MR - Teatro Manuel Rodrigues de LM - átrio e artista gráfico José Mergulhão (III)

FOTO 1
Bilheteira e portas de entrada do Teatro Manuel Rodrigues, actual Cine África
Passando pela plataforma frente às bilheteiras e passando as portas que se viam na FOTO 1, estavamos no início do átrio do Teatro Manuel Rodrigues (TMR) de Lourenço Marques (LM), actual Maputo na transição entre a fachada principal no exterior e a sala de espectáculo mais no interior. 
Sobre o átrio e voltando à adaptação do texto de António Rosado do seu livro "Uma Obra" dedicado a Manuel Rodrigues (MR) e publicado em 1958 temos: "O átrio do TMR é uma curiosa conjugação de materiais e de cores que dão ao ambiente o maior encanto e suavidade. A decoração das paredes, estilizando figuras da fauna africana, condiz perfeitamente com as vidraças artísticas que separam o átrio do café. Os candeeiros suspensos, enormes, com aplicações de cobre polido, dão um ar de riqueza que se adapta aos espelhos redondos das paredes e fazem realçar as colunas e a escadaria"
Vejamos então o átrio em fotos mais ou menos recentes e dividindo o tema por este e pelo  artigo seguinte:

FOTO 2
Átrio e degraus para a sala de espectáculo à esquerda. 
Ao fundo, para lá da vidraça, o café que tem entrada separada
Conforme a descrição de António Rosado, na FOTO 1 via-se a vidraça que separa do café com cenas pintadas de pesca portuguesa e no tecto do átrio os candeeiros com rebordo em cobre polido.
Reparemos agora em pormenor na fauna africana desenhada nas paredes do átrio:

FOTO 3
Decoração mural no TMR com antílopes

FOTO 4
Candeeiro no tecto com peça de cobre e decoração na parede
Nesta foto notava-se o tecto a "pelar" e era por isso urgente ter-se pelo menos reabilitado o telhado o que como vimos aconteceu recentemente. No entanto ficamos sem saber como terá sido preservado ou não o interior dp TMR, que em parte vemos aqui.
Sobre as decorações do TMR António Rosado escrevia o seguinte em 1958: Ao mestre de cenografia, José Mergulhão (JM), cabe toda a responsabilidade da decoração, o seu trabalho inclui o proscénio, a sala de espectáculos, o átrio e os salões. A Mestre Mergulhão se devem também os cenários das peças que no TMR veremos representar." .
Sobre José Frei Mergulhão que veremos deve ser a mesma pessoa que JM, wikipedia tinha/teve um artigo dizendo que "José Frei Mergulhão foi um dos cenógrafos mais conhecidos em Portugal, tendo ganho varios prémios de cenografia, por ter participado em peças de teatro muito conhecidas. Pintou muitos quadros...  pintou as paredes do Teatro Gil Vicente e também pintou muitos locais em Moçambique"
Assim é aí mencionado o novo Teatro Gil Vicente (TGV) terminado em 1933 mas não o TMR de 1946-1948 no qual de acordo com António Rosado o trabalho de JM se pode confirmar. Quanto ao novo TGV, António Rosado e a demais informação disponível não fazem referência ao envolvimento de JM na sua decoração inicial e como esse trabalho teria acontecido uns 15 anos antes do trabalho no TMR nem sei se JM estaria já activo profissionalmente e/ou em LM nessa altura. É no entanto possível que JM tenha feito a remodelação da sala de espectáculo do TGV (remoção das estátuas) que dissemos aqui aconteceu depois da inauguração. De qualquer modo não me parece que "pintar paredes no TGV" fosse descrição apropriada para o que um conceituado artista gráfico tivesse aí feito.
É também possível que antes do trabalho na construção do TMR iniciado em 1946 ou em simultâneo com ele, que JM tivesse sido cenógrafo no novo TGV e que a wikipedia se refira a tal. Suponho que o cenógrafo teria de produzir cenários para as peças de companhia vindas de Portugal europeu ou do Brasil em digressão a Moçambique e os cenários necessários para espectáculos de poesia, canto, coros, orquestras, dança, variedades, ilusionismo, etc apresentados por artistas visitantes ou por (grupos) amadores locais. Não sei ainda se o cenógrafo do teatro estaria directamente envolvido na feitura dos cartazes de anúncio aos filmes, os grandes para o filme em exibição e os pequenos para os seguintes, que era tarefa totalmente manual e que lhe ocuparia muito tempo também (ou seria isso tarefa para artista gráfico de nível inferior?). 
No IMDB relativamente a JM aparece um filme de 1954 em que foi director artístico, um de 1946 em que foi decorador e um de 1947 em que produziu som e esses filmes foram realizados em Portugal europeu (aqui também referidos trabalhos de fimes em 1946 e 1947)
Para além do trabalho de decorador do edifício para o TMR que terá sido entre 1947 (deixando o primeiro ano depois do início dos trabalhos para que as fundações, telhados, paredes, reboco tivessem sido feitos) e 1948, José Mergulhão aparece referido pelo SIPA como tendo sido o decorador do Palácio da Rádio (tema a que voltaremos) cujas paredes devem ter ficado prontas para tal tarefa durante o ano de 1950. Poderia aí JM ter-se desligado da empresa de MR e passado para a do Rádio Clube de Moçambique ou para a sua construtora, mas olhando para as datas dos trabalhos nos filmes leva-me a questionar se JM trabalharia a tempo inteiro em LM ou se só viria ali por contratos temporários. Em dois artigos sobre o RCM (um e dois) ver-se pormenores do seu salão de festas que terá sido decorado por José Mergulhão e como para o caso do TMR não sei se ele terá sido responsável por outras facetas da decoração no interior desse edifício..
No google images aparecem diversos quadros de JM, todos naturalistas e realistas, que estão / estiveram à venda em linha e que são dos anos 50 e 60 e nenhum deles parece especialmente "africano".
Destas pontas de informação muito soltas fica-se a saber que José Mergulhão (JM) pelo menos passou tempos largos em Moçambique durante uns anos e que de 1947 a 1952 - talvez com interrupções pelo meio - com a decoração do TMR e depois do Palácio da Rádio deve ter estado aí bem ocupado. Depois podem fazer-se conjecturas mas sobre muito da presença e actividade de José Mergulhão (JM) em LM como decorador, cenógrafo e eventualmente outras fica aqui um grande ponto de interrogação.
No próximo artigo falaremos mais do átrio do Teatro Manuel Rodrigues (TMR) com fotos recentes e antigas.

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