Linhas de caminho de ferro da Baixa de Lourenço Marques para oriente (3/4)

Primeiro neste e mais recentemente neste artigo falei de duas vias férreas que terão cruzado (deduzi a existência da das obras do porto a partir duma foto de Lazarus e a da praia da Polana existiu seguramente) pelo menos desde c. 1897 até 1922 a Baixa da cidade de Lourenço Marques (LM), actual Maputo, de ocidente (o lado da estação de caminhos de ferro) a oriente (o lado da Rua da Imprensa na borda da enseada da Maxaquene e até esta ter sido aterrada).
"Concluí" aí então que para oriente = nascente do centro-sul da Baixa entre a Praça 7 de Março, actual 25 de Junho e a Rua da Imprensa, que a linha das obras do porto de c. de 1897 teria passado pela Rua de Nossa Senhora da Conceição, actual de Timor Leste ou por muito perto. Para a linha da praia da Polana que funcionou de 1911 a 1922 não tenho dados específicos mas suponho que não deve ter andado por longe desse trajecto da linha anterior. 
Vou agora analisar onde essas linhas teriam sido instaladas entre a origem que seria do lado da estação de caminhos de ferro e o lado oriental da Praça 7 de Março, actual 25 de Junho, de modo a entrarem ou na Rua de NS da Conceição ou numa das suas paralelas. Como não há dados dos autores habituais sobre os seus trajectos, não sei se as duas linhas seguiram ou não o mesmo. Para este lado ocidental da Baixa pensarei prioritáriamente na linha da praia da Polana que me parece mais fácil de abordar. Haveria três hipóteses digamos entre a estação e o centro-sul da Baixa: 
Hipótese 1. passagem urbana pela Rua Araújo. Problema é nunca aparecer uma via férrea nas fotos da rua nesses tempos, por isso elimino; 
Hipótese 2. passagem urbana pela Av. da República, actual 25 de Setembro. Problema era a sua ligação directa à estação e não ser claro que a via férrea que existiu na avenida continuasse para oriente, por isso elimino;
(ver também nos mapas do artigo seguinte que as hipóteses 1 e 2 não estavam representadas)
Hipótese 3. passagem ao longo do recinto do porto, que penso seria de longe a melhor solução e que investigarei com a FOTO 1 combinando-a com a hipótese a. do artigo anterior de prosseguimento pela Rua de NS da Conceição mais para leste. A foto principal da FOTO 1 é de 1933 mas pode ser usada com a ressalva que explico em baixo (clique para aumentar). Sobre o traçado da linha depois da Rua da Imprensa (partes marcadas com as cores roxo, laranja e carmesim) que fica para o fundo da FOTO 1, falei já no primeiro artigo desta série. 

FOTO 1 
Preto e branco: curta recta da linha férrea na Rua da Imprensa
Vermelho: hipótese a. de traçado pela Rua NS da Conceição da linha das obras do porto
Verde escuro (seta branca): entrada da Casa Holandesa
Verde claro: limite a sul da Praça 7 de Março, actual 25 de Junho
Amarelo: limite a norte e leste da terra firme segundo o mapa de 1909 
e que existiu na realidade até cerca de 1920
Mancha azul: limite do estuário e da enseada da Maxaquene até c. de 1920
Castanho escuro: fachada virada a poente = oeste do Capitania Building
Seta rosa: aponta na direcção da estação de caminhos de ferro
Verde escuro: avenida 18 e depois 28 de Maio, actual M. de Inhaminga 
Rectângulo purpura: zona ao centro-sul da Baixa onde está a maior dúvida 
quanto ao(s) traçado(s) da(s) linha(s), ver a seguir
Castanho claro: Av. da República
Outras cores: ver correspondência na MONTAGEM 1

Ainda em relação ao visto no artigo anterior, na FOTO 1 e para a primeira curva marcada a vermelho à entrada da Rua da Imprensa, recordo que a linha da praia da Polana de 1911 já não poderia ter esse desenho e teria de curvar para a esquerda mais à frente e com menor raio.
De novo veremos aqui que para ocidente = poente do centro-sul da Baixa na FOTO 1, coloquei a seta rosa no recinto do porto apontando para o lado da estação de caminhos de ferro onde Alfredo Pereira de Lima disse ter sido a origem da linha da praia da Polana (veremos isso com mais atenção no artigo final). 
Já foi dito anteriormente que o traço amarelo de limite da terra firme e a correspondente mancha azul da água do estuário só deixaram de ser relevantes após as obras do aterro da enseada da Maxaquene concluidas em 1920. Por isso antes de 1920 não podia haver linhas férreas passando a sul do Capitania Building e da fortaleza que lhe estava imediatamente por trás, o que quer dizer que se as linhas viessem do recinto do porto ao chegarem à direcção do centro-sul da Baixa (no enfiamento da Praça 7 de Março) teriam de cruzar para o interior = norte entrando na zona urbana. Essa zona de ligação entre o recinto do porto e o hipotético traçado pela Rua NS da Conceição (marcado a vermelho) está marcada pelo rectângulo a púrpura na FOTO 1. 
Para tentar confirmar a hipótese 3. passamos para a MONTAGEM 1 com quatro fotos na primeira década dos século XX (20) e onde procurei linhas férreas que pudessem vir do lado da estação e que depois da Praça 7 de Março pudessem seguir pela Rua NS da Conceição (ou por paralelas mais a norte o que não faria grande diferença). As cores aí marcadas são as mesmas da FOTO 1.

MONTAGEM 1
Azul escuro e laranjas: telhados dos armazéns mais a oriente no porto
Seta azul médio: edifício do relógio
Seta e oval azul clara: monumento a António Enes ou esse local anteriormente a ele
Preto: muro do recinto do porto. Actualmente fica muito mais para a direita = lado da terra.
Linhas azul claro: limites a sul, leste e oeste da praceta de António Enes
Branco: recta na direcção norte-sul passando pelo edifício do relógio e pelos
 limites a nascente = leste da praceta de António Enes e da Praça 7 de Março
Verde escuro (na primeira foto)Avenida 18 e depois 28 de Maio, actual M. de Inhaminga
que actualmente limita o recinto do porto pelo seu lado norte

As quatro fotos da MONTAGEM 1 foram tiradas na direcção do sudoeste a partir do alto do Capitania Building, por isso são de c. de 1905 ou posteriores pelo que para além do espaço geográfico cobrem também o espaço temporal em que a linha da praia da Polana teria aí passado segundo a hipótese 3. Tentei colocá-las em sequência e pelo menos a primeira é claramente anterior à última tendo em conta o monumento a António Enes que é de 1910. A terceira foto é de Outubro de 1912, data fulcral para a análise pois aí a linha férrea para a praia da Polana estava em pleno funcionamento.
Se numa destas fotos que fosse anterior a 1911 se vissem carris e travessas de via férrea a curvar para a Praça, estaríamos a ver a provável linha das obras do porto (mas como essa linha deve ter sido desmantelada ainda no século XIX, não era expectável aparecer nestas fotos já do século XX). Por outro lado se numa destas fotos se visse carris e travessas e a foto fosse de 1911 ou posterior, estaríamos a ver a linha da praia da Polana inaugurada nesse ano. Mas é claro que nas fotos da MONTAGEM 1 não se vê carris e travessas duma via férrea vinda do recinto do porto do lado direito das fotos e a curvar para a Praça do lado esquerdo.
Há entanto um postal com vista similar dessa zona (reproduzido do site delagoabayword) e da mesma época das duas últimas fotos de cima (comparar por exemplo as árvores junto ao muro do recinto do porto) e onde pode estar uma linha férrea que poderia ser compatível com a hipótese 3 e que por isso se terá de analisar com atenção.


FOTO 2 (clique para aumentar)

Rosa: marca ao centro de carris (clique para aumentar)

Outro postal mostra caris nessa zona:

FOTO 3
Carris no solo passando a sul da praceta de António Enes

Não consigo garantir que a linha nas duas últimas fotos seja a mesma, mas pela data e pelo traçado os supostos carris poderiam ser da linha da praia da Polana, que viria do lado da estação antiga e que curvaria (o que seria mais visível na FOTO 2) para o lado a nascente = leste da Praça 7 de Março. Pode-se aqui perguntar: estarão mesmo carris de linha férrea nestas duas últimas fotos? E se sim, porque não apareciam eles na foto de Outubro de 1912 da MONTAGEM 1 dado que a parte do pavimento da rua onde se vê a linha da FOTO 2 parece estar descoberta (sem pessoas)?
Como para a primeira pergunta tenho dúvidas e para a segunda não tenho resposta, parece-me que nestas cinco fotos se perde a possivel pista visual das linhas férreas do centro-sul da Baixa para ocidente, não se conseguindo a ligação ao que teremos visto para oriente nas fotos de AL e possívelmente nas do ACTD (FOTOS 1 e 2 daqui). Noto que este tema volta a ser tratado no artigo seguinte a partir do que está representado por exemplo no mapa de 1914.
Na MONTAGEM 2 faço de conta que nas FOTOS 2 e 3 se via a linha da praia da Polana e imagino como ela se enquadraria no espaço do rectângulo marcado a púrpura da FOTO 1, a sul da Praça 7 de Março:

MONTAGEM 2 (clique para aumentar)
Rosa no postal da esquerda: supostamente marca ao centro dos carris de via férrea
Rosa na foto da direita (grosso): secção da via férrea para a praia da Polana
que seria equivalente à do postal à esquerda
Rosa na foto da direita (fino): o que seria a continuação lógica
da secção visível no postal em direcção à Rua de NS da Conceição
Tal linha que viria de dentro do recinto do porto e saíria dele pouco antes da Praceta de António Enes, com a curva vista em cima teria de seguir para o lado nascente = leste da Praceta e da Praça, passando aí a poente = oeste do edifício Capitania Building. Esse traçado que marquei a rosa na MONTAGEM 2 seria mínimamente compatível com a subsequente entrada da linha da praia da Polana na Rua de NS da Conceição. Óbviamente que as duas curvas da linha nesse espaço não teriam grande raio mas o local estava já bastante ocupado em 1911. Mas como aconteceria para a modificação da curva à entrada na Rua da Imprensa isso não devia ser problema grave pois as composições para a praia teriam só uma ou duas carruagens e seria de esperar que circulassem a baixa velocidade. 
Noto que terá havido mais liberdade de escolha para o traçado da possível linha das obras do porto do que para a da praia da Polana. Por exemplo os kiosks Garnier ou o Pyramid podem ter sido construídos depois do seu desmantelamento onde ela tinha passado, forçando a linha da praia da Polana a rodear a Praça 7 de Março em vez de a cruzar (noto que alterações de traçado teria havido certamente entre as duas linhas pois penso que em 1897 o espaço onde veio a ficar a praceta de António Enes não estava ainda aterrado). Podendo cruzar a Praça a primeira linha podia aproximar-se da Rua NS da Conceição já alinhada com ela (chegando da direcção da Rua Araújo) o que evitava as curvas que vimos na MONTAGEM 2. Problema quanto a esta possibilidade, para além das fotos de Alexandre Lobato que a mostram serem pouco nítidas e só da saída da Praça, é não conhecer mais fotos do final do século XIX (19) mostrando uma via férrea que pudesse ter correspondido à da linha das obras do porto atravessando a Praça.

Resumindo, para as linhas férreas ligando a estação de caminhos de ferro ao centro-sul da Baixa da cidade a melhor (única?) hipótese era pelo recinto do porto e depois a passagem pela Praça 7 de Março até encontrar a Rua de NS da Conceição por onde seguiria para oriente, mas não consegui comprovar essa passagem com fotos. Para o caso da possível linha das obras do porto podemos justificá-lo pela falta de fotos nítidas dessa altura. Mas para a linha da praia da Polana que funcionou de 1911 a 1922, havendo pelo menos três fotos desse período de actividade (das quais uma parecia "boa" mas não se coadunava com as outras duas) e não se conseguindo provar com elas que a linha tenha passado pela Praça, sou levado a concluir que a hipótese não deve ser válida, o que deixa um vazio sobre o tema. 

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