Linhas de caminho de ferro da Baixa de Lourenço Marques para oriente (2/4)

Tinha numa primeira versão deste artigo visto uma via férrea que passava pela Rua da Imprensa e continuava pelo extremo a oriente da Av. da República. Tento agora perceber como ela teria chegado aí vinda do centro-sul da Baixa da cidade de Lourenço Marques (LM), actual Maputo partindo de poucos dados existentes em textos, fotos e mapas. O resultado  fica aquém das minhas expectativas mas talvez seja de interesse para os curiosos e/ou de alguma utilidade para os académicos profissionais que se venham a debruçar sobre o tema. 
Neste segundo de quatro artigos abordarei o trajeto que a mencionada via férrea seguiria desde a Praça 7 de Março, actual 25 de Junho para nascente = oeste até à Rua da Imprensa de que temos a foto que reponho do artigo anterior. Já falámos dos edifícios que ela mostra começando à esquerda = norte pelo chalé da Cruz do Oriente que ficava na esquina da antiga Av. da República, actual Av. 25 de Setembro e terminando na tipografia (Typographia).

FOTO A
 Linha a surgir do centro da Baixa para atravessar pela Rua da Imprensa 
da direita da foto (sul) para a esquerda (norte)
A FOTO A não tem data no ACTD e primeiro ponto que noto aqui é que será no mais tardar de 1909 pois não existia nela o arco do Almoxarifado que aparece na FOTO B de 1909 para a esquerda da antiga fundição (edifício de dois pisos também ao centro esquerda da FOTO A), arco que penso foi construido depois da FOTO A.  

FOTO B
Castanho claro: portal em arco do Almoxarifado na Rua da Imprensa. 
Presumo que tenha substituído o portão da FOTO A
Castanho escuro: construção mais elevada para sul da antiga fundição
que presumo tenha sido adicionada posteriormente à FOTO A
Assim a linha férrea da FOTO A não podia ser a linha da praia da Polana de que falámos aqui porque esta só foi proposta para o final de 1910 e inaugurada em 1911. Como não encontro outra justificação presumo que fosse uma via férrea que teria sido instalada para as obras do porto que foram realizadas entre 1897 e cerca de 1899. Não me membro de referências específicas a essa via férrea mas ela aparece na foto de Lazarus que se pode ver na FOTO 4 deste artigo à direita da estrada marginal na enseada da Maxaquene e que como viria da Baixa teria de passar pela zona aqui discutida. Vou então partir do princípio que essa primeira via férrea existiu e que é a da FOTO A.
Este é um primeiro ponto importante, terá havido duas linhas férreas diferentes ao serviço nesta zona e em tempos separados. A questão que se põe então é se as duas linhas usaram o mesmo trajecto e infraestrutura (carris e travessas) ou não. 
Na FOTO B, que será dum tempo intermédio entre as duas linhas, não se vê carris pelo que me parece que a linha da praia da Polana não veio a usar a infraestrutura da anterior das obras do porto pelo menos nesta zona (na FOTO A vê-se que a linha passava a certa distância dos edifícios ao fundo e poderia estar assim para trás do fotógrafo da FOTO B, mas não me parece). É no entanto possível que as duas linhas tenham seguido o mesmo trajecto (quer dizer que se tenha desmontado a infraestrutura das obras do porto depois do abandono destas e se tenha voltado a montá-la depois para a da praia da Polana) mas não tenho dados sobre isso. Como veremos em baixo parece-me que as outras fotos e informação sobre estas linhas  e nesta zona são relativas à linha das obras do porto, sobre a da praia da Polana não existe nada desta zona (mas existe sobre ela na base da Ponta Vermelha). 
Com esses dados mínimos vou colocar hipóteses para o trajecto da linha das obras do porto entre a Praça 7 de Março, localizada ao centro-sul da Baxa, e a Rua da Imprensa das FOTOS A e B. Tento também ver o que se poderia aplicar à linha da praia da Polana (posterior) e para a qual não tenho dados a não ser que existiu e ser possível que tivesse seguido o traçado da primeira linha. 
Em princípio, haveria quatro grandes hipóteses de traçado:

Hipótese a. Seguindo pela Rua Nossa Senhora da Conceição (depois Alexandre Herculano, actual de Timor Leste), de acordo com Alexandre Lobato (AL) no livro Xilunguíne em que a propósito das fotos que replico em baixo dizia "mostra a Praça  (7 de Março, actual 25 de Junho) atravessada pela via férrea que seguia pela Rua NS da Conceição e dá ideia de que foi preciso aterrrar para ser nivelada". AL não especificava a que linha se referia mas pelo pavimento das ruas adjacentes à linha parece-me que seria dos tempos das obras do porto.

Nas legendas da MONTAGEM A coloco as minhas observações e em itálico tento representar o que AL diz.


MONTAGEM 1
verde escuro: entrada para a Casa Holandesa, cortando a esquina 
da Rua NS da Conceição com a praça 7 de Março, actual 25 de Junho
vermelho: seria a via férrea a atravessar a Praça na direcção da 
Rua NS da Conceição, segundo o que AL diz na legenda das páginas 49/50

seta preta: seria o muro mostrando a altura do aterro feito na Praça 
para se colocar a linha, segundo o que AL diz na legenda das páginas 49/50
verde claro: penso ser uma linha Decauville
Noto que linhas com carris Decauville eram normalmente usadas temporáriamente enquanto decorriam obras e a marca verde claro em cima serve para se ver a diferença entre ela e a linha da FOTO A (com travessas fortes de madeira e carris de 10 a 15 cm de altura) e entre ela e a linha marcada a vermelho na MONTAGEM 1, duas que seriam mesmo vias férreas embora de bitola pequena. 
Se uma via férrea, e presumo eu que era a das obras do porto, entrava pela Rua NS da Conceição do seu lado poente = oeste como AL disse e se parece ver na MONTAGEM 1, então FOTO A poderia ser no extremo dessa rua a continuação da linha para o lado mais a nascente = leste da Baixa da cidade. 

Vejamos então a curva que se vê na FOTO A e que dentro da hipótese a. seria de saída da Rua de NS da Conceição para a Rua da Imprensa (no sentido de saída da Baixa). Olhando só para a FOTO A não posso garantir que a linha viesse mesmo dessa rua mas viria certamente dessa direcção embora pudesse estar mais ou menos afastada do seu eixo e bermas actuais. Para tentar ser mais preciso vejamos o mapa de LM de 1903 em que  coloco a minha sub-hipótese de a. para o trajecto da linha da FOTO A através das marcas vermelho e preto e branco e depois roxo:


MAPA de 1903
Creme: Rua da Imprensa, mais ou menos 
na direcção de norte = em cima para sul = em baixo
Violeta: edifícios da fundição/escola e tipografia, no lado leste da Rua da Imprensa, 
até meio do quarteirão entre as ruas Lapa e de NS da Conceição
Preto e branco: via férrea passando frente a esses edifícios (da FOTO A)
Vermelho e roxo: duas outras partes da via férrea, explicado em baixo
Laranja: edifício na esquina da Travessa Pimenta de Castro, 
actual do Jornal Notícias e Rua NS da Conceição
Verde claro: Travessa Pimenta de Castro, actual do Jornal Notícias
Amarelo: fortaleza nessa altura
Verde escuro: entrada para a Casa Holandesa, como se viu na MONTAGEM 1 e localizada no centro da Baixa
Marquei a vermelho no mapa a curva que se vê na FOTO A virando para cima = norte e que é a de saída da Rua NS da Conceição para a Rua da Imprensa. A roxo marquei a curva virando para a direita = leste = nascente = oriente e que é a de saída da Rua da Imprensa para a Av. da República e que se via na FOTO  1 do artigo anterior:
Olhando para a FOTO A penso ver-se nela à esquerda a travessa marcada a verde claro no mapa. Mas depois desse cruzamento, na FOTO A não estava o edifício da marca laranja do mapa, o que tinha de significar para essa sub-hipótese de a. ser possível que ele não existia ao tempo da FOTO A. Considero que isso seria natural pois este arrabalde do burgo ter-se-à desenvolvido mais lentamente do que o centro da Baixa, pelo que esse edifício pode ter sido construído pouco antes de 1903. Assim, como o mapa é de 1903 e a FOTO A presumívelmente é-lhe anterior, mantenho a sub-hipótese de a. para a curva de saída da Rua NS da Conceição para a Rua da Imprensa marcada a vermelho no mapa. 
Tal também quereria dizer que o edifício marcado a laranja no mapa de 1903 só teria sido construído depois da primeira linha (para as obras do porto) ter sido desmantelada, o que  também significaria que a linha para a praia da Polana, no caso de ter seguido o mesmo trajecto da anterior, não terá podido segui-lo exactamente pelo menos nessa zona (ver PS em baixo). 
Quanto à curva de saída da Rua da Imprensa para a Av. da República como esta era larga não haveria dificuldades com o traçado que desenhei no mapa (a roxo), mas aí continua a aplicar-se a dúvida geral sobre se a linha da FOTO A seria mesmo a das obras do porto ou outra que não consegui identificar..
Vimos então para a hipótese a. o que se passaria na proximidade dos dois extremos da Rua de NS da Conceição, primeiro do lado da Praça 7 de Março, actual 25 de Junho e depois do lado da Rua da Imprensa, e supostamente para a linha das obras do porto. Falta-nos tentar  comprovar a hipótese a. na própria Rua de NS da Conceição e o que temos deste artigo são três fotos antigas da rua mas sem datas estabelecidas: 


MONTAGEM 2
Duas fotos em cima: Rua de NS da Conceição com a Praça 7 de Março pelas costas 
Em baixo: Rua de NS da Conceição com a Rua da Imprensa pelas costas, 
Na duas fotos de cima está Bank of Africa/Barclays visto "em direcção" à Rua da Imprensa e na de baixo esse edifício aparece visto do lado oposto e surgindo ao fundo da Rua de NS da Conceição a Praça 7 de Março que fica ao centro-sul da Baixa . 
Só na foto de baixo da MONTAGEM 2 e por cobrir a totalidade da rua é inequívocamente mostrado que não havia nela via férrea, mas pelo que se vê nas outras duas fotos também é de crer o mesmo. Em geral penso que estas fotos (só sei que a segunda é de Lazarus e assim anterior a 1908) são do período entre o que terá sido o desmantelamento da primeira linha (obras do porto) e a construção da segunda linha (da praia da Polana). Por isso, mesmo que não mostrem a primeira linha, estas fotos não significam que ela não terá passado pela Rua de NS da Conceição, conforme o que AL disse e se parece observar na FOTO A e conforme o que representei na MAPA de 1903 para a sua parte em torno da Rua da Imprensa.  
O que podemos concluir daqui e das análises anteriores (por exemplo em relação ao edifício laranja no mapa) é que a linha da praia da Polana, se tiver passado pela Rua de NS da Conceição depois destas três fotos, teria sido uma nova construção, independente da linha da obras do porto.
Por isso em relação ao trajecto das vias férrea das obras do porto e da praia da Polana na zona oriental da Baixa entre a Praça 7 de Março e a Rua da Imprensa, sem nada de conclusivo, considero a hipótese a. como principal. 
Mas há muitos senãos: podia o que se via na FOTO A ser doutra via férrea qualquer, podia AL não se referir à linha das obras do porto como me parece ter acontecido e não há qualquer outra informação de que a linha da praia da Polana tenha passado pela Rua de NS da Conceição para além de que seria natural ter seguido o traçado da primeira linha. Assim as duas linhas que terão sido as mais importantes (não sabemos se únicas) nesta zona, a das obras do porto e a da linha da praia da Polana, podiam terem passado por outro(s) lado(s). 
Avalio assim outras hipóteses que apresento pelo (meu) grau descrescente de probabilidade, mas notando que todas eles são incompatíveis com a possibilidade de o que se vê na FOTO A e na FOTO 1 do artigo anterior já referido estar ligado às duas linhas aqui estudadas. 

Hipótese b.  Linhas para o lado oriental da Baixa seguindo pela Av. da República, actual 25 de Setembro o que em termos físicos era talver a melhor hipótese. Mas não me lembro de ter lido nada sobre essa possibilidade e nas fotos dessa avenida entre a estação de combóio e a zona relevante dentre a última década do século XIX (19) e a primeira do século XX (20) não se vê aí via férrea. Vê-se linhas Decauville aqui na FOTO 3 e aqui na FOTO 1 mas eram certamente para as obras da avenida ou para pequenos aterros a oriente. E há três fotos neste artigo mostrando a Av. da República na primeira década do século XX (20) onde só aparece a linha de eléctrico. 
Assim em relação à linha das obras do porto penso que não passou pela avenida, em relação à linha da praia da Polana quase tenho a certeza de que não passou. Noto que tratamos neste artigo só do trajecto das linhas até ao actual Teatro Avenida, daí para a frente já sabemos que a linha da praia da Polana acabou por ser instalada mas anos mais tarde e na sua continuação que atravessou o aterro da Maxaquene. 

Hipótese c.  Seguindo pela Rua Joaquim Lapa, actual Slovo, a primeira paralela a norte da Rua de NS da Conceição e a sul da Av. da República. Seria teóricamente um trajecto razoável trajecto mas nas suas fotos antigas não se vê aí via férrea. Pode-se confirmá-lo específicamente para a linha da praia da Polana com as fotos de Hily de 1913 que são dum ano em que a linha estava em funcionamento.

Hipótese d. Passando a sul da fortaleza (de poente para nascente) no que depois foi a Rua Marquês de Pombal, actual Ngungunhane. Mas como se pode ver no mapa de 1903 (fortaleza marcada a amarelo) e comprovar pelas fotos de Hugh Le May esse espaço até 1911 não tinha sido ainda aterrado, eliminando-se de imediato essa possibilidade tanto para a linha das obras do porto como para a da praia da Polana pelo menos inicialmente. Essa zona era como se vê aqui na FOTO 4 e no próximo artigo veremos isso melhor.

A foto seguinte (do ARPAC, mostrada aqui) deve ser do início dos anos 20, data em que a linha férrea para a praia da Polana ou estaria ainda em actividade ou ela teria terminado há pouco (em 1922), mas não mostra nada que possa esclarecer as hipóteses de cima:


FOTO C
Creme: Rua da Imprensa por onde passou a linha da FOTO A mas não se sabe
que linha foi essa havendo duas possibilidades maiores
Azul escuro: Av. da República da hipótese b.. mas onde não se vê via férrea. 
A linha de eléctrico para a praia da Polana estaria para o lado de cá na foto.
Azul médio: Rua Lapa da hipótese c. mas não se vê via férrea
Vermelho: Rua NS da Conceição da hipótese a. de acordo com AL
Castanhos: marcas em curva ao fundo frente à Capitania
Na FOTO C e relativamente à marca a vermelho que seria a da hipótese mais coerente com o que se vê na FOTO A e no que diz respeito à linha das obras do porto, não se vê aí linha férrea, nem restos dela nem os (d)a nova linha para a praia da Polana que possívelmente teria sido depois aí instalada.. 
Relativamente às marcas castanho, entre elas podia estar uma via férrea mas não se vê bem. Se o fosse seria a da hipótese d. mas como viria pela actual Rua Gungunhana que só foi aberta uma vez o aterro da enseada da Maxaquene concluído, esse traçado só teria sido possível depois de 1920 e por isso só se aplicaria à linha da praia da Polana. Para mais esse traçado teria funcionado só durante dois anos pois essa linha encerrou em 1922 e foi substituída pela do eléctrico que não tinha vantagem em vir junto ao porto e também não conheço fotos de tal situação. De qualquer maneira mesmo que o traçado da linha da praia da Polana tivesse sido por aí, antes disso teria presumívelmente sido pela Rua de NS da Conceição, actual de Timor Leste.  
Concluíndo, para além de se ver uma via férrea nas fotos do artigo anterior (uma delas é a FOTO A neste) e dos dados (texto e fotos) de AL, não consigo confirmar se a presumível linha de caminho de ferro de c. 1897 das obras do Porto e/ou a de 1911 para a praia da Polana, na zona da Baixa para oriente = leste da Praça 7 de Março passaram ou não pela Rua NS da Conceição, que me parece a hipótese de traçado mais forte para as duas, ou pelas hipóteses alternativas. Ficam assim aqui alguns novos dados e hipóteses que penso poderâo ser úteis para o estudo futuro do tema.
No próximo artigo tentarei ver onde estas duas linhas terão estado entre 1897 e 1922 para ocidente = oeste do centro-sul da Baixa, quer dizer entre a zona da estação de caminhos de ferro e a Praça 7 de Março, actual 25 de Junho, mais concretamente no ponto à entrada da Rua NS da Conceição a partir do qual o trajecto (no caso da hipótese a.) foi aqui abordado.

PS: Na foto larga de baixo da MONTAGEM 2 à direita vê-se o edifício da marca laranja do mapa de 1903 e logo a seguir a ele passa a travessa aí marcada a verde claro. Como na FOTO A à esquerda está o que presumo ser a borda a oriente dessa mesma travessa, podemos imaginar onde terá sido construído esse edifício na paisagem da FOTO A e a alteração que a linha da praia da Polana teria tido, sendo desviada para a direita para evitar esse edifício e curvando depois mais fortemente à esquerda para entrar na Rua da Imprensa. 

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