Depois do seu início na portela do rio Incomáti nos montes Libombos de que falámos neste artigo, a comissão de demarcação de fronteira entre Portugal e a ZAR (Zuid-Afrikaansche Republiek SAR dos boer) ao tirar a foto seguinte e ao fazer as medições desse local podia dizer que tinha completado seu o trabalho de campo. Tudo dessa época pode parecer irrelevante agora mas foi nesse momento em 1890 que ficou definida a fronteira entre as repúblicas de Moçambique e da África do Sul dos nossos dias do nível de Ressano Garcia / Komatipoort para norte.
FOTO 1
Junção do Pafuri (à esquerda) com o Limpopo (ACTD web_n3268) |
Vimos num artigo anterior que a partir do marco T / campo 26 colocado na margem esquerda = norte do rio Singuedeze e onde acabam os montes Limbombos se separaram as duas comissões nacionais que marcaram a fronteira. Os sul-africanos voltaram às suas zonas de residência habitual e os portugueses continuaram até à junção do Pafuri com o Limpopo (aqui no google maps) de modo a marcarem as suas coordenadas geográficas.
Que esse seria o ponto mais a norte da fronteira estava bem definido nos tratados bem como que seria recta a linha do fim dos Libombos até lá. Noutro artigo especulamos sobre as razões prácticas porque não foram colocados aí marcos, o que simplificou o trabalho da comissão portuguesa nesse percurso final. A comissão fez medidas geográficas nos campos (acampamentos) mas a sua maior preocupação foi de assegurar a chegada ao ponto da FOTO 1 e de garantir a sobrevivência em boas condições do pessoal e dos animais de carga de modo a poderem realizar do Pafuri para a costa outras missões que estavam mais ou menos previstas.
O percurso da comissão está marcado na carta de Jeppe de 1892 (ver em baixo, mancha branca) e seguiu pelo território da África do Sul, a oeste da fronteira. Pode-se argumentar que se não se sabia onde esta era dado não se saber a posição do Pafuri mas presumo que na carta de Jeppe que Freire de Andrade (FA) utilisou esse ponto final estava marcado ms com pouca precisão. De qualquer modo a comissão portuguesa desviou-se tanto para dentro do território sul-africano que só o só pode ter feito conscientemeente. FA não se justifica sobre esse ponto mas diz que a sua maior preocupação foi procurar um trajecto na carta de Jeppe onde pudesse encontrar água e que esta indicava que na linha recta do marco T para o Pafuri haveria poucos cursos e lagos. Não conhecemos essa carta de Jeppe mas na que foi editada depois da missão e se vê em baixo vê-se para a esquerda = oeste da fornteira há mais cursos de água do que para a direita = oeste = lado do território português. Certamente que o percurso a seguir passando pelo território da África do Sul terá sido discutido e acordado antes da retirada da comissão sul-africana .
Na NB 1 faço um resumo da descrição de FA sobre esse percurso mas focando nos aspectos geográficos, logísticos e de calendário. Como acontece no resto do relatório (pdf aqui) FA fala prolongadamente de muitos outros aspectos por exemplo relativos ao encontro com animais selvagens e à interação com as populações locais e que quase não tenho abordado nestes artigos. Mas um episódio surpreendente (e caricato aos nossos olhos) e que na leitura do relatório pode passar despercebido tantos são os desse tipo, foi a autorização de FA aos seus auxiliares para que comessem um leopardo de forma a ganharem coragem para completar a missão dado que eles vinham de terras distantes e ansiavam voltar para trás.
Diz FA noutra parte do relatório que os auxiliares eram cumpridores, gostavam do trabalho porque recebiam o salário e não tinham despesas mas que receavam que a missão se extendesse demasiado para lá do previsto, o que é compreensível porque cedo se devem ter apercebido que FA era movido por alto sentido de "cumprimento do dever" e que por isso corriam o risco de FA prolongar a missão "ad eaternum".
Diz FA noutra parte do relatório que os auxiliares eram cumpridores, gostavam do trabalho porque recebiam o salário e não tinham despesas mas que receavam que a missão se extendesse demasiado para lá do previsto, o que é compreensível porque cedo se devem ter apercebido que FA era movido por alto sentido de "cumprimento do dever" e que por isso corriam o risco de FA prolongar a missão "ad eaternum".
Na pag 43 do relatório lê-se que o grupo mais avançado da comissão portuguesa chegou no dia 20 de Agosto ao Pafuri pelo que tendo a partida sido a 31 de Julho de 1890 levou cerca de 20 dias a percorrer essa parte final da viagem que em linha recta teria sido de 90 km mas que com o desvio para oeste da linha foi muito mais. No total desde a primeira reunião a 2 de junho em Ressano Garcia a missão de demarcação de fronteira levou cerca de dois meses e três semanas (junho, julho e parte de agosto) para percorrer o que se fosse em linha recta seriam cerca de 350 km.
CARTA DE 1892 COM A PARTE NORTE DA FRONTEIRA MARCADA
Nota-se que esta carta de Jeppe indica nove campos intermédios entre inicial e o final deste percurso mas pela tabela do relatório (ver NB 2 em baixo, a saida foi do campo número 26 e a chegada ao número 38) teráo sido onze intermédios pelo que o desenho está incompleto a esse respeito. A razão pode ter sido que no relatório de FA que Jeppe terá lido aparecem por exemplo vários campos localizados na mesma ribeira que se compreende que possam ter sido feitos em locais diferentes mas que Jeppe pode ter "concentrado" na carta.Para finalizar uma foto tirada pela comissão nas margens do Limpopo mas que não é claro que seja do primeiro contacto com as populações habitando ao longo do rio, que seriam depois percorridas durante alguns dias após a saída do campo 38. Aqui vê-se um grupo africano à frente e as carretas atrás, por isso certamente tirada num campo / acampamento português:
FOTO 2.
(Africanos) do Limpopo traje de festa (ACTD web_n4004) |
NB 1: resumo do texto de FA a partir da página 37 e que começa assim: "No dia 3 de agosto, domingo, de madrugada, saíamos do Singwedsi inclinando um pouco para NO para onde se poderia encontrar agua pelas indicações do mappa Jeppe, pois outras não tínhamos" . Agora resumindo:
Inicialmente houve muita falta de água principalmente para os animais de carga das carretas e pouca caça. Todo esse terreno entre os rios Singwedsi, Pafuri e Limpopo tinha pequenas ondulações e pouca vegetação. A 5 de agosto estabeleceram o campo 28 em terreno desconhecido, segundo a tabela. Por volta do dia 7 de agosto encontraram o rio Kolumbeni (azul claro na carta) e no dia 12 o rio Xixá ou Chichá afluente do Singwedsi (não vinha na carta de FA que era de Jeppe e tamném não está nomeado na de 1892) e estabelecem aí o campo 31. Passado pouco tempo passaram a ver no horizonte o monte Zundo ("laranja" na carta) e perto dele acamparam no dia 13 o que significa que estavam bem dentro do território da ZAR = África do Sul. Daí viam o monte Mosemvundero que também não está na carta. FA refere muitos contactos com a aldeia de Rezinga na margem do rio Pafuri mas esta não está na carta. Estabeleceram o campo 32 a 15 de agosto junto às lagoas na origem da ribeira Xixá ou Chichá. No dia 16 de agosto começam a passar em terreno muito acidentado com picos fantasmagóricos e estabeleceram o campo 34 ainda junto a essa ribeira. A partir daí foi difícil encontrar o caminho - veremos mais detalhes no artigo seguinte - pois a comissão era acompanhada de carretas puxadas por animais mas veio um induna de Rezinga servir de guia e seguiram a ribeira Tchindudgi (que não está na carta). No dia 19 chegaram à aldeia de Mas'tulele e compraram alguma comida. No dia 20 chegaram à junção do Pafuri com o Limpopo (FOTO 1) só com o carro de bois, os outros carros com bois e burro atrasaram-se e chegaram só no dia 23 de agosto. Os animais iam morrendo pelo caminho com doença da mosca tsé-tseé. O último campo (o 38) foi assim estabelecido nesse ponto a 21 de Agosto e levantado a 4 de Setembro de 1890.
NB 2: tabela do relatório sobre esse percurso final:
NB 2: tabela do relatório sobre esse percurso final:
Do Singuetsi ao Pafuri, para se estabelecer a fronteira m linha recta |
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