Defesa de LM em 1894 - Rainha de Portugal, mais do navio e tripulação (14/14)

Falámos no artigo anterior desta série sobre a defesa da cidade de Lourenço Marques (LM), actual Maputo em 1894 da grande contribuição da guarnição desembarcada da corveta Rainha de Portugal, comandada por Morais e Sousa (Moraes e Souza), mais tarde contra-almirante, para a resposta aos ataques ocorridos na segunda metade desse ano.
Segundo o relato de Eduardo Noronha (EN) no livro "A Rebelião dos Indígenas" o imediato do navio em 1894 era o 2.° tenente Sepúlveda, que também teve papel destacado na organização da força portuguesa em terra. Ele aparece aqui em foto da revista Serões em artigo desse autor e já com a patente militar acima dessa, quer dizer alguns anos mais velho:

FOTO 1
Vitor Leite de Sepúlveda, imediato da Rainha de Portugal em LM

Segundo a Revista da Armada Vitor de Sepúlveda que quando jovem tinha sido republicano no 5 de Outubro esteve do lado monárquico, foi preso e pediu a demissão de oficial da Armada.
Eduardo Noronha dá ainda grande destaque ao desempenho em terra, participando nas rondas e guarnecendo os postos de defesa e as barricadas, dos guardas-marinha (posto de quem tinha terminado a formação da Escola Naval e era aspirante a oficial) NogueiraPinto CardosoPereira da SilvaSantos e Silva Cardoso (note-se que a Revista da Marinha fala só de Vitor Leite de Sepúlveda, Pedro Pinto Cardoso e de Carlos Freitas da Silva que não era referido por EN).
No Álbum n.4 do arquivo da Marinha encontramos cinco fotos de oficiais com esses apelidos. Serão eles muito provávelmente (3 têm até os dois apelidos coincidentes e um desses confirma-se separadamente) pois tinham os cinco atingido o posto de segundo tenente, uma progressão na carreira que tinha passado pelo posto de sub-tenente e que era compatível com os 8 anos decorridos desde 1895. Daqui podemos também conhecer os seus nomes completos, o que poderia ser confirmado pela leituras dos livros mestres de cada um destes oficiais também disponíveis no arquivo da Marinha, particularmente para os casos de Nogueira e de Santos para os quais as dúvidas são maiores: 

FOTO 2
João Carlos da Silva Nogueira
FOTO 3
Pedro da Cunha e Sousa Pinto Cardoso
FOTO 4
António Julio Pereira dos Santos
FOTO 5
José Maria da Silva Cardoso
FOTO 6
Fernando Augusto Pereira da Silva

O último destes oficiais, Fernando Augusto Pereira da Silva teve carreira destacada tendo chegado a Ministro da Marinha em 1925 e 1926 como se pode ver na Wikipedia (1871-1943). Diz-se aí sobre a sua comissão em Moçambique na época que aqui seguimos: "Fez a sua primeira saída para o mar, ainda como aspirante, em 1893, numa viagem à então África Oriental Portuguesa...Promovido a guarda-marinha a 20 de Julho daquele ano, é destacado para a corveta Rainha de Portugal, então afecta à Divisão Naval do Índico, sediada em Moçambique. Durante a sua permanência no Índico, dá-se o ressurgimento da resistência à presença portuguesa em Moçambique ... Neste contexto, a recém-criada (município e vila em 1875; cidade em 1887) cidade de Lourenço Marques é ameaçada por forças comandadas pelo régulo Mahazuli, levando a que o grosso das forças navais portuguesas fosse destacado para a sua defesa. A bordo da Rainha de Portugal, Pereira da Silva chega à baía de Lourenço Marques a 9 de Setembro (de 1894). O primeiro ataque ocorreu na noite de 23 de Setembro, sendo rechaçado mas com grandes baixas de parte a parte. Os ataques sucederam-se durante o mês de Outubro, apenas cessando com a chegada da expedição de socorro entretanto enviada de Lisboa. Promovido a segundo-tenente em 7 de Dezembro de 1895, depois de uma passagem pela fiscalização e defesa costeira metropolitana, Pereira da Silva regressa a Moçambique, assumindo a 23 de Junho de 1896 o comando da canhoneira Obús, integrando a Esquadrilha do Zambeze". 
Podemos ver essa lancha canhoneira (o canhão está à frente bem visível) em foto do Arquivo da Marinha:

FOTO 7
Obus com duas rodas de pás laterais (side wheeler)

Note-se no que diz este artigo: "As rodas únicas (à ré, stern wheeler) geralmente são usadas em barcos fluviais .. As rodas laterais são usadas tanto em barcos fluviais como em embarcações costeiras. Possuem maior capacidade de manobra, pois a força pode ser direcionada para uma roda de cada vez".  Outra lancha com nome de arma é a Obus (igual à Granada). Segundo o site MGP a lancha Obus (e a Carabina) era uma "lancha-canhoneira de 24t construída em Inglaterra em 1891 para servir nos rios de Moçambique. Armava com um canhão-revólver e uma metralhadora. Em 1908 foi abatida ao efectivo".
Fernando Augusto Pereira da Silva foi demitido do cargo ministerial pelo golpe militar de 1926 que conduziu depois ao Estado Novo e Salazar ao poder mas adaptou-se bem aos novos tempos e em 1935 já na reserva por ter atingido o limite de idade foi "excepcionalmente ... promovido a contra-almirante". A classe de fragatas portuguesas  Almirante Pereira da Silva, três unidades que navegaram entre 1966 e 1985, honrou o seu nome.
Note-se ainda que na descrição das operações da campanha de 1895. António Enes refere-se também ao médico da corveta Rainha de Portugal (e aos das outras) mas não o nomeia: "Primeiro pedi auxilio à marinha: os doutores da Rainha de Portugal, da Quanza, da Diu e da Affonso d'Albuquerque andaram sempre destacados em terra, e um delles chegou a ir ao Intimane" que era novo um posto militar instalado na margem do rio Incomáti pelo que se deduz daqui que o pessoal militar dos dois ramos (exército e marinha e também da polícia) durante a campanha foi polivalente.
Ficamos assim a conhecer aqui a maior parte dos oficiais da corveta Rainha de Portugal entre 1894 e 1895 que estiveram no porto de LM durante o cerco à cidade. 

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