Concessões em LM: De Coster e outra na planta de 1897 (3/5)

Continuamos o tema de concessões de terrenos atribuidas pelo Estado Português no final do século XIX (19) na região de Lourenço Marques (LM), actual Maputo. Veremos aqui primeiro uma das que estava indicada na planta cadastral de 1897 que referi nos artigos anteriores e que ficava na margem sul do estuário do Espírito Santo, actual de Maputo na chamada zona da (k)Catembe.

Concessão marcada a amarelo:
Concessão na Catembe e está escrito na PLANTA (ver em baixo) de J. Charles Victor de Coster com 500 hectares. Aqui (tese de Manikam Moodley) aparece referido esse titular mais Reuben Benningfield que já conhecemos, ambos eram agentes recrutadores de mão de obra africana de Moçambique para a África do Sul. Podemos aí ver o início duma história complicada sobre esse tema e em que esse "de Coster" se envolveu: "On the 18th March 1886, a steamer, the "Melrose", brought into Durban Harbour 350 native emigrants from Inhambane. It was reported by the Harbour Department that these natives were on their way to the Diamond Fields (minas de Kimberley). The natives with the permission of the Chairman of the Harbour Board were allowed to land at Salisbury Island in Durban Harbour. The Resident Magistrate, Mr. Finnemore, then attested a contract between the 350 natives and Charles Victor de Coster, who professed to be an agent for the Government of the Free State of the Congo (HoM: não seria de Orange?)", etc.
Já conhecemos um DeCoster deste artigo pois aparecia a sua casa e provávelmente ele estaria para o fundo em foto que concluí seria de entre 1882 e 1887. Mas a inicial desse senhor na legenda da foto parecia ser "I" em vez do "J" que está escrito na PLANTA e as concessões podem ter sido atribuidas em 1887 ou depois (a planta que seguimos é de 1897) por isso não há certeza se nessa foto estava o mesmo "de Coster" e se ela foi tirada na sua concessão na Catembe, mas a meu ver não se deve andar longe. 
Vejamos então um pormenor dessa foto já conhecida:
Seria o concessionário "de Coster" um dos dois senhores sentados (europeus)?
Se sim presumo que fosse o da esquerda mas ...

Olhando para a foto completa vê-se que o terreno em volta era plano e a vegetação parecia ser de campim e arbustos, o que não excluiria ser na zona da Catembe que agora é assim.
Aqui e aqui / aqui e a propósito de répteis podemos ver que um Juste de Coster vivia por volta de 1889, por isso compatível com a data estimada da foto de cima e próximo do período da concessão, em Delagoa Bay / LM pelo que o "J." da PLANTA podia realmente ser de Juste. Ele seria cônsul honorário da Bélgica e por isso podia ter negócios próprios, como os que vimos em cima com Benningfield. Se olharmos para a foto completa nota-se melhor que foi seu objectivo usá-la como exposição etnográfica, o que seria compatível com o seu interesse cientifico e que veio a imortalizar o seu nome (aqui referência a duas cobras recolhidas por ele e que foram enviadas via museu sul-africano para um naturalista na Europa). Penso por isso que ficamos agora a saber quem era o DeCoster da foto e que ele era o concessionário dos 500 hectares mas ...
No fantástico site molengenealogy podemos ver que um "de Coster", certamente ele, passou pelo porto de Durban (Port Natal) em 1886 vindo de Inglaterra e com destino a LM:
De Coster passageiro do vapor Anglian que ia de Southampton para Delagoa Bay (LM)

De Coster foi nessa viagem companheiro de um Brumheim que presumo fosse Gustav Bruheim que Eduardo Noronha no livro "A Rebelião dos Indígenas" dizia ser um alemão que vivia nas terras de Maputo, quer dizer da região a sul da Catembe (ver NB ao fundo).
Vejamos então a localização da concessão de "de Coster" na Catembe (e de outra de que falaremos noutro artigo):

PLANTA de 1897 para a Catembe
Amarelo: concessão de De Coster
Laranja: de que falaremos noutro artigo.

Passemos a outra concessão, esta na margem norte do estuário:

Concessão marcada a verde (ver na PLANTA completa em baixo):
Concessão de Donaldson e Sievwright no pântano / vale do Infulene pelo que me parece seria apropriada para certo tipo de agricultura. Essa concessão era mencionada neste livro
Donaldson e Sievwright 

Vê-se no Longland Pretoria Directory que Donaldson e Sievwright tinham uma destilaria de bebidas alcoólicas em LM cerca de 1898. Aqui vê-se que os nomes mais completos eram James Donaldson e Edward Sieveright, eram de Johannesburgo e tinham interesses em minas na antiga grande Rodésia. 
Emilio de Roure cujo nome também aparece em cima surge aqui como tendo dívidas em 1896 e a Delagoa Bay Agency não sei porque aparece referida, estariam Donaldson e Sievwright relacionados com essa companhia?
Recordo a planta completa onde apareciam as concessões dessa época, incluindo a "verde" que acabamos de analisar:

PLANTA de 1897
Vermelho: linha da circunvalação, limite previsto para a cidade
Linha azul clara: estrada de Marracuene, para norte
Azul escuro: estrada para Lydenburg no Transvaal, para oeste
Linhas brancas saindo da Baixa para oeste = esquerda: caminho de ferro
Verde: concessão de Donaldson e Sievwright no pântano / vale do Infulene
Outras cores: demais concessões vistas neste artigos

No total com esta PLANTA e o que sabiamos antes ficaremos a conhecer (com a do próximo artigo) nove grandes concessões de terrenos na cidade de LM e arredores. Na altura o Estado também aforava terrenos e parece-me que os foros eram para áreas mais pequenas e que estavam já urbanizadas mas pode haver outras diferenças entre eles e as concessões. Fico sem saber quanto custavam as concessões (à cabeça e depois pagamentos periódicos) ou se eram gratuítas mas a troco de compromissos para o "bem comum" assumidos com o Estado. 
No próximo artigo falaremos da concessão "laranja" que tem uma grande história por trás.

NB: Eduardo Noronha afirma que um Gustav Bruheim em 1894 estava casado com uma irmã do régulo da região de Maputo a sul do estuário mas durante a revolta ronga teve de recuar para a cidade. E é referido aqui citando um livro do reverendo HA Junod "Gustav Bruheim, a son-in-law and major adviser of Zambili (ou Ingoanazi como diz Noronha?) especially lost face as he was blamed for the failure of the expedition" o que se refere ao facto de o régulo ter prometido apoio militar a Portugal mas à última hora ter recuado não tendo seguido o conselho de Bruheim.  
Na dissertação de doutoramento de Olga Neves a poetisa Noémia de Sousa aparece a dizer: “Nasci na Catembe, numa daquelas velhas casas coloniais com a varanda toda à volta. Nasci em 20 de Setembro de 1926...Fui a mais nova de seis irmãos. A minha mãe chamava-se Clara Bruheim. Era filha de Alemão e de Ronga!... Naquela altura penso que o seu pai e o seu tio teriam sido caçadores porque viveram bastante no que então se chamava Maputo, que era depois de Catembe, mais para o interior, mais para o pé da fronteira com a África do Sul. Havia muitos elefantes, muitos animais selvagens. E naquela altura fazia-se muito comércio de marfim, de pérolas (...) E os homens que viviam assim tinham sempre a tendência para arranjar mulheres filhas dos chefes para terem a liberdade de fazerem as suas caçadas...”. Deduz-se então que estiveram dois irmãos Bruheim nas terras de Maputo e aqui vê-se que o avô de Noémia era Max, e que tal como Gustav teria casado com uma senhora africana que era filha de um chefe ronga, Belenguana. Assim não sei bem se serão descendentes de Gustav ou de Max e das suas esposas africanas mas descendentes de Bruheims para além de Noémia temos também Guilherme Bruhein, um dos fundadores de "O Brado Africano" e actualmente Carlos Bruhein, antigo guarda redes do Ferroviário e (com a grafia original) Flora Bruheim, antiga ginasta e viúva de Eusébio.

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