Combóio para a praia da Polana de Lourenço Marques de 1911

O primeiro acesso rodoviário à praia da Polana de Lourenço Marques, actual Maputo foi construído em 1910/11 pelo Caracol como se relatou aqui
Veremos agora outro meio de transporte para a praia da Polana criado cerca de um ano depois. Começamos pela estação de caminho de ferro da Polana construída no fim dessa linha/ramal e que como se vê foi colocada a pouca distância da barreira:  

Presumo inauguração da estação de caminho de ferro da (Praia da) Polana

Uma foto na revista Ilustração Portuguesa disponibilizada pela Hemeroteca de Lisboa mostra em 1914 a linha de combóio da baixa para a Polana e mostra também a ausência de estrada. 

Legenda original: Um trecho do ramal da Polana (em 1914).

A linha de cima não pode ser confundida com a do carro eléctrico pois esta requeria postes para a linha alimentação eléctrica enquanto que os combóios aqui usados eram movidos a vapor. 
Este é um bilhete deste combóio que segundo o anúncio no e-bay era de 1912.
Bilhete para o ramal da Polana em 1912

Alfredo Pereira de Lima (APL) na obra "História dos Caminhos de Ferro de Moçambique" fala brevemente desta linha. Ela resultou dos pedidos aos novos poderes feitos pelas forças vivas da cidade a seguir à instauração da República em Outubro de 1910 e seria uma maneira de desenvolver o turismo em Lourenço Marques com o objectivo de o fazer ombrear com o da cidade de Durban no Natal, África do Sul. A linha foi inaugurada em Outubro de 1911 partindo da estação central na Baixa da cidade. Mas a Delagoa Bay Development Company que tinha a concessão das linhas de eléctrico protestou devido à concorrência "desleal" e queixou-se ao governo britânico e em consequência o serviço de combóio foi interrompido em Dezembro de 1911. Em Fevereiro de 1912 foi reatado mas sem paragens intermediárias entre as suas estações terminais da Baixa e da Praia da Polana certamente para ter em conta o protesto da Delagoa Bay DC, mas a meu ver limitando muito a atractividade da linha. 
Como só a partir de 1915 se fez o aterro da enseada da Maxaquene, inicialmente o combóio da Polana na ligação da Ponta Vermelha à Baixa teria de seguir no espaço de terra seca junto à barreira. Em baixo temos a conhecida foto dos Lazarus com a vista para nascente = leste tirada até 1908 e se olharmos bem veremos aí uma linha férrea (detalhe no quadrado branco) que suponho tivesse sido instalada para as Obras do Porto (Decauville ou não, não se consegue ter a certeza) mas o seu traçado deve ter sido aproveitado depois para a ligação por combóio à praia da Polana a partir de 1911.
Ponta Vermelha e baía para o fundo

Há outra referência à via férrea para a Polana numa legenda do livro Xilunguíne de Alexandre Lobato (AL). Na foto de baixo vê-se carris seguindo uma linha recta a atravessar o aterro da Maxaquene e como este foi concluído cerca de 1920 a foto tem de ser posterior. 
Legenda de AL: ... aterro atravessado por via férrea para a Praia da Polana 
então distante (postal editado cerca de 1922)

Devido à carvoeira Provay (par de torres de elevação por rampas) que se vê ao fundo posso dizer que a foto de cima é de 1922 no mínimo o que é compatível com a legenda. 
Na foto original podem ver-se postes o que quer dizer que a linha tinha já sido adaptada para a circulação do carro eléctrico pois o combóío inicial para esse lado tinha sido a vapor. Não sei se Lobato se apercebeu disso e pois a sua legenda ao mencionar "via férrea" é um tanto dúbia pois esse termo é mais associado a combóio e não ao carro eléctrico que seria provávelmente o que lá existiria. 
O carro eléctrico seguia em frente para dentro da Baixa na mesma direcção da "linha amarela" e passaria aí pela Av. da República onde ele tinha já circulado na sua secção mais a poente. Por outro lado o combóio que é de 1911 não pode ter passado nessa direcção pois o aterro é posterior e o linha do combóio seguia pela borda da enseada quer dizer cruzando a foto do centro para a direita pela zona do muro branco. Como vimos nestes artigos parece-me que a linha do combóio na Baixa  vinha primeiro pela direcção da rua Lapa / Slovo i.e pela esquerda = sul do muro branco mas antes dele teria curvado para norte para a rua da Imprensa e depois curvado para leste para a Av. da Republica, actual 25 de setembro e daí teria de curvar para norte de novo para seguir na borda do estário. Tudo isso parece demasiadamente complicado mas essa linha foi projectada à pressa por isso ... Lembro ainda que numa linha férrea as curvas teriam de ter um certo raio. o traçado deve ter sido reaproveitado para a linha de carro eléctrico para a Polana visto que foi em 1922 que se deu essa alteração. De notar ainda que o eléctrico momeçoua a circular por aí em 1922 e não sei se foi essa a origem para Lobato do ano que colocou na legenda.
Resumindo a foto de cima deve mostra a linha do carro eléctrico por duas razões, a linha de combóio não passou pelo meio do aterro e não precisava de postes, a menos que esses fosse de telegrafia.
Podemos ver uma sequência de mapas e planos para esta zona da Ponta Vermelha cujos extremos defeni pela marca amarela no cruzamento junto ao Hotel Cardoso e pela vermelha no Farol na Ponta Vermelha e onde seguiremos o que se passou na sua base junto ao mar (clique na imagem para aumentar):
1903: a escarpa, na ponta mais saliente quase por baixo do farol, vinha até à água. 
Assim por aí nem podia passar estrada nem combóio entre a Baixa e a praia da Polana
1909: estava planeado um aterro (partes cor de rosa) e a avenida, por isso a base da escarpa mais avançada da Ponta Vermelha não devia ter sido ainda atravessada.  
1925: já por aí passava a avenida marginal para a Polana, vê-se que não se afastou muito da barreira e até se afastou menos do que tinha estado previsto em 1909

Como nestes palnos / mapas não estão desenhadas as linhas de comboío e de eléctrico e não se vê onde foi colocada a estrada em relação a elas ficamos, sem ter em conta outros dados, sem conhecer em detalhe a evolução na base da Ponta Vermelha. Para mais há um grande intervalo no período que podia ser relevante entre 1909 e 1925 (há um bom mapa de 1915 mas infelizmente tem a zona da Ponta Vermelha rasgada) e havendo informação  por outra via que a estrada para a praia da Polana foi feita em 1926 fica-se sem entender porque ela já aparecia desenhada em 1925 (teria havido aí outra estrada antes de 1926?, incluiria esse mapa da direita o que estava planeado fazer-se para os anos seguintes?).
Resumindo o mais importante deste artigo, antes de 1911 não havia nem estrada nem transporte público entre a Baixa e a praia da Polana, nesse ano foi inaugurado o combóio a vapor e como tinhamos já visto em 1922 passou a haver carro eléctrico para a praia. E comprova-se pela segunda foto que em 1914 não havia estrada na base da Ponta Vermelha.

Um artigo de Eduardo Abrunhoza menciona o combóio como preponderante para um dia na praia da Polana em 1914 onde havia uma prancha de mergulhos, rede de protecção de banhistas e um restaurante propriedade dum Sr Brossoni. Tinhamos visto aqui que uns dez anos antes o pontão devia ter sido do Sr. Almeida e provávelmente uns 8 anos depois de 1914 construiu-se aí o Pavilhão de Chá. Na FOTO 4 deste artigo pode recordar-se como era essa praia na altura.

Texto de E. Abrunhoza para leitores da revista Ilustração Portuguesa na Europa
Vermelho: referências ao combóio
Laranja: referência ao Caracol

Ver mais sobre os trabalhos de construção da linha de combóio na passagem da Ponta Vermelha aqui.

Nota de fim de página 1080 na dissertação para obter o grau de doutor "Um império projectado pelo “silvo da locomotiva” de Bruno José Navarro Marçal: "Lourenço Marques Guardian, 10 de Outubro de 1918, p. 5; João Alexandre Lopes Galvão, A engenharia portuguesa na moderna obra da colonização, pp. 79-80: o caminho-de-ferro da Polana era uma linha minúscula, destinada a estabelecer uma ligação desde a cidade até àquela conhecida estância de veraneio: “Estava-se em fins de Agosto de 1911 e a Comissão de festas do 1º aniversário da República resolvera festeja-lo à moda antiga com música e foguetes. Foi-lhe sugerido fazer alguma coisa de novo e útil. A comissão aceitou o alvitre e o Alto Comissário criou a escola comercial 5 de Outubro e deu os fundos necessários para se construir um caminho de ferro que ligasse a estação central à prais. Estava-se a um mês das festas e por isso a decisão da Comissão causou estupefacção geral! Seria possível estudar e construir um caminho-de-ferro que, apesar de curto em extensão, pois não chegava a medir cinco  quilómetros, apresentava dificuldades formidáveis por ter de contornar a «falaise» da Ponta Vermelha? Pois a obra projectou-se e realizou-se no prazo marcado, tendo a linha sido inaugurada e aberta à exploração no dia 7 de Outubro de 1911. A engenharia portuguesa dera com esta minúscula mas difícil construção uma prova excelente da sua capacidade construtiva. Nacionais que não acreditavam na exequibilidade da obra em tão poucos dias e estrangeiros que viviam na cidade, ficaram surpreendidos com o facto que mais lhes pareceu obra de milagre. Dezenas de apostas se fizeram jogando «na branca» apenas os que tinham confiança cega no engenheiro construtor. Se ele dizia que se podia fazer, o público não tinha o direito de duvidar!”; Gazeta dos Caminhos de Ferro, 1 de Dezembro de 1937, pp. 560-561"

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