Disse no artigo anterior que o Eng. Richard Thomas Hall tinha sido encarregado em 1876 pela ZAR de efectuar o estudo (que suponho seria preliminar) da linha férrea entre Klip Stapel na ZAR (um ponto alto a oeste da Suazilândia, actual Essautini) e o porto no oceano Índico de Lourenço Marques (LM), também conhecido por Delagoa Bay e actual Maputo.
Em Março de 1877 chegava a Moçambique a conhecida expedição das Obras Públicas vinda de Lisboa e segundo o Eng. Galvão no livro "A Engenharia Portuguesa" na página 72 no seu programa de trabalhos estava incluído e com prioridade o estudo para a passagem dessa linha pelo território de Moçambique. Foi o seu chefe, o na altura Major Machado que disso se encarregou no ano seguinte (1878) e em que apresentou as conclusões ao governo português (é possível que Machado tenha continuado e completado esse trabalho mesmo depois da anexação da ZAR pela Inglaterra em Abril de 1877 porque devia estar adiantado e seria difícil antever que consequências isso teria para a linha).
General Joaquim José Machado (1847-1925), engenheiro que foi por 3 vezes Governador-Geral de Moçambique |
Minha primeira dúvida é o que teria sido exactamente feito por Hall (que sabemos trabalhou nas partes da ZAR e moçambicana da linha) e por Machado, isto é, se o âmbito dos seus trabalhos se complementou ou se sobrepôs. Como vimos antes Hall terá feito o estudo inicial e/ou ante-projecto e pelo menos para a parte portuguesa da linha teria sido mais eficiente se o Eng. Machado tivesse depois feito o projecto final, mas não sei se assim foi e qual a influência real no desenho da linha desses dois técnicos. O Eng. Machado deve ter deixado relatório e esquemas do seu trabalho de campo e de gabinete mas não os encontro "virtualmente" com facilidade para poder esclarecer.
De notar que Moodie era o grande promotor da ideia, um experiente agrimensor do Estado da ZAR, natural de África e conhecedor da região e tinha estudado o trajecto da linha por três vezes e o Eng. Hall era um experiente projectista ferroviário e que tinha mais de dez anos de trabalho na África do Sul. Por seu lado o Eng. Machado tinha chegado a LM em 1877 e ao que sei não tinha experiencia profissional prévia em caminhos de ferro.
Escreveu ainda o Eng. Galvão na página 168 do livro que Machado encaminhou o traçado duma linha para o vale do Umbelúzi e por aí entraria na Suazilândia (território com uns 140 km de largura máxima no eixo este - oeste o qual seria seguido no trajecto). Mas não é aí esclarecido em que ano terá esse estudo sido feito, quer dizer tanto podia ser para a linha de Moodie no final dos anos de 1870 ou para a linha de LM já nos anos de 1880. Mas sendo o objectivo inicial de Moodie o de alcançar Klip Stapel na ZAR o melhor traçado seria pelo vale do Umbelúzi pelo menos até à passagem pelos Montes Libombos (ver as NB 1 e 2 em baixo, esse foi o escolhido no projecto da linha de Goba e da Suazilândia construido entre 1905 e 1910). . A segunda iniciativa e definitiva de linha para a África do Sul dos anos de 1880 e 90 acabou por ser pelo vale do Incomati
Escreveu ainda o Eng. Galvão na página 168 do livro que Machado encaminhou o traçado duma linha para o vale do Umbelúzi e por aí entraria na Suazilândia (território com uns 140 km de largura máxima no eixo este - oeste o qual seria seguido no trajecto). Mas não é aí esclarecido em que ano terá esse estudo sido feito, quer dizer tanto podia ser para a linha de Moodie no final dos anos de 1870 ou para a linha de LM já nos anos de 1880. Mas sendo o objectivo inicial de Moodie o de alcançar Klip Stapel na ZAR o melhor traçado seria pelo vale do Umbelúzi pelo menos até à passagem pelos Montes Libombos (ver as NB 1 e 2 em baixo, esse foi o escolhido no projecto da linha de Goba e da Suazilândia construido entre 1905 e 1910). . A segunda iniciativa e definitiva de linha para a África do Sul dos anos de 1880 e 90 acabou por ser pelo vale do Incomati
Um esboço duma carta de 1869 que nos ilustra um pouco mais esses locais:
Verde escuro: posição aprox. de Klip Stapel, seria o terminus na ZAR mais a oeste
da linha na primeira iniciativa Vermelho: Lourenço Marques, actual Maputo ao sul de Moçambique Amarelo: Lydenburg / Lidemburgo, a sede do distrito nessa altura (ver aqui em cima e Ermelo / Klip Stapel em baixo) Verde médio: Pretória, capital da ZAR seria o terminus na segunda inciativa
Azul escuro: afluente mais a norte do rio Usuthu, mais para a frente Maputo
que desagua na agora baía de Maputo
Roxo: rio Umbeluzi, que desagua no agora estuário de Maputo
Castanho escuro: Montes Libombos, fronteira de Mo4ambique com a Suazilândia
mais a sul e com a África do Sul mais a norte |
Se essa primeira iniciativa de linha do CF de LM de Moodie, da LRC e da Cockerill Co. até Klip Stapel e em que Hall e Machado trabalharam de 1876 a 1878 tivesse sido construída, como em 1881 a Suazilândia passou a ser protectorado britânico (desde 1894 tinha sido da ZAR, daqui) então uma parte central dela teria ficado sob controlo inglês, uma dependência estratégica que a ZAR tinha desde sempre querido evitar. Teria isso tido implicações na operação da linha? Perante o "facto consumado" da linha existir não sabemos se teria havido uma acomodação pragmática entre as duas partes (a ZAR e Reino Unido, para Portugal de quem seria a linha fora das suas fronteiras não era muito relevante se as tarifas e condições de operação fossem razoáveis) ou se tal não seria possível dado o interesse inglês em controlar as ligações externas da ZAR e em direccioná-las para o seu porto de Durban e não para o porto português de LM.
Relativamente ao início da segunda tentativa da linha nos anos de 1880 e antecedendo o seu estudo, em Janeiro de 1882 Machado redigiu o relatório da Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL) "O Caminho de Ferro de Lourenco Marques: Parecer da Commissão Africana e Informação" que foi de seguida apresentado ao Governo Português na sequência de contactos no ano anterior. Aí no que respeita à primeira iniciativa Machado não diz que nelka tivesse intervido por meio do estudo que o Eng. Galvão refere na página 72 (terá sido por modéstia, por considerar irrelevante / inapropriado ou porque não tinha participado?), mas sobre os seus aspectos mais prácticos o resumo de Machado está em fase com a versão dos factos que seguimos nesta série de artigos:
"Sem remontar às propostas de João Albazine, que em maio de 1847 veio do Transvaal a Lourenço Marques conferenciar com a authoridade que ali nos representava, e sem referir muitas outras tentativas que se fizeram depois d'aquella epocha, para a abertura de estradas ordinárias e organisação de diversos systemas de transportes, que nunca deram resultados satisfatórios, bastará que relate o que se tem passado desde 1875, anno em que o engenheiro Richard Thomas Hall, procedeu aos primeiros estudos no terreno, por determinação do governo do Transvaal, para o effeito de reconhecer o grau de possibilidade que o paiz offereceria em relação á construção de um caminho de ferro. Foi nos trabalhos do engenheiro Hall, que o sr. Moodie se baseou, para pedir ao nosso governo concessão para construir uma via férrea atravessando o território portuguez, desde o porto de Lourenço Marques até á fronteira do Transvaal, concessão que lhe foi dada por contracto de 20 de abril de 1876, sendo-lhe garantida a subvensão de 7 contos de réis por kilometro, além da posse de terrenos, isenção de direitos e outros donativos.
Poucos mezes depois de assignado este contracto que abria vastos horisontes a dois paizes até então sem importância notável, chegavam a Lourenço Marques navios carregados de carris, travessas, wagons e mais material, tudo destinado à construcção do caminho de ferro, que se esperava começaria em breve com grande actividade, mas que se não poude levar a effeito em consequência do Transvaal perder a sua independência, sendo annexado à Inglaterra e considerado província britannica, em 12 de abril de 1877.
Só com a promessa da execução d'este caminho de ferro, Lourenço Marques tomou quasi de repente um aspecto visível de actividade commercial, que se traduziu em considerável augmento nos rendimentos da alfandega, e na construcção de muitos edifícios particulares.
O magnifico material ido da Bélgica, lá se acha ainda hoje sem applicação, amontoado em um areal próximo á villa, deteriorando-se com o correr do tempo, e os negociantes que foram ali estabelecer casas de commercio e empatar capitães, vendo-se illudidos, vão successivãmente abandonando aquella localidade.
À concessão feita ao sr. Moodie, por contracto de 20 de abril de 1876, tendo um praso final para o começo dos trabalhos, caducou, depois de decorrido o período fixado."
No próximo artigo voltaremos a falar de GP Moodie, como vimos o primeiro "empreendedor" que perseverou em fazer uma linha férrea de LM para o interior mas não o conseguiu por falta de capital próprio e porque nesse tempo as perspectivas financeiras do projecto para atrair capital ou crédito não eram muito atraentes. Não sei se foi pelas dificuldades que encontraram nessas iniciativas ou se pela sua personalidade / comportamento intrinsecos mas tanto Moodie da primeira como Mac Murdo da segunda iniciativa da linha ficaram para a "História" com fama de "aldrabões" (sobre o "caçador de concessões" Mac Murdo ver texto de Hugo Silveira Pereira aqui).
Poderiamos também pensar que Portugal não soube fazer bem a escolha dos concessionários para essa iniciativa fundamental para o desenvolvimento de Moçambique mas de facto eles eram os únicos candidatos para realizar o projecto. Isso explicará porque Portugal, que diga-se também tinha um péssimo historial financeiro, tenha apostado neles mas em retrospectiva podemos dizer que arriscou demasiado tanto que teve que depois nacionalizar a linha de Mc Murdo (com indemnização, pois claro) e explorá-la directamente.
"Sem remontar às propostas de João Albazine, que em maio de 1847 veio do Transvaal a Lourenço Marques conferenciar com a authoridade que ali nos representava, e sem referir muitas outras tentativas que se fizeram depois d'aquella epocha, para a abertura de estradas ordinárias e organisação de diversos systemas de transportes, que nunca deram resultados satisfatórios, bastará que relate o que se tem passado desde 1875, anno em que o engenheiro Richard Thomas Hall, procedeu aos primeiros estudos no terreno, por determinação do governo do Transvaal, para o effeito de reconhecer o grau de possibilidade que o paiz offereceria em relação á construção de um caminho de ferro. Foi nos trabalhos do engenheiro Hall, que o sr. Moodie se baseou, para pedir ao nosso governo concessão para construir uma via férrea atravessando o território portuguez, desde o porto de Lourenço Marques até á fronteira do Transvaal, concessão que lhe foi dada por contracto de 20 de abril de 1876, sendo-lhe garantida a subvensão de 7 contos de réis por kilometro, além da posse de terrenos, isenção de direitos e outros donativos.
Poucos mezes depois de assignado este contracto que abria vastos horisontes a dois paizes até então sem importância notável, chegavam a Lourenço Marques navios carregados de carris, travessas, wagons e mais material, tudo destinado à construcção do caminho de ferro, que se esperava começaria em breve com grande actividade, mas que se não poude levar a effeito em consequência do Transvaal perder a sua independência, sendo annexado à Inglaterra e considerado província britannica, em 12 de abril de 1877.
Só com a promessa da execução d'este caminho de ferro, Lourenço Marques tomou quasi de repente um aspecto visível de actividade commercial, que se traduziu em considerável augmento nos rendimentos da alfandega, e na construcção de muitos edifícios particulares.
O magnifico material ido da Bélgica, lá se acha ainda hoje sem applicação, amontoado em um areal próximo á villa, deteriorando-se com o correr do tempo, e os negociantes que foram ali estabelecer casas de commercio e empatar capitães, vendo-se illudidos, vão successivãmente abandonando aquella localidade.
À concessão feita ao sr. Moodie, por contracto de 20 de abril de 1876, tendo um praso final para o começo dos trabalhos, caducou, depois de decorrido o período fixado."
No próximo artigo voltaremos a falar de GP Moodie, como vimos o primeiro "empreendedor" que perseverou em fazer uma linha férrea de LM para o interior mas não o conseguiu por falta de capital próprio e porque nesse tempo as perspectivas financeiras do projecto para atrair capital ou crédito não eram muito atraentes. Não sei se foi pelas dificuldades que encontraram nessas iniciativas ou se pela sua personalidade / comportamento intrinsecos mas tanto Moodie da primeira como Mac Murdo da segunda iniciativa da linha ficaram para a "História" com fama de "aldrabões" (sobre o "caçador de concessões" Mac Murdo ver texto de Hugo Silveira Pereira aqui).
Poderiamos também pensar que Portugal não soube fazer bem a escolha dos concessionários para essa iniciativa fundamental para o desenvolvimento de Moçambique mas de facto eles eram os únicos candidatos para realizar o projecto. Isso explicará porque Portugal, que diga-se também tinha um péssimo historial financeiro, tenha apostado neles mas em retrospectiva podemos dizer que arriscou demasiado tanto que teve que depois nacionalizar a linha de Mc Murdo (com indemnização, pois claro) e explorá-la directamente.
Mais informação sobre estes temas:
NB 1: A indicação de Klip Stapel (por aqui ao centro, acima de Ermelo) em 1873 como sendo o ponto terminal da concessão sul-africana na primeira iniciativa da linha de LM apontava a que ela, se fosse pelo caminho mais curto a partir de Moçambique tivesse de penetrar para o interior cruzando a Suazilândia de leste a oeste, direcção em que o pequeno reino tem cerca de 132 km de largura máxima em linha recta. Para passar os Montes Libombos que fazem fronteira entre os dois territórios, uma alternativa seria pelo vale do rio Usuthu / Maputo mas esse vale não conduzia à margem norte do estuário do Espírito Santo onde estava LM, actual Maputo. Por isso a alternativa da linha pelo vale do Umbelúzi parecia mais viável logo à primeira vista pelo menos de LM até aos Libombos, mas ver NB 2 para o resto do traçado mais para o interior
NB 2: Para além do traçado junto à fronteira será importante perceber que influência teria tido o estudo do traçado mais para o interior na definição da sua orientação geral. Na American and Britsh Claims Arbitration vê-se que em Setembro de 1876 Hall tinha escrito a Moodie dizendo que tinha atravessado os Montes Libombos três vezes e que embora não tivesse ainda opinião definitiva não tinha encontrado passagem para colocar a linha entre a planície costeira e o interior mais montanhoso. A esta distância no tempo, acho essa explicação um tanto estranha dado que pelos Montes Libombos numa faixa do "paralelo alargado" de LM e de Klip Stapel correm dois rios na direcção oeste - leste pelo que as suas passagens se ajustavam à directriz pretendida para a linha. Esse rios são o Incomáti mais a norte e o Umbeluzi mais a sul (vimos acima que o vale do Usuthu/Maputo ficaria demasiadamente para sul) e não teria sido muito difícil a Hall esclarecer qual das duas passagens podiam ser usadas ou não e/ou qual delas seria a melhor para se instalar a via férrea (se as gargantas eram suficientemente elevadas para evitar inundação, se não eram demasiadamente a pique, se tinham muitas curvas ou não, etc). Para mais sabemos agora que essas alternativas eram válidas pois foram aproveitadas depois, a primeira cerca de 1890 na linha de Pretória e a segunda cerca de 1910 sê-lo-ia na linha da Suazilândia.
Penso assim que a grande questão para Hall (e para Machado se de facto ele se ocuppu disso) seria como, ultrapassada a fronteira que fica no lowveld se penetraria mais para o highveld do interior que no vale junto a Klip Stapel (Ermelo) está a mais de 1 700 metros de altitude. Para esse estudo seria preciso percorrer toda a região dos Montes Libombos para oeste e comparar diversas alternativas (os vales desses dois rios, doutros que a eles se ligavam, as passagens existentes nas montanhas e que não tivessem rios, etc), trabalho de campo que levaria tempo. Como Hall expressou essa opinião em Setembro de 1876 e só terminou o trabalho em Dezembro de 1876, presumo que nos três meses seguintes ele tenha encontrado a melhor solução para esse encaminhamento mas.... Pelo menos a impossibilidade técnica de se construir a linha nunca foi explicação usada para o insucesso dessa primeira iniciativa.
NB 3: Este artigo "PORTUGUESE ENGINEERING AND THE COLONIAL PROJECT IN THE NINETEENTH-CENTURY" que fala de Machado e de Moodie refere uma linha que teria 70 km de comprimento e que "passava por Matolla em que ultrapassava o rio para as terras baixas de Saguans e depois seguia pela planície de Um-chamachaba antes de chegar à fronteira". Desconheço esses dois últimos locais mas a distância e o nome de Moodie indicam tratar-se da primeira iniciativa da linha entre LM e Klip Stapel na ZAR. Estaria assim a ser descrito, depois da Matola o vale do Umbelúzi em direcção a Goba e à Suazilândia.
Diz também esse artigo que em 1869 um Fernando Costa Leal tinha estudado uma estrada ou caminho de ferro entre LM e o Transvaal. Essa ideia não teve seguimento prático, bastando dizer-se que só em 1874 LM foi ligado a Lydenburg por estrada de carretas.
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