MR - novo Teatro Gil Vicente de LM - textos do SIPA e JS Morais (G/)

Para finalizar os artigos sobre o novo Teatro Gil Vicente de Lourenço Marques, actual Maputo iniciados aqui veremos agora mais uns aspectos do edifício:

FOTO 1
Foto original do HoM. Exterior do novo Teatro Gil Vicente e até 1937

O registo no SIPA, o site oficial do património de origem portuguesa, do Teatro Gil Vicente (TGV) que se "ergue na Avenida Samora Machel de fronte para o Jardim Tunduru", sem dúvida alguma o que aparece na FOTO 1 tem como cronologia o seguinte: 
1913, 8 Setembro - inauguração do Teatro Gil Vicente, com capacidade para 1 000 pessoas;
1931, 7 Novembro - o edifício do Teatro Gil Vicente sofre um incêndio, antes da matinée dominical; 
1933 - reconstrução do edifício segundo projecto do arquitecto Nuno Gama e do engenheiro Francisco Cabral.
Quanto a estes nomes de responsáveis estão básicamente de acordo com o que António Rosado escreveu em "Uma Obra" para o novo Teatro Gil Vicente (TGV) e que foi "engenheiro Francisco Cabral, responsável técnico das obras, Dâmaso da Gama, que desenhou o edificio". Noto aqui que procurei por Nuno e/ou Dâmaso da Gama e não encontrei nada na net, por isso não tenho informação complementar sobre esse arquitecto.
O meu problema está na palavra "reconstrução" pois tendo lido este texto do SIPA antes de saber os detalhes que sei agora, pensei que se referisse a reerguer o primeiro TGV mais ou menos como e onde tinha sido inicialmente. Mas como se explicou entretanto o primeiro TGV de 1913 tinha sido na Rua Lapa - facto crucial não mencionado pelo SIPA - e por isso a única ligação entre ele e o edifício inaugurado em 1933 na actual Av. Samora e que pela localização e fotos do registo é o objecto do SIPA foi o nome do Teatro e o seu proprietário, tudo o resto é diferente. 
A diferença entre locais de TGV de que se fala aqui pode ser vista na foto seguinte e não é negligenciável, quer dizer em princípio não devia ter sido fácil confundi-las:

FOTO 2
Azul: novo Teatro Gil Vicente (TGV) inaugurado em 1933
Amarelo: local do primeiro TGV, destruido por incêndio em 1931 

e ocupado pelo prédio Fonte Azul desde cerca de 1944
Castanho: Av. D. Luis, actual Samora, para norte = alta ao fundo

Comentei por isso na caixa apropriada no site do SIPA que seria muito mais claro se dissessem "1933 - construção de um novo edifício para o Teatro Gil Vicente em novo local" mas desde aí uns bons anos se passaram e nada. Mas concedo - embora com muito esforço - que o seu "reconstrução" pode estar ligado ao aspecto "incorpóreo" ou "intangível" da "re-creação" do Teatro embora me pareça que 99% das pessoas associarão "construção" ao aspecto físico, para mais que o SIPA trata únicamente de património edificado (e não dos aspectos empresariais ou culturais que possam estar por trás dele). 

Se ao SIPA dou assim o "benefício da dúvida", isso não acontece ao livro "Maputo Património Arquitectónico" JS Morais, L. Lage e JB Malheiro pois são aí usados os termos "edificação" que é claramente sobre o material e "remodelações - alterações - reabilitações" que também o são e acerca do que vem do passado. Citando então esse livro com a devida vénia da página 77: "O teatro Gil Vicente, datado do período de 1908-13, foi objecto de várias remodelações, tendo ficado a cargo do arquitecto José Cristino da Paula Pereira da Costa. A construção desta nova sala de espectáculos foi iniciativa de Manuel Augusto Rodrigues, então proprietário do que anos mais tarde viria a tornar-se na empresa Gil Vicente. A edificação sofreu varias alterações e reabilitações (1953, 1959 e 1969) que, entre outros aspectos, alteraram pontualmente a sua fachada. Participaram nesta obra, entre outros, os seguintes técnicos: Fernando P. Gomes Pinto, Sotero Dias Ferreira. O edifício mantém a coerência da linguagem, fazendo a transição entre a art déco e o modernismo". No fundo o que está aí escrito é que o actual ("mantém") TGV de LM (na página 69 do livro está uma foto dele enquanto que do primeiro não há imagem) foi construído em 1908 (???) - 1913 e que sofreu alterações várias até se tornar no edifício actual. Curiosamente são referidas alterações em 1953, 1959 e 1969 mas não a do ano de 1933, aquele em que a "alteração" fundamental teria acontecido se de facto o edifício tivesse sido único. 
Na página 185 o livro aponta no mesmo sentido de ter havido um único TGV em LM e que óbviamente será o actual pois consta aí um mapa com a sua posição e coordenadas (Google Maps, c. 25 58 S e 32 34 E). Aí como autor do projecto é apresentado (corrigindo eu duas pequenas gralhas) José Cristiano da Paula Ferreira da Costa, o problema é que esse foi o projectista do primeiro TGV tendo o novo TGV sido desenhado por (Nuno) Dâmaso da Gama, o que mostra a mistura feita no livro entre os dois TGV. 
Porque é que aos autores do livro, conceituados arquitectos, e aos colaboradores do SIPA aparentemente se escapou o facto de ter havido dois edifícios e não um só para o TGV? O novo TGV existe e o seu local é bem conhecido e do primeiro há pelo menos as fotos de Santos Rufino de 1929 (aqui nas três primeiras fotos e aqui na FOTO 5) provando que não era no local do novo = actual. 
Outro ponto que merece nota é que o Arq. Ferreira da Costa que no livro é dito ser autor do TGV que seria um único mas com alterações. Esse arquitecto em LM e na mesma época do primeiro TGV desenhou o edifício de fachada da estação de caminhos de ferro (1913-16), a esquadra da polícia (1914) e o BNU (1914), todos num estilo "belle époque". 
As imagens que disto resultam são:

MONTAGEM 1
Primeiro TGV da Rua Lapa do Arq. Ferreira da Costa comparado com
o novo TGV da Av. Aguiar, actual Samora que o livro diz ser dele

Pergunto-me então se teria sido possível com as "alterações pontuais" de que fala o livro transformar o primeiro TGV que vemos em cima no novo de linhas art deco / modernistas (e isto já nos cingindo só ao seu aspecto exterior)? Como leigo na matéria acho que "alterações pontuais" nunca teriam sido ...
Assumindo que os autores do livro tivessem tido uma "amnésia pontual" sobre o primeiro TGV, recordo outros três edifícios de Ferreira da Costa em LM, o arquitecto que eles dizem ter sido autor do TGV de que falam e que são muito bem conhecidos.

MONTAGEM 2 
Três outros projectos de Ferreira da Costa em Lourenço Marques

Ao mencionarem que o autor do projecto era Ferreira da Costa os autores do livro podiam ter imaginado que o primeiro TGV teria provávelmente sido no padrão destes três edifícios. E a pergunta é a mesma, se t
eria sido possível com "alterações pontuais" transformar um edifício com estas linhas no novo = actual TGV? Intriga-me que aparentemente os autores do livro não tenham se colocado estas questões ao analisarem a cronologia do TGV actual pois penso que elas os teriam levado dividar da linha de pensamento (errada, IMHO) que seguiram.
O livro tem dois desenhos interessantes do TGV que reproduzo com a devida vénia. Como não têm nenhuma explicação tento aqui interpretá-los um pouco dizendo para começar que o primeiro desenho foi realizado e o segundo não: 

DESENHO 1

Projecto de alterações no Teatro Gil Vicente (terreno a descer para sul = esquerda)

Comparando com a FOTO 1 que deve mostrar a fachada original de 1933 (os filmes Arsène Lupin e The Passionate Plumber são ambos de 1932 e naturalmente terao estreado em LM um pouco depois) o DESENHO 1 mostrava a mudança de posição da bilheteira, uma nova construção para norte = direita ocupando o que tinha antes sido um corredor lateral livre e a instalação de persianas / brise-soleil na varanda do primeiro andar. A bilheteira sabemos que está como foi aí projectado e isso deve ter acontecido com esse projecto. Na foto seguinte podemos também ver que as persianas não foram feitas como previsto mas barras mais estreitas tapam agoras duas das suas três partes. Podemos também confirmar que a nova construção para norte existe, mas daqui ficamos sem saber se resultou desse projecto de alterações ou se tinha sido feita anteriormente a ele (ver aqui que já tinha sido feita nos anos 50 quando a avenida ainda se chamava Aguiar). 
ao centro: bilheteira central no exterior
à direita:  nova construção ocupando o corredor inicial e conforme o DESENHO 1

Noto ainda que não consigo ver se a data do DESENHO 1 é 1959 ou 1969, que são duas das referidas no livro para as alterações (1953, 1959 e 1969) que, entre outros aspectos, alteraram pontualmente a sua fachada, mas como disse com a enorme ressalva é que isso aconteceu para o segundo TGV de 1933. 
O desenho seguinte é curioso mas não sabemos o que significa pois podia ter sido um pedido de alteração apresentado ainda durante a execução inicial ou depois da sua conclusão. Sabemos é que não foi executado mas também não sabemos porquê. 

DESENHO 2

Parte superior da fachada seria diferente em relação ao executado.
Varanda no primeiro andar diferente e talvez outras pequenas diferenças

Resto da Informação SIPA sobre Teatro Gil Vicente
Descrição
Edifício de planta rectangular. Fachada (SE.) em estilo Art Deco com friso superior imitando um friso clássico, ao centro do qual existem o letreiro (em neon) GIL VICENTE. Uma grande pala que acompanha toda a fachada do edifício. Base de Laje na parte avançada e telhado de duas águas na zona mais recuada do edifício. 
No nível inferior, ladeado por duas portas (já alteradas em relação ao projecto inicial) situa-se a bilheteira, abrindo-se ao exterior atráves de um vidro único com dois guichets, com uma fina moldura de madeira; sobre o vidro, um rectângulo com pastilha azul e um letreiro "Bilheteira"
INTERIOR: Ao nível do átrio de entrada, existência de um balcão de madeira, no qual se insere uma vitrina envidraçada, servindo actualmente esse espaço de zona de venda de comida e bebidas aos espectadores 
Enquadramento
Urbano, flanqueado, ergue-se na Avenida Samora Machel de fronte para o Jardim Tunduru, nas proximidades da Casa do Ferro (v. MZ910201000024).
Pergunto-me então se teria sido possível com as "alterações pontuais" de que fala o livro transformar tal edifício no do novo = actual TGV (o da FOTO 1 ao cimo deste artigo) de linhas art deco / modernistas (e isto já nos cingindo só ao seu aspecto exterior)? Como leigo na matéria acho que teria sido muito complicado e intriga-me como essa questão não tenha sido colocada pelos autores do livro ao analisarem a cronologia do TGV actual o que os teria levado a questionar a linha de pensamento (errada, IMHO) que seguiram.Pergunto-me então se teria sido possível com as "alterações pontuais" de que fala o livro transformar tal edifício no do novo = actual TGV (o da FOTO 1 ao cimo deste artigo) de linhas art deco / modernistas (e isto já nos cingindo só ao seu aspecto exterior)? Como leigo na matéria acho que teria sido muito complicado e intriga-me como essa questão não tenha sido colocada pelos autores do livro ao analisarem a cronologia do TGV actual o que os teria levado a questionar a linha de pensamento (errada, IMHO) que seguiram.

No próximo artigo falaremos do teatro seguinte que foi construído pela empresa de Manuel Rodrigues.

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