Carros eléctricos: salva-vidas, paragens e modelos seguindo Salomão Vieira (6/6)

Continuando com o tema dos carros eléctricos em Lourenço Marques (LM), actual Maputo, seguindo Salomão Vieira (SV) no artigo do Boletim n. 9 do Arquivo Histórico de Moçambique de Abril de 1991.
SV diz que uma preocupação da Câmara foi a instalação de salva vidas nos carros pois não os tinham inicialmente. Apesar das disputas constantes, nesse caso a DBDC reparou rápidamente a falta mas só numa das fotos antigas encontro o que devia ser esse dispositivo cuja função seria evitar que o carro passasse por cima de por exemplo transeuntes caídos no chão.

FOTO 1
Carro eléctrico ao cimo da Av Aguiar junto ao Hotel Clube
como vimos aqui ao fundo noutra versão da foto

Agora duas fotos de carros no Museu do Carro Eléctrico do Porto em Portugal. São de modelos mais recentes que os de LM mas a evolução em relação aos da FOTO 1 não perecia ter sido muita e o mesmo se aplicará aos salva vidas:  

FOTOS 2
à esquerda: carro com o dispositivo salva-vidas levantado
à direita: carro com o dispositivo descido (bastava desapertar o cinto)

Na FOTO 1 vemos então um carro que estava a descer para a Baixa de LM, pois apesar de não se ver o guarda-freios o trólei estava virado para a parte mais alta da avenida. Por isso no que nesse momento era a traseira do carro estava um dispositivo do tipo do que se vê à esquerda das FOTOS 2. Na FOTO 1 não se vê bem se à frente do carro estaria um dispositivo semelhante mas descido como se vê na FOTO 2 da direita mas presumo que sim.
Mas como disse, pelas fotos disponíveis a aplicação desse dispositivo salva vidas nos carros eléctricos em LM parece ter sido rara e nas fotos de cerca de 1929 dos albuns de Santos Rufino parece-me que já não os equipava: 

FOTOS 3
Carros em LM c. 1929 só com barras horizontais em baixo, 
sem dispositivos salva vidas em grelha avançada como os das FOTOS 1 e 2

Suponho então que os salva vidas a certa altura tenham sido retirados pois os acidentes teriam tendência a diminuir à medida que as pessoas e os pequenos animais se fossem adaptando à presença nas ruas do novo meio de transportte.
SV disse também que ao princípio as paragens das linhas não era fixas mas passaram-no a ser em Dezembro de 1904 sendo identificadas pelos postes pintados de branco com o dístico  "Paragem". Todavia quando chovia os carros paravam em todos os pontos (em que lhes fosse solicitado, presumo ...). Podemos ver muito bem na já conhecida foto seguinte do norte da Praça 7 de Março, actual 25 de Junho a marca no poste da linha de alimentação indicando ser aí uma PARAGEM. Já tinhamos dito alguma coisa sobre isso neste artigo.

FOTO 4



Do outro lado da rua uma PARAGEM entre o Kiosk Chalet à esquerda = leste
 e o Central / Nacional que estaria para a direita = oeste

Curiosamente vê-se na FOTO 4 do lado esquerdo um carro eléctrico no que tinha sido a linha para a Capitania a qual vinha da Av. Pinheiro Chagas, actual Mondlane. Nessa altura essa linha já tinha o terminal na Praça da Estação como as outras mas as vias iniciais deviam continuar no chão e a ser utilizadas por exemplo como desvio quando necessârio. Talvez fosse esse o caso na FOTO 4 em que um desfile devia estar a vir da direita e por isso o carro que estava a chegar à Baixa e cujo guarda-freios não tinha tido antes visibilidade do que se passava na Praça porque havia uma curva quase em ângulo recto donde vinha tivesse sido arrumado aí. 
Diz ainda SV que quando o sistema de carros eléctricos em LM foi inaugurado no início de 1904 havia cinco carros (não se sabe bem se eram novos ou usados) mas no decorrer desse ano foram recebidos mais seis. Esse eram todos novos e eram quatro de passageiros e dois de mercadorias cuja intenção era o seu transporte por exemplo do porto ou lojas da Baixa para a Alta da cidade. Diz SV que com os nove carros de passageiros (mas alguns estariam sempre danificados por avaria ou por acidentes que foram frequentes) as partidas das estações passaram a ser de 10 em 10 minutos em vez dos 20 minutos de intervalo que tinham tido antes.
SV não o menciona no artigo que vimos seguindo mas podemos ver a seguir um carro de dois andares em LM e que segundo Emídio Gardé (profundo conhecedor e entusiasta do tema que é aqui recordado e que criou um site em que por sua vez homenageia Salomão Vieira) foi aí exemplar raro (legenda a ler no sentido dos ponteiros do relógio):

MONTAGEM 1 (clique na imagem para aumentar)
Carro(s) de dois andares em LM: em local desconhecido, num desenho,
 na Av. Central, actual Marx e na Av. Aguiar, actual Samora

Como pelo menos a foto no canto inferior direito nesta montagem era dos Lazarus que saíram da cidade em 1908, pode-se dizer que esse carro (se tiver havido um único exemplar) terá circulado ao menos nos primeiros anos de operação da rede. Na foto do canto superior esquerdo confirma-se haver uma escada para o piso superior (marca vermelha), nestas três fotos não se vê (cabeças de) passageiros aí sentados mas nesta foto do mesmo tipo de carro e a dar a curva entre as actuais avenidas 24 de Julho e Nyerere isso é nítido.
Dos dois carros para transportes que SV informa terem sido encomendados para LM acho que nunca vi fotos, pode não ter havido procura e terem sido rápidamente revendidos (não sei se seria fácil transformá-los em carros de passageiros. Podemos fazer ideia de como seriam com este belo exemplar duma chamada zorra também do Museu do Carro Eléctrico do Porto em Portugal (zorra).

FOTO 5 (alamy)
Carro eléctrico para transporte (e com o salva vidas de que falámos em cima)

Parece que este carro no Porto seria para uso da própria companhia mas poderia ter sido para outros utilisadores. Pergunto-me como funcionariam os transportes com carro eléctrico em LM, haveria uma carreira com digamos horário fixo (e paragens flexíveis?) ou seria para aluguer específico do tipo táxi?
Quem quiser ter a sensação de estar nesse meio de transporte que era o último grito da tecnologia dos transportes urbanos em Portugal no final do século XIX, pode fazer uma espectacular viagem virtual aqui num carro eléctrico na marginal fluvial da cidade do Porto. Ao minuto 2:15 vê-se bem o salva-vidas à frente. Como a via no percurso inicial é única (só aparece um cruzamento e paragem ao minuto 5.00) e para além sa circulação nos normais muitos carros tinham saído do museu nesse dia (vinha o número 250 das FOTOS 2 atrás do da filmagem e com o salva vidas descido) foram precisas muitas combinações de telemóvel (século XX - XXI) entre os guarda-freios e colaboradores. O Porto foi a primeira cidade de Portugal a aplicar carros eléctricos à rede de transportes públicos e em 1895, foi seguido de Lisboa cerca de 1901 e de Lourenço Marques, actual Maputo em Moçambique em 1904 (mas tinha sido planeado para 1902) como temos visto aqui.
Aqui patente americana para "Safety guard or fender for tramway-cars and the like" de 1907 e aqui desenho duma patente para o mesmo efeito de 1900.

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