Facobol na Av. de Angola e na Malhangalene de LM, actual Maputo (1/2)

Já tinhamos falado da Fábrica Colonial de Borracha aqui e aqui a respeito do filme Aspectos duma Capital disponibilizado em linha pela Cinemateca Portuguesa e que mostra algumas indústrias em Lourenço Marques, actual Maputo cerca de 1952. 
Entretanto li uma interessantíssima entrevista feita pelo Arquivo Histórico de Moçambique (AHM) em 1981 a uma operária africana da fábrica, a Sra. Felizmina, e que lá trabalhava desde 1949 por isso ainda na sua instalação que aparece no filme. Consegue-se combinar a sua informação oral com a visual do filme, que devia ter tido som originalmente mas que se terá perdido, ficando-se assim a saber muito mais do que com esses elementos individualmente. 
Um dos pontos relevantes do que a Sra. Felizmina disse é que em 1949 a fábrica funcionava no bairro da Malhangalene e por isso ficamos com ideia geral da localização do edifício cuja fachada é bem visível no filme e de que mostro a seguir uma captura de imagem:

FOTO 1
Fachada da Facobol na Malhangalene a receber o sol da tarde

Fomos confirmar a primeira impressão e podemos dizer que este edifício veio depois a ser o da garagem Vitória que vimos aqui em foto do FB Malhangalene. Ele ficava na actual Rua da Resistência, antiga dos Heróis de Marracuene em frente à Rua do Caramulo (antiga?) aqui e à sua esquerda estava e está ainda uma cantina que faz esquina com rua de Seia (Seja no google maps).
No google earth - história vê-se que o telhado e miolo da antiga fábrica da Facobol / Garagem Vitória foi completamente esventrado e que foi aí reconstruido um armazém que parece ser do mesmo tipo do inicial, talvez as paredes e a fachada originais tenham sido mantidas mas não sei, só quem por lá passar poderá dizer.
A Sra. Felizmina na entrevista falava da importância do cilindro na produção da fábrica mas referia-se já à nova instalação na Av de Angola. De qualquer modo na da Malhangalene já se viam máquinas com cilindros, duas até. Eis a primeira:

FOTO 2
Cilindro onde se metiam pedaços de borracha
e donde saía prensado um tapete desse material

Segunda máquina com par de cilindros rotativos:

FOTO 3
Entrava um tapete de borracha e e saía outro mais fino e com marcas

Depois do que suponho fossem os primeiros passos para transformar a matéria prima em elementos para o fabricos dos produtos finais que se via em cima, sigo então o que me parece ser o processo de fabrico das sapatilhas brancas para ginástica na Facobol da Malhangalene. 
Vê-se ainda em capturas de imagem do filme da Cinemateca Portuguesa a sala onde a Sra. Felizmina devia trabalhar. Tendo ela entrado para a firma em 1949 e sendo o filme de 1952 é possível que fosse ela uma das senhoras aqui presentes debruçadas sobre as máquinas de costura:

FOTO 4
Operárias cozendo sapatilhas (sapatos de desporto)

As sapatilhas eram feitas de lona por cima e lados e com sola e protecções laterias de borracha. 
Na fase seguinte do seu fabrico, um carrinho com sapatilhas era introduzido num dos fornos:
 
FOTO 5
Empregado empurra carrinho em carris levando sapatilhas para o forno

As sapatilhas vão ao forno para que os elementos em borracha se fundam entre eles e se liguem aos elementos em lona. 
Segue-se o fim do processo de fabrico para as sapatilhas:

FOTO 6
Colagem das palmilhas e embalagem 

Ficamos também para o final do filme da cinemateca com uma ideia da produção da Facobol em 1952:

FOTO 7
Botija de água quente, bolas de jogar, tubos, chupetas, anel de brincar

No filme a partir do minuto 11:26 penso que se vê a produção das bolas, que nascerão da junção de duas calotes esféricas que aparecem a serem introduzidas num forno.
Segue-se a entrevista feita pelo Arquivo Histórico de Moçambique (AHM) à Sra. Felizmina que trabalhou na Facobol desde 1949 até pelo menos 1981. Apesar da ideologia marxista-leninista vigente no pós independência em 1975 quem fez a entrevista parece ter sido equilibrado na sua orientação. Na resposta, para além de dar muitos dados sobre a fábrica e exprimir os seus valores como pessoa e profissional, a Sra. Felismina queixava-se das condições de trabalho e remuneração do passado mas de forma contida (não aproveitando a oportunidade para fazer-se passar por uma heroína revolucionária) e também, pelo que diz e pelo que não diz, não me parecendo acreditar muito em "amanhãs que cantam".
No próximo artigo falaremos mais sobre a fábrica na sua segunda localização, a da Av. de Angola.

Entrevista do AHM (feita em 1981, publicada em 1987) aqui separada em 3 partes
AHM - parte 1: entrada para a firma em 1949

A Sra. Felismina refere aí o serviço de "galoar" mas não conheço essa palavra e não lhe encontro sinónimo na net em português. Presumo que seja da família de galochas, as botas de cano alto de borracha, por isso um termo especializado da indústria.
Continuando:
AHM - parte 2: passagem para a fábrica na Av. de Angola

E por fim:
AHM - parte 3: final da entrevista

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