Continuo a série sobre a comissão de demarcação de fronteira entre Portugal (Moçambique) e a ZAR (Zuid-Afrikaansche Republiek SAR dos boer, parte da actual África do Sul) de 1890 seguindo o texto escrito pela parte portuguesa (pdf aqui).
Nesta foto do ACTD que penso ter sido tirada na mesma ocasião que
as duas que vimos aqui antes, temos
Caldas Xavier (CX) a olhar para a câmara e vê-se um dos seus auxiliares
com o remo a empurrar o barco. A corda que o prende a terra está esticada e uma
vez desamarrada de onde estivesse presa parece-me que o bote seria projectado para parte
mais funda do rio.
Voltando a tempos ligeiramente anteriores, sobre o que iria ser
feito depois do fim da marcação da fronteira, a informação do chefe da comissão
Freire de Andrade (FA) no seu relatório (que pode não ser completa) dá a
entender que não houve planeamento pormenorizado anterior para CX e MS.
Quando FA descreve a conversa com o seu equivalente na ZAR / SAR
Von Williegh no campo 26 junto ao rio Singwedsi (pág. 36) sobre a necessidade
da ida até ao Pafuri / Limpopo, FA refere que no que respeita à comissão
portuguesa "pareceu-nos necessário e de extrema vantagem, o seguir
até ao Limpopo, para d'ali partir para Inhambane, por isso que a
travessia do sertão de Inhambane não era de certo a parte menos importante
da nossa missão". Presumo que FA se estivesse a referir a si
próprio pelo que ele teria ideia concreta do que iria fazer.
Mas quanto ao próximo passo de CX, o plano parece ter surgido já
tarde, pelo menos em termos de que seria ele o protagonista dado que o relato
seguinte de FA reporta-se já ao campo no Pafuri (pág. 46) "Tendo-se uma
noite fallado na vantagem que haveria em seguir o rio Limpopo, embarcado,
para lhe reconhecer o curso, ...o major Caldas Xavier mostrou desejos de fazer
a viagem d'essa maneira até à costa, no que concordei ...".
Assim pouco tempo depois ficou o grupo inicial reduzido a FA e MS
e a posterior separação entre os dois também não parece ter sido
preparada com muita antecedência porque FA escreveu (c. da pág 57): "O
Capitão Serrano resolveu aqui seguir ao longo do rio
Ualuize ... deixando-me no dia 15 de outubro".
Sobre isso MS confirma logo ao início do seu relatório (na
pág 103) que "Eu concebera ir reconhecer até á sua foz o rio
Ualuize" e descreve a despedida como se fosse algo que pelo lado
de FA poderia ter sido anulado no último momento, caso MS o tivesse desejado. Escreve
aí MS: "Em 15 de outubro separei-me do corpo da expedição de
fronteiras ... Commoveu-me bastante a despedida do ex.mo sr. capitão
Freire de Andrade, que no ultimo aperto de mão ainda me repetiu:
- (FA) Veja o que faz, ainda está a tempo. .
.
- (MS) Não, respondi, com a sua permissão,
hei-de ir, a despeito de tudo. Era eu o ultimo dos seus companheiros da
expedição que, com grande receio, (FA) via partir para o desconhecido e
sob os maus augúrios dos informadores".
Tinha dito no artigo 18 que a missão
inicial de CX na comissão até ao Pafuri não me pareceu primordial mas ela terá
sido determinada por FA e este no relatório descreve positivamente a actividade
de CX. Todavia sobre o que sucedeu após a separação dos membros da comissão
nota-se que a certa altura FA estava agastado com CX Veja-se o que
FA escreveu primeiro c. da pág. 95: "Transportes pelo Limpopo: É
realmente para sentir que o sr. major Caldas Xavier, a quem tínhamos
encarregado do reconhecimento do curso do Limpopo e a quem foram fornecidos
todos os meios para o fazer, tivesse seguido para Lourenço Marques e d'ahi para
a Beira sem entregar á commissão de fronteiras de que fazia parte o resultado
dos seus trabalhos; apenas recebemos d'elle em Lourenço Marques, quando
chegámos, um chronometro e um sextante que lhe entregáramos. Cálculos e
observações, que, acreditamos, não deixou de fazer, guardou-os, de modo que é
de esperar que não tenham sido inúteis as despezas feitas e os sacrifícios que
fizemos para do pouco de que dispúnhamos no Limpopo ceder áquelle official
todos os elementos necessários para bem poder desempenhar o serviço de que fora
por nós encarregado, e para o qual, devemos dizel-o, elle se tinha offerecido,
e esperámos que ao voltar da commissão da Manica enviará ao governo de Sua
Magestade o resultado do seu trabalho".
Mas aí em nota de fim de página FA acrescentou que: "Ao chegar
a Lisboa soube que pelo sr. major Caldas Xavier fora entregue ao governo o
relatório da sua viagem, tendo desempenhado o seu arriscado serviço com o zelo,
intclligencia e coragem de que já tem dado em Africa tào inequívocas
provas." Se com CX tudo acabou em bem, falta perceber porque
motivo FA manteve o que tinha escrito inicialmente mas ...
Matheus Serrano também não pareceu muito satisfeito com o
comportamento de CX e escreveu c. da página 139 reportando-se ao momento da sua
missão em que chegava perto do kraal de Gungunhana: "Do mouro
Selemanegz estabelecido no alto da serra Chimbutzo colhi as primeiras
informações sobre a viagem do major Caldas Xavier: tinha chegado havia seis
dias e partido ha cinco para Manjacáze deixando o escaler entregue a um
(africano). Desejoso de o alcançar visto que ambos tínhamos recebido
instrucções para regressar a Inhambane parti immediatamente para aquelle ponto,
seguindo a direcção noroeste. .... : Já ali não encontrei o major Caldas
Xavier; partira para Lourenço Marques, onde preferia ir alcançar a costa, não
concorrendo ao ponto de reunião ajustado em Inhambane."
Na carta preparada por CX da sua missão pode-se observar que ele
deixou o rio Limpopo e provávelmente o seu bote na zona de Sunguta, perto da
foz do rio Chengane para ir a pé a Manjacaze e daí seguiu para o Xai-Xai e LM e
sempre a pé, como se pode ver a seguir.
CARTA DE CX
de 1890 - Universidade do Illinois (SGL 1892)
Vermelho: percurso de CX de bote até Sunguta e por terra depois |
Note-se que como já disse antes o rio Limpopo se chamava também
Inhampura (nesta carta é até o nome principal) e aparece aqui também Miti e
Bemo. CX não representou a traço forte uma parte do curso do rio a sul de
Manjacaze aparecendo aí uns tracejados azul claro. Não sei qual a razão pois
presumo que o rio ainda tivesse aí água à superfície mas essa parte corresponde
ao seu afastamento do rio até voltar depois a sul vindo da localidade de
Gungunhana. A partir desse ponto volta a aparecer o rio a cheio pelo que
presumo que CX o tenha ido observar daí até à foz.embora nao tenha marcado
isso a vermelho.
Note-se que tinhamos visto
aqui a carta
de Jeppe de 1892 que incluia muitos dados desta missão incluindo os percursos
de MS e de EM mas vê-se lá que não tinha incluido o de CX.
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