Demarcação de fronteira com a ZAR em 1890 - planeamento das missões individuais (19)

Continuo a série sobre a comissão de demarcação de fronteira entre Portugal (Moçambique) e a ZAR (Zuid-Afrikaansche Republiek SAR dos boer, parte da actual África do Sul) de 1890 seguindo o texto escrito pela parte portuguesa (pdf aqui).
Nesta foto do ACTD que penso ter sido tirada na mesma ocasião que as duas que vimos aqui antes, temos Caldas Xavier (CX) a olhar para a câmara e vê-se um dos seus auxiliares com o remo a empurrar o barco. A corda que o prende a terra está esticada e uma vez desamarrada de onde estivesse presa parece-me que o bote seria projectado para parte mais funda do rio.
Voltando a tempos ligeiramente anteriores, sobre o que iria ser feito depois do fim da marcação da fronteira, a informação do chefe da comissão Freire de Andrade (FA) no seu relatório (que pode não ser completa) dá a entender que não houve planeamento pormenorizado anterior para CX e MS. 
Quando FA descreve a conversa com o seu equivalente na ZAR / SAR Von Williegh no campo 26 junto ao rio Singwedsi (pág. 36) sobre a necessidade da ida até ao Pafuri / Limpopo, FA refere que no que respeita à comissão portuguesa "pareceu-nos necessário e de extrema vantagem, o seguir até ao Limpopo, para d'ali partir para Inhambane, por isso que a travessia do sertão de Inhambane não era de certo a parte menos importante da nossa missão". Presumo que FA se estivesse a referir a si próprio pelo que ele teria ideia concreta do que iria fazer. 
Mas quanto ao próximo passo de CX, o plano parece ter surgido já tarde, pelo menos em termos de que seria ele o protagonista dado que o relato seguinte de FA reporta-se já ao campo no Pafuri (pág. 46) "Tendo-se uma noite fallado na vantagem que haveria em seguir o rio Limpopo, embarcado, para lhe reconhecer o curso, ...o major Caldas Xavier mostrou desejos de fazer a viagem d'essa maneira até à costa, no que concordei ...". 
Assim pouco tempo depois ficou o grupo inicial reduzido a FA e MS e a posterior  separação entre os dois também não parece ter sido preparada com muita antecedência porque FA escreveu (c. da pág 57): "O Capitão Serrano resolveu aqui seguir ao longo do rio Ualuize  ... deixando-me no dia 15 de outubro". 
Sobre isso MS confirma logo ao início do seu relatório (na pág 103) que "Eu concebera ir reconhecer até á sua foz o rio Ualuize" e descreve a despedida como se fosse algo que pelo lado de FA poderia ter sido anulado no último momento, caso MS o tivesse desejado. Escreve aí MS: "Em 15 de outubro separei-me do corpo da expedição de fronteiras ... Commoveu-me bastante a despedida do ex.mo sr. capitão Freire de Andrade, que no ultimo aperto de mão ainda me repetiu: 
- (FA) Veja o que faz, ainda está a tempo. . . 
- (MS) Não, respondi, com a sua permissão, hei-de ir, a despeito de tudo. Era eu o ultimo dos seus companheiros da expedição que, com grande receio, (FA) via partir para o desconhecido e sob os maus augúrios dos informadores".
Tinha dito no artigo 18 que a missão inicial de CX na comissão até ao Pafuri não me pareceu primordial mas ela terá sido determinada por FA e este no relatório descreve positivamente a actividade de CX. Todavia sobre o que sucedeu após a separação dos membros da comissão nota-se que a certa altura FA estava agastado com CX  Veja-se o que FA escreveu primeiro c. da pág. 95: "Transportes pelo Limpopo: É realmente para sentir que o sr. major Caldas Xavier, a quem tínhamos encarregado do reconhecimento do curso do Limpopo e a quem foram fornecidos todos os meios para o fazer, tivesse seguido para Lourenço Marques e d'ahi para a Beira sem entregar á commissão de fronteiras de que fazia parte o resultado dos seus trabalhos; apenas recebemos d'elle em Lourenço Marques, quando chegámos, um chronometro e um sextante que lhe entregáramos. Cálculos e observações, que, acreditamos, não deixou de fazer, guardou-os, de modo que é de esperar que não tenham sido inúteis as despezas feitas e os sacrifícios que fizemos para do pouco de que dispúnhamos no Limpopo ceder áquelle official todos os elementos necessários para bem poder desempenhar o serviço de que fora por nós encarregado, e para o qual, devemos dizel-o, elle se tinha offerecido, e esperámos que ao voltar da commissão da Manica enviará ao governo de Sua Magestade o resultado do seu trabalho"
Mas aí em nota de fim de página FA acrescentou que: "Ao chegar a Lisboa soube que pelo sr. major Caldas Xavier fora entregue ao governo o relatório da sua viagem, tendo desempenhado o seu arriscado serviço com o zelo, intclligencia e coragem de que já tem dado em Africa tào inequívocas provas." Se com CX tudo acabou em bem, falta perceber porque motivo FA manteve o que tinha escrito inicialmente mas ...
Matheus Serrano também não pareceu muito satisfeito com o comportamento de CX e escreveu c. da página 139 reportando-se ao momento da sua missão em que chegava perto do kraal de Gungunhana: "Do mouro Selemanegz estabelecido no alto da serra Chimbutzo colhi as primeiras informações sobre a viagem do major Caldas Xavier: tinha chegado havia seis dias e partido ha cinco para Manjacáze deixando o escaler entregue a um (africano). Desejoso de o alcançar visto que ambos tínhamos recebido instrucções para regressar a Inhambane parti immediatamente para aquelle ponto, seguindo a direcção noroeste. .... : Já ali não encontrei o major Caldas Xavier; partira para Lourenço Marques, onde preferia ir alcançar a costa, não concorrendo ao ponto de reunião ajustado em Inhambane."  

Na carta preparada por CX da sua missão pode-se observar que ele deixou o rio Limpopo e provávelmente o seu bote na zona de Sunguta, perto da foz do rio Chengane para ir a pé a Manjacaze e daí seguiu para o Xai-Xai e LM e sempre a pé, como se pode ver a seguir.

CARTA DE CX de 1890 - Universidade do Illinois (SGL 1892
Vermelho: percurso de CX de bote até Sunguta e por terra depois

Note-se que como já disse antes o rio Limpopo se chamava também Inhampura (nesta carta é até o nome principal) e aparece aqui também Miti e Bemo. CX não representou a  traço forte uma parte do curso do rio a sul de Manjacaze aparecendo aí uns tracejados azul claro. Não sei qual a razão pois presumo que o rio ainda tivesse aí água à superfície mas essa parte corresponde ao seu afastamento do rio até voltar depois a sul vindo da localidade de Gungunhana. A partir desse ponto volta a aparecer o rio a cheio pelo que presumo que CX o tenha ido observar daí até à foz.embora nao tenha marcado isso a vermelho.
Note-se que tinhamos visto aqui a carta de Jeppe de 1892 que incluia muitos dados desta missão incluindo os percursos de MS e de EM mas vê-se lá que não tinha incluido o de CX.

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