John Orr's em LM - secções no último edifício, ligações à África do Sul (8/9)

Continuamos a falar da sucursal dos grandes armazéns John Orr na cidade de Lourenço Marques (LM), actual Maputo. Como dissemos no artigo anterior neste falaremos do interior do edifício aí inaugurado em 1953 que vimos aqui seguindo e tentaremos fazer um pouco o seu paralelismo com o de Johannesburg, o "flagship store" dessa cadeia comercial sul-africana. 
A seguir temos uma foto de Carlos Alberto Vieira reproduzida do álbum "Recordações de Lourenço Marques" com a devida vénia. O texto que a acompanha diz que se estaria no 34o aniversário desse armazém, o que teria de ser a contar da data da sua primeira abertura em LM no ano de 1919 e o que nos levria a 1953. Como esse é precisamente o ano da inauguração do novo edifício e daí presumo que a intenção da foto tivesse sido a de mostrar essa novidade no panorama comercial laurentino (note-se ainda que o resto do texto, presumo que escrito recentemente para contextualizar a foto, diz que "esta fotografia remonta-nos à década de 60" o que pelo que vimos manifestamente estará errado). 
Vemos então aqui o interior do edifício construído em LM expressamente para a firma John Orr e que ela utilisou até à independência de Moçambique e mais alguns anos:

FOTO 1 (em LM)
John Orr, "espaço de comércio mais cosmopolita e chique da cidade
 influenciado pelos armazéns ingleses"


Sobre o que se vê nesta foto o texto da reportagem da inauguração publicada no jornal LM Guardian que mencionámos no artigo anterior descrevia as secções em que a loja de LM estava organizada (género "department store"):
Rés do chão: tecidos, vestuário para homens e o texto não era muito claro mas presumo que também as secções de louças, perfumes, retrosaria, bijuteria, meias, etc. 
1o andar: moda / vestuário feminino, calçado, brinquedos, tapeçaria, mobília de sala, camas e colchões, cretones, toalhas, roupa de casa, electrodomésticos, utensílios domésticos e máquinas de escrever. Estava também no 1o andar, segundo piso, a administração que pelo que entendo teria acesso separado como dissemos a propósito da variação da fachada para a Rua Joaquim Lapa que se via nesta foto.
Na FOTO 1 vemos em primeiro plano a retrosaria (parece-me ver cartões com botões) e mais para o fundo mostradores com louças, por isso pela (aparente) descrição do jornal trata-se do rés do chão. Chego também à mesma conclusão comparando as entradas de luz natural que se vê nesta foto e as aberturas que se vê do exterior (FOTO 1 do artigo 4) e deduzo que o segundo piso (1o andar) podia ser um pouco mais baixo que o rés do chão que se vê em cima. Noto ainda que é possível que esta FOTO 1 esteja invertida (rodada horizontalmente) em relação ao que devia ser mas ...
No muito participado grupo de FB Alto Maé LM duas conhecedoras da loja ao comentarem essa foto também aí reproduzida confirmam a informação importante que estava na reportagem do jornal de 1953 e o que deduzo dela pois dizem o seguinte:
ML Carvalho: Está foto é do rés do chão. No primeiro andar, tinha muito mais!
MJ Azevedo: ... no 1° andar havia mais secções, mas o r/c. tinha mais secções, porque no 1°, a secção de cortinados e mobílias ocupava muito espaço, que era retirado no Natal para a exposição de brinquedos e receber o Pai Natal.
O artigo do jornal destacava a modernidade das novas instalações do John Orr em LM e que os clientes estavam mais à vontade para escolher sem serem observados pelos empregados dado que os "balcões apareciam disfarçados em montras" e que os empregados só intervinham se para tal chamados. A FOTO 1 mostra realmente os balcões a servir de expositores mas não dá para ver bem se as roupas estariam já penduradas em cruzetas acessíveis aos clientes como nas lojas de moda actuais ou se era ainda preciso pedir-se à empregada para trazer o que se quizesse provar, presumo que sim.
Lembro que em 1940 tinha aberto em LM o que deve ter sido o primeiro grande armazém da cidade, a Casa Coimbra. Foi também instalado em edifício expressamente construído para o efeito mas suponho que ocupasse só o seu rés do chão e não sei que organização interna teria. Por isso em termos de apresentação e variedade e qualidade dos produtos não sei qual o grau de novidade que a passagem do John Orr para o novo edifício trouxe ao comércio laurentino.
Podemos tentar comparar o estabelecimento de LM do John Orr da FOTO 1 com o interior da sua loja em Johannesburgo nos anos 40/50 na foto seguinte. Ela foi publicitada pelo fornecedor de mobiliário que era inovador na época (balcões e armários) House of Sage e constatar que o aspecto geral e princípio organizativo, pelo menos da secção aqui à vista, parecia o mesmo das secções do mesmo tipo em LM. Parece-me no entanto que mobiliário  usado e a decoração geral em Jo'burg era mais requintada do que em LM:

FOTO 2 (em Johannesburg)
Mobiliário e decoração no interior do John Orr em Jo'burg
 talvez na mesma época da FOTO 1 de LM

Podemos recordar aqui o aspecto e o ambiente - incluindo as clientes e empregadas - nos tempos aúreos destes grandes armazéns no mundo ocidental e na África de Sul (sob o regime de apartheid). O autor dessa foto é o reputado David Goldblatt e o texto acompanhante dizia "In a department store, probably John Orr's on Von Brandis Street. June 1965" pelo que seguramente seria em Joannesburgo mas tanto podia ser no John Orr central que localizamos no artigo anterior (aqui na esquina de Von Brandis com Pritchard Street) como num dos seus concorrentes na área.
A brochura do John Orr de 1946 de que falámos no artigo anterior enunciava para o estabelecimento de Johannesburg, para além das secções do tipo que vimos em LM mas que seriam em escala maior e poderia haver mais algumas (pois tinha 50 secções ocupando 7 pisos) que no edifício havia um grande salão de cabeleireiro e um salão de chá. 
Sobre este último num grupo sul-africano de FB (sobre Springs) e aqui muitas participantes na altura pré-adolescentes, recordam as idas aos John Orr ao sábado com as mães ou família completa. Como se tratava de cadeia de armazéns elegantes elas iam vestidas com as melhores roupas (presumo que lá compradas nas idas anteriores ...) e o interessante é muitas referirem como "ponto alto" da visita a passagem pelos salões de chá. 
Jean Collen no seu blog completa essa impressão dando de modo eloquente detalhes sobre o que se passava genéricamente nesses salões de chá dos grandes armazéns de Jo'burg e mostra até uma foto dos anos 60 do John Orr visto da Pritchard Street e frente ao OK's Bazaar (o reclame por cima estava virado para a Von Brandis St, "preta" na esquina "verde" aqui): "Then the tram swept along its tracks on Main Street into the city centre with its smart shops, such as Ansteys, John Orrs and Stuttafords. Upmarket ladies of leisure from the suburbs, complete with matching hats, gloves, seamed stockings and hair newly set (sometimes blue-rinsed) whiled away their time, while  their maids, gardeners and nannies kept their homes, gardens and offspring in pristine condition. These matrons met their friends for morning tea in one of the big department stores. Starched tablecloths (toalhas de pano engomadas), silver cutlery (talheres de prata), pleasing crockery (louça agradável) and an attentive waiter who probably knew his clientele by name served them. They drank tea or coffee and selected fancy cakes from three-tiered revolving plates to the strains of a discreet pianist or Hammond/Lowry organist playing popular tunes of the day. They were further entertained with a dress show of the latest fashions on sale in the shop. The mannequins paraded round the tearoom, discreetly informing each table of the cost of these creations, which could be purchased in the dress department of the store". 
Na reportagem do LM Guardian não é referido que no John Orr de LM tivesse existido um salão de chá, apesar de ser um grande edifício e construído de raiz. Apesar da aparentemente óptima "customer experience" que esses salões de chá na África do Sul proporcionariam, será que os planeadores da firma acharam que esse tipo de serviço não se coadunaria com o estilo de vida português? Teria por exemplo sido interessante que o edifício de LM tivesse sido planeado para ter o salão de chá no terraço que se pode ver na foto aérea seguinte:

FOTO 3
Verde claro: Av. da República, actual 25 de Setembro
Castanho escuro: terraço do edifício do John Orr parcialmente desocupado

A FOTO 3 com as perspectivas da fachada principal e do terraço permite entender-se porque o edifício de LM visto só de frente (aqui) ou quase (aqui) parecia ter mais que os dois pisos acima do solo (não sei se tinha cave) que efectivamente tinha. De facto vê-se que a sua fachada principal subia bastante acima do terraço que ficava no tecto do segundo piso ou primeiro andar. Também se via que as duas grandes faixas de janelas horizontais ao longo da fachada embora estivessem simétricamente distribuidas na vertical da fachada acima da cobertura do passeio não o estavam em relação aos dois pisos, a menos que o segundo (primeiro andar) fosse muito mais baixo que o primeiro (rés do chão) que se via na FOTO 1.
No próximo artigo concluiremos a série sobre o John Orr falando sobre o sistema de movimentação de pagamentos usado nestes grandes armazéns digamos na primeira metade do século XX (20).


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