Obras do Porto na base da Ponta Vermelha: textos de APL e Galvão (1/5)

As chamadas Obras do Porto (OdP) em Lourenço Marques (LM), actual Maputo decorreram na enseada da Maxaquene, começando junto ao seu lado nascente = leste, entre 1897 e 1899. 
A FOTO 1 mostra para o fundo o seu local inicial, a base do promontório da PV e é então uma vista da enseada da Maxaquene a oriente da Baixa da cidade e para nascente = leste anterior aos grandes trabalhos do aterro que existe actualmente (ver aqui) e que começaram em 1915. Como a foto foi publicada em 1901 no álbum "A Souvenir of Lourenço Marques" provávelmente terá sido tirada já depois do fim das OdP. Deve ainda notar-se o seu impacto dado que tinham sido interrompidas pouco tempo antes mas devido à grande distância para a objectiva não se vê pormenores.

FOTO 1 em duas versões e sem e com marcas
Branco: barreira da Maxaquene terminando para sudeste no promontório da PV
Cinzento: parte da barreira que talvez tivesse sido escavada
para se obter material para aterro no estuário e/ou enseada.

Amarelo: parecem muros e protegeriam as zonas para o seu interior 
da entrada das águas
Castanhos: duas barras ou linguas de terra paralelas ao estuário
Vermelho: ponte (em pedra) entrando para o estuário

Preto: face ao estuário o limite da enseada, a qual começa 
à esquerda = norte na base da barreira 
Azul claro: estuário do Espírito Santo, actual de Maputo
Azul escuro: baía

Sobre a fiada de elementos que se vê para lá da linha a amarela, na direcção da barreira (norte) para o estuário (sul) ver o artigo Em 1888 tinha sido concessionado a Charles Wack a construção dum muro-cais entre a Praça de NS da Conceição (seria a depois Praça 7 de março, actual 25 de junho) e a Ponta Vermelha que se vê para o fundo da foto. Esse muro-cais iria fazer um aterro e Wack ficaria com parte dos terrenos assim criados mas esse projecto não foi concretizado.
Em 1896 e como escreve Alfredo Pereira de Lima (APL) na obra História do Caminho de Ferro foi encarregado o Engenheiro Silvério de efectuar o estudo geral do melhoramento do porto de LM. APL sublinha aí que para os interesses locais a ponte da alfândega que funcionava com as barcaças que iam buscar as mercadorias aos navios fundeados no estuário tinha sido satisfactória. Para eles a prioridade para a obras deveria ser o alargamento de terreno para depósito de mercadorias e parece que o Governo decidiu em conformidade como vemos aqui a seguir (noutro artigo veremos essetema em mais detalhe). Resumia assim APL o que estava previsto para as Obras do Porto:
1. conquista de 72 hectares de superfície de terreno ao estuário na enseada da Maxaquene; 
2. rectificação das margens (lógicamente seria do estuário, vemos em baixo explicação mais completa, estes items estão todos relacionados);
3. construção de muro-cais acessível a pequenas embarcações com extensão de 2 km. Como veremos seria este muro que possibilitaria o ponto 1 e ele isolaria do resto do estuário a enseada natural da Maxaquene. O limite a leste deste muro-cais seria para o sopé do promontório da Ponta Vermelha e o limite a oeste na Ponte da Alfândega;  
4. extinção de pequenos pântanos.
O muro-cais acostável para grandes navios que ficaria para oeste da doca de abrigo = de pequenas embarcações não era então da maior prioridade. 
O Eng. Lopes Galvão escreveu em 1940 no livro "A Engenharia Portuguesa na Moderna Obra de Colonização" que a intenção da 1a secção das chamadas Obras do Porto (OdP) era de um "muro-cais para pequenas embarcações, estendendo-se entre a Ponta Vermelha (PV) e a ponte da alfândega" que ficava um pouco a montante da fortaleza e que o verdadeiro porto seria na segunda secção das obras, o que está em linha com o que APL escreveu. O Eng. Galvão é a fonte mais abalizada (e presumo que foi a principal de APL)  dado ser um conceituado técnico da especialidade e ter estado em Moçambique pouco tempo depois dos factos que serão aqui abordados. A sua descrição das OdP é resumidamente: "Desde cedo se constatou que apesar das boas condições naturais era preciso muito investimento no porto de LM para o tornar capaz de dar resposta ao tráfego local e do Transvaal. O muro-cais entre a Ponta Vermelha e a Baixa, rectificando a costa que fazia aí uma enseada e que teria 2 km de extensão, permitiria também fazer o aterro da enseada da Maxaquene. Aí conquistar-se-ia uma superfície de 72 ares (are = 100 m x 100 m) ao estuário o que resolveria o premente problema de espaço necessário para se instalar os telheiros e armazéns necessários para a alfândega, o porto e os caminhos de ferro. Desses aterros sobrariam ainda talhões que seriam vendidos a privados e que pagariam pelo menos parte dos custos das obras. O Eng. Silvério da Silva vindo de Lisboa foi encarreg(ado) desse projecto e as suas obras começaram em 1897. Mas elas foram logo afectadas por falta de verbas/materiais e por divergências de opinião entre as várias partes envolvidas, o Eng. Silvério, o governador-geral, a comissão técnica, o ministro, etc e desenrolaram-se lentamente e em pequena escala. Em Junho de 1899 o Eng. Silvério pediu a exoneração do cargo e regressou a Lisboa e esse primeiro plano para o porto a juzante do estuário = lado oriental da Baixa básicamente terminou aí.
Quanto ao que foi feito nesse período entre 1897 e 1899, na FOTO 1 vê-se ao fundo à direita um terreno de forma vagamente rectangular saindo da base da Ponta Vermelha (PV) e entrando para dentro do estuário para oeste = poente. Como veremos em baixo, numa planta de 1897 por aí a costa estava um tanto afastada da barreira e tinha uma saliência triangular que penso foi o ponto de partida para o que se vê na foto. Suponho que se tenha decidido começar os trabalhos das OdP por esse limite da enseada que ficava mais junto à baía dado que sendo esse o local mais exposto às águas marítimas seria também o que, uma vez aterrado e levantado, protegeria mais rápidamente os trabalhos no resto da enseada. Penso então que se começou por reforçar e expandir essa saliência inicial da costa tanto para dentro do estuário (para sul) como para o interior da enseada (para oeste). Pelo que se vê parece-me que o que foi feito a esse nível foi significativo e como veremos depois outro autor quantifica-o em cerca de 10% do aterro total da enseada.
A FOTO 2 seguinte foi tirada no mesmo sentido que a anterior mas mais para o interior na barreira. Penso que estava maré baixa na enseada, onde havia zonas em que se formava lodo ou pântano e que na maré alta a água chegaria a talvez uns 100 metros da base da barreira (digamos existiria costa e praia estável de uns 100 metros de largura ao centro da enseada, onde ela seria mais larga do que nos extremos).

FOTO 2
Ponta Vermelha ao fundo e terreno no sopé da encosta

Para mostrar a dificuldade de analisar estas imagens sem dados mais concretos, como os dois grandes barracões que se vê na FOTO 2 colocados quase na perpendicular à encosta foram construídos para os trabalhadores das OdP, eu estaria em crer que tivessem sido instalados antes do início das OdP o que daria uma ideia donde teria estado o limite da costa e praia natural antes de 1897. Mas isso não é certo porque os trabalhos iniciais podem terem sido feitos com trabalhadores instalados noutros barracões ao lado da encosta. 
No que respeita à enseada da Maxaquene, na FOTO 2 não se via a barra maior marcada a castanho escuro (a da direita) na FOTO 1 e a barra mais pequena para a esquerda = norte se existia não estava tão bem definida, mas como veremos com outros dados o que isso significa também é difícil dizer.
Em baixo na FOTO 3 vemos melhor os dois barracões que aparecem mais de frente nas fotos e um pouco menos do terreno vagamente rectangular daí para a direita, que seria em parte natural e em parte conseguido por aterro no início das OdP.


FOTO 3
Ao fundo os barracões da "primeiras obras do porto"

Na FOTO 3 parece-me que ao fundo a passagem para a Praia da Polana pela base da PV estava obstruida por pedregulhos que sabemos existiram por lá até cerca de 1911 - ano da inauguração do combóio para a praia.
Para os elementos marcados a amarelo e castanho que parecem não naturais e para o marcado a vermelho que evidentemente não o era, no artigo seguinte veremos possíveis explicações mas mesmo com elas não se pode ter a certeza do que realmente seriam todos os elementos na altura da foto ou teriam sido durante as OdP. 
Passemos à FOTO 4 em baixo que tendo em conta a passagem para a Praia da Polana estar desimpedida será das fotos mais recentes e por isso muito posterior ao fim das OdP em 1899. A legenda original da FOTO 4 é no entanto "Obras do Porto" o que significa que o termo "obras" era aí usado com o significado de "local e/ou resultado" e não com o significado de "acção". Como veremos em baixo o termo "obras" foi aplicado nos mapas também com os significado de "local e/ou resultado"o que não está mal porque pode ele pode ter os dois significados


FOTO 4
"L.M. Obras do Porto", significando um local e não trabalhos em curso

A FOTO 4 parece posterior às três anteriores porque o aterro na base da PV parecia menor do que na FOTO 4 (ia aí mais para dentro do estuário) e os barracões maiores de frente e que se viam nas FOTOS 2 e 3 tinham desaparecido. Mas na FOTO 4 via-se bem a barra na enseada próxima da praia que se tivesse sido criada na sequência da OdP como suponho, quando mais distantes estivessemos no tempo do fim das obras em 1899, mais ela se teria dissipado. Penso por isso (mas com as reservas já explicadas) que o facto de se ver ou não essa barra dependia principalmente da maré, o quer dizer que ela terá aí permanecido até ao início do aterro em 1915 embora o que dela fosse visível variasse.
Por fim tentemos ver o mais relevante nos mapas, um anterior e três posteriores às OdP da época. Mas sem sabermos quais eram os planos iniciais da OdP e não tendo perdurado no tempo estruturas que tivesse sido construídas por elas (para além de uma zona aterrada na enseada) é dificil ter-se muitas certezas sobre o que foi feito e sobre como se planeava fazer o muro-cais e o aterro em combinação (clique na imagem para aumentar):

MONTAGEM de mapas de 1903 a 1906
amarelo: sob a zona do início dos trabalhos da OdP
mancha laranja claro: costa e praia naturais, indicativo
mancha castanho escuro: aterro das OdP, indicativo
em baixo à direita, mapas de 1903 a 1906: sublinhado laranja, antigas obras do porto
línguas castanhas: barras de terra saíndo da saliência a leste 
para o centro da enseada da Maxaquene
Mancha verde: aterro que deve ter sido feito durante as OdP e restado depois, indicativo
Mancha laranja: costa e praia original, indicativp

O mapa de 1897 (planta cadastral do Arquivo Histórico Ultramarino) mostra presumo a situação antes do início dos trabalhos que aconteceu nesse ano. Indicado a amarelo no mapa de 1903 está o terreno penetrante no estuário que se via nas fotos e onde terá sido feita a transição entre a costa natural (seria aí a mancha laranja claro, notando-se uma saliência na costa/praia naturais) e o aterro feito nas OdP (expandindo-se a protuberância natural para a esquerda = oeste / noroeste e para baixo = sul), mas tudo muito aproximado.
Quanto aos barracões vê-se que em 1903 havia os dois encostados ao lado da barreira como na FOTO 1 e nos dois mapas à direita, que vão de 1903 a 1906, aparecem os dois barracões grandes - marcados a azuis - mais ou menos perpendiculares à barreira que se viam nas FOTOS 2 e 3. Nesses dois mapas aparecem também as duas barras paralelas no estuário que suponho terão existido desde 1899 embora como disse possam nem sempre ter sido representadas ou estarem visíveis nas fotos. 
O tema das Obras do Porto (OdP) continua no artigo seguinte principamente com a informação de Montague George Jessett (MGJ).
Série de artigos sobre as OdP aqui.

NB: Será importante referir que em 1897-1899 a fotografia ainda era pouco comum. Os equipamentos, produtos e técnica quase que a restringiam a profissionais dos quais fotos sistemáticas do burgo de Lourenço Marques (LM), actual Maputo tinham sido as de Fowler entre cerca de 1884 e 1886 (feitas para a sua companhia dos caminhos de ferro), depois as de Manuel Romão Pereira entre cerca de 1889 e 1891 (feitas para o Estado) e algumas ditas de 1895 que se encontram nos arquivos holandeses. Por isso as duas primeiras colecções não foram de iniciativa privada e seria de esperar que o Estado tivesse querido acompanhamento fotográfico também sas OdP, até porque era a maior empreitada pública em Moçambique até então, e suspeito que as fotos resultantes estejam "esquecidas" algures.
Quem depois fotografou minuciosamente LM mas de motto próprio foram os irmãos Lazarus que chegaram em 1899, o ano em que as obras terminaram. Nesse ano estariam provávelmente em processo de adaptação e instalação mas não sei se mesmo depois dos fim dos trabalhos fotografaram as OdP de perto (a FOTO 1 foi tirada de longe e não era específicamente sobre as obras). Ponto a notar é que os Lazarus não eram jornalistas (embora mais tarde tivessem respondido a encomendas de jornais ou actuado como free lancers) nem artistas: Eles ou outros estabelecidos em LM nesses tempos eram básicamente fotógrafos comerciais pelo que esperavam que as suas fotos tivessem compradores e gerassem receitas que compensassem o seu trabalho e despesas. Não creio que os incipientes aterros e dique / molhe das OdP fossem muito fotogénicos ou chamassem a atenção pela grandiosidade por exemplo para que a partir das suas fotos se comercializarem postais de correio. Já em 1898  parte do que tinha sido construido tinha desaparecido na natureza, reduzindo-se assim a possibilidade de ser fotografado. 
No final ou porque não foram feitas ou porque não estão acessíveis na net não tenho fotos contemporâneas ou pouco posteriores das OdP que sejam reveladoras Como consequência para as nossas descrições e impressões estamos básicamente restringidos aos textos que chegaram até nós.

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