais provável e/ou mais substancial terá sido a concessão da Lotaria Provincial de Moçambique referida por muitos dos autores que vimos seguindo. Não sei como essa licença terá sido outorgada e se houve concorrência ou não, também é de notar que se tal negócio à primeira vista parecia apetecível no fim a sua rentabilidade dependia do mercado e das regras e das contrapartidas que o Estado exigiria, mas como se constata no caso do padre tudo terá corrido bem.
Irei aqui citando estudos e autores que vimos já antes mas agora para uma fase posterior. Em Pioneiros da Imprensa Antonio Hohlfeldt e Fernanda Grabauska dizem que "o sacerdote, ... transladou-se para Portugal, bastante rico, fazendo doações à igreja, para ser perdoado (o sacerdote era inclusive casado!)". Analisemos então isto.
Quanto ao ser perdoado em relação à actividade de organizador de jogo fui verificar e a igreja católica não proíbe o jogo em si, quer dizer como divertimento ele é permissível mas a dependência do jogo (se fizer esquecer a família e Deus e interferir na vida pessoal) e óbviamente a fraude são contra a doutrina. Por isso não sei se houve alguma evolução neste ponto desde há 100 anos mas em princípio o padre não tinha de se penetenciar por ter obtido a licença da lotaria, partindo do princípio que a geriu segundo as condições da concessão e as "regras da arte". Não sei se na altura existiriam já as medidas contra o risco do vício que existem agora, seja porque são impostas pelo Estado ou porque as entidades que gerem as lotarias se voluntarizam para tal, mas de qualquer modo a igreja deveria seguir o princípio do "a César o que é de César" e por isso se para "César" o concessionário da lotaria estava em situação legal e regular para ela a igreja também devia estar mas ...
Quanto ao padre tentar ser perdoado em relação a "ser casado", primeiro tal descrição dos autores deve ser uma forma de expressão pois não seria casado oficialmente. Mas se entendo bem estas dialéticas tal caso a ter acontecido teria sido motivo para a igreja retirar as ordens ao padre e sabemos que isso não aconteceu pois ele continuou sempre a ser tratado como tal pela instituição católica (minha opinião pessoal é que se ele fosse pobre teria tido tratamento diferente mas ...).
Mas fosse para ser perdoado, fosse para que a igreja "fechasse os olhos" aos seus desvios ou fosse porque a sua consciência assim o ditou, certo é que o padre se tornou grande benfeitor da igreja. As suas doações mais relevantes (pelo menos das que eu conheço agora) terão sido as da sua grande vivenda e propriedade que foi feita à diocese de LM e as duas de que falaremos aqui, uma à missão de Magude e outra aos Missionários Seculares na "Metrópole". Não sei se houve outras substanciais ou de pequena monta mas bastam a primeira e última destas três para demonstrar que o padre, duma forma ou doutra no Transvaal e/ou em Moçambique tinha realmente conseguido uma fortuna considerável.
Irei aqui citando estudos e autores que vimos já antes mas agora para uma fase posterior. Em Pioneiros da Imprensa Antonio Hohlfeldt e Fernanda Grabauska dizem que "o sacerdote, ... transladou-se para Portugal, bastante rico, fazendo doações à igreja, para ser perdoado (o sacerdote era inclusive casado!)". Analisemos então isto.
Quanto ao ser perdoado em relação à actividade de organizador de jogo fui verificar e a igreja católica não proíbe o jogo em si, quer dizer como divertimento ele é permissível mas a dependência do jogo (se fizer esquecer a família e Deus e interferir na vida pessoal) e óbviamente a fraude são contra a doutrina. Por isso não sei se houve alguma evolução neste ponto desde há 100 anos mas em princípio o padre não tinha de se penetenciar por ter obtido a licença da lotaria, partindo do princípio que a geriu segundo as condições da concessão e as "regras da arte". Não sei se na altura existiriam já as medidas contra o risco do vício que existem agora, seja porque são impostas pelo Estado ou porque as entidades que gerem as lotarias se voluntarizam para tal, mas de qualquer modo a igreja deveria seguir o princípio do "a César o que é de César" e por isso se para "César" o concessionário da lotaria estava em situação legal e regular para ela a igreja também devia estar mas ...
Quanto ao padre tentar ser perdoado em relação a "ser casado", primeiro tal descrição dos autores deve ser uma forma de expressão pois não seria casado oficialmente. Mas se entendo bem estas dialéticas tal caso a ter acontecido teria sido motivo para a igreja retirar as ordens ao padre e sabemos que isso não aconteceu pois ele continuou sempre a ser tratado como tal pela instituição católica (minha opinião pessoal é que se ele fosse pobre teria tido tratamento diferente mas ...).
Mas fosse para ser perdoado, fosse para que a igreja "fechasse os olhos" aos seus desvios ou fosse porque a sua consciência assim o ditou, certo é que o padre se tornou grande benfeitor da igreja. As suas doações mais relevantes (pelo menos das que eu conheço agora) terão sido as da sua grande vivenda e propriedade que foi feita à diocese de LM e as duas de que falaremos aqui, uma à missão de Magude e outra aos Missionários Seculares na "Metrópole". Não sei se houve outras substanciais ou de pequena monta mas bastam a primeira e última destas três para demonstrar que o padre, duma forma ou doutra no Transvaal e/ou em Moçambique tinha realmente conseguido uma fortuna considerável.
Comecemos por ver a beneficiência do padre na missão de Magude. Embora não fosse especificado na publicação Portugal Missionário de 1928 no artigo relativo a essa missão donde vem a foto seguinte, julgo quase certo que o padre esteja aí, pelo aspecto físico e pelo resto que explico a seguir:
FOTO 1
 |
| Objectos da escola de olaria de Magude numa exposição agrícola e industrial em Johannesburg em Abril de 1928 |
Até por ser no mês de Abril (o domingo de Páscoa nesse ano foi no seu dia oito) a exposição na África do Sul seria certamente no "Rand Easter Show" e na fase assim descrita na wikipedia: "In later years it also featured industrial and commercial exhibitions and would eventually attract foreign participants who would exhibit country pavilions". Como está registado na foto, a missão de Magude conquistou o segundo prémio ou medalha de prata, à esquerda teríamos o mestre da oficina (que seria o irmão de Julio Gomes Ferreira e que conhecemos daqui) e à direita certamente seria o padre José Vicente do Sacramento. Para além da semelhança física e chapéu (foto de 1929) e de o texto dizer que ele era benemérito habitual da missão ele era-o particularmente da oficina de olaria. A sua presença justificar-se-ia ainda por ser bom conhecedor da África do Sul onde como vimos tinha estado colocado pela igreja católica e/ou Estado português. Em 1928 ele estaria já a residir em Portugal há anos mas pode ter-se deslocado ao sul de África, sendo de notar que c. de 1929 o Casal de S. Vicente, depois paço episcopal ainda era sua propriedade.
Essa publicação Portugal Missionário de 1928 deixa dúvida sobre o que terá acontecido depois relativamente ao financiamento do padre e por isso a ele próprio: (o dinheiro para a oficina funcionar) "tem vindo do rendimento das oficinas e vinha da bolsa do grande amigo de todas as missões - e em especial desta - Pe. José Vicente do Sacramento. Hoje, porém, que este grande e valioso auxílio deixou de existir, as dificuldades aumentam, dia a dia, sem que eu veja remédio para elas!". Isto à primeira vista levaria a crer que o padre teria falecido mas veremos em baixo que tal só veio a acontecer em 1933, por isso há algo que nos escapa aqui mas a explicação pode ser a oferta vultuosa que o padre fez à igreja em Portugal em 1923 e terá sido continuada nos anos seguintes e que os seus fundos eram (naturalmente) limitados.
Sobre essa vultuosa ajuda financeira em Portugal, temos o texto seguinte do Portugal Missionário num artigo do Cónego S. J. Alves: "Em 1923 foi-nos oferecido generosamente o (antigo) Convento de Cucujães, comprado em praça pelo benemérito Padre José Vicente do Sacramento". Explica-se depois que inicialmente a Obra das Missões da igreja católica pretendia sondar o padre para que ele lhes concedesse um empréstimo para a compra de novas instalações mas que a essa sugestão ele tinha respondido magnânimamente: «... vejam onde há uma casa que se venda e sirva, e eu comprá-la-hei para oferecer às missões». Como podemos ver na foto seguinte a "casa" almejada acabou por ser um enorme conjunto de edifícios e com quinta, e em face disso o padre não se retratou da sua oferta e participou até directamente no leilão que teve vários lances cobrindo os dos antagonistas (logo ele que tinha conhecimento de jogos ...). Para além da compra foi com fundos adicionais do padre que o conjunto foi depois significativamente reabilitado tendo passado a ser Colégio das Missões (Seminário das Missões da Sociedade Missionária da Boa Nova) e a tipografia colocada em 1924 nesse colégio foi também oferecida por ele:
FOTO 2
 |
| Foto antiga do seminário de Cucujães, Oliveira de Azeméis no norte de Portugal |
Esta foto é do site Macau Antigo que dá mais informação sobre essas instalações e confirma que elas foram oferecidas pelo padre.
O padre faleceu em 1933 depois de ter ficado debilitado por um ataque poucos meses antes e quando vivia em Cascais. Esta é a primeira parte da notícia do seu falecimento na publicação "A Voz da Fátima de Abril" desse ano:
 |
| Pe Sacramento venerador de Fátima |
Como se pode ver aí e naturalmente está agora esquecido, o padre Sacramento foi o compositor (música e palavras?) do popular cântico de Fátima "Sobre os braços da azinheira" (autoria confirmada aqui pelo santuário):
 |
| "Sobre os braços da azinheira" no youtube |
No aspecto cultural é ainda de destacar que o Pe. José Vicente do Sacramento escreveu o livro "Apontamentos Soltos Da Lingua Macúa". É um misto de dicionário macua / português e de catecismos e orações nas duas línguas e foi publicado em 1906 pela Sociedade de Geografia de Lisboa. O seu conteúdo dá a entender que por essa altura o padre estava ainda em função missionária dentro de Moçambique.
No próximo artigo falaremos de como o padre Sacramento e outros personagens desta história são retratados num livro analisando o que eventualmente será aí fantasioso ou realidade.
No próximo artigo falaremos de como o padre Sacramento e outros personagens desta história são retratados num livro analisando o que eventualmente será aí fantasioso ou realidade.
Comentários