Fotos de Ricardo Rangel do final dos anos 50 e início dos 60 do CDFF

Mostro aqui algumas fotos de Ricardo Rangel do final dos anos 50 e início dos 60 que são reproduzidas com a devida vénia ao CDFF, Centro de Documentação e Formação Fotográfica de Moçambique que foi dirigido por Rangel até ao seu falecimento em 2009 e que guarda os direitos. 
Nestas versões com poucos pixels as fotos são reproduzidas duma tese de doutoramento de Bruna Triana que pode ser descarregada aqui. É intitulada "Ensaios a preto e branco" e focada na obra de Ricardo Rangel. Não sei que análise Bruna Triana lhes faz (o título da tese deve já querer dizer algo sobre a "temática" ...) mas se há tempos discuti aqui se as fotos de Manuel Romão Pereira tinham ou não a "carga ideológica" da política de Mariano de Carvalho, no caso destas fotos a meu ver a "carga ideológica" criptocomunista é evidente. 
Contexto e conteúdo político e antropologias ou sociologias sub-reptícias à parte, as fotos são muito boas técnicamente e muito informativas. Falemos então globalmente das que seleccionei por me serem desconhecidas anteriormente e mostrarem a cidade e suas gentes (há mais duas que coloquei noutras artigos). 
A primeira é uma foto de contrastes, a identificação da vítima é mais subtil do que na que vimos da "farda dos trabalhadores". Observa-se dum lado o espadalhão burguês e as despreocupadas e mais ou menos airosas senhoras europeias e doutro o grupo quase uniforme de "mamanas" africanas cheias de pressa e carregadas, num cenário de cidade pouco tropical:


FOTO 1
Legenda na tese: "mulheres atravessando a rua", 1961

O local é em frente ao mercado Vasco da Gama, actual Central, olhando-se para o lado oriental da Av. da República, actual 25 de Setembro. Depois do cruzamento da Av. Manuel de Arriaga, actual Marx estava a Casa Bayly na esquina como se pode ver aqui na segunda foto, do mesmo ano. A ter em conta que o prédio do BNU mais à frente na avenida parecia ter a já fachada pronta e sabendo-se que ele só foi inaugurado em 1964 poder-se-ia por em causa que a FOTO 2 fosse de 1961. No entanto a construção do prédio do BNU foi iniciada ainda nos anos 50 mas  a conclusão foir sendo "adiada" pelos complexos acabamentos e decoração, por isso é provável que em 1961 já parecesse pronto como se vê na FOTO 2 (mas note-se nos andaimes à direita, na traseira).
Passemos à segunda foto com trabalhadores africanos transportando um carril de caminho de ferro para ser colocado sobre travessas duma nova linha para a qual se tinha feito um aterro. O atento capataz branco à distância e de mãos nos bolsos parece estar a berrar (sádicamente):

FOTO 2
Legenda na tese: "ligação da via férrea à Suazilândia", 1962

Como sabemos dos artigos sobre a construção da linha de Goba só em em 1964 ela foi ligada ao reino vizinho, actual Essauatine que até aí não tinha via férrea. Vê-se então na foto o que deve ser a ligação entre a estação na vila em Moçambique e a fronteira internacional que estaria algures por aqui, na margem direita = sul do rio Umbeluzi. Em termos de calendário é então possível que a foto seja de 1962 como é indicado. A instalação mecânica do tipo das pedreiras que se vê por trás parece-me antiquada para o design dos anos 60, talvez fosse resto das da construção inicial terminada em 1912 mas .....
Por fim mais uma foto em que há um algoz (neste caso invisível mas bem presente para o observador informado, o doutor Salazar) e a vítima que desta vez não é africana:


FOTO 3
Legenda na tese: "campo de concentração da comunidade hindu", 1961

Antes de se falar do local, devo dizer que esta legenda é enganosa dado que o campo de concentração foi para os cidadãos da União Indiana que seriam expulsos de Moçambique como retaliação à invasão e anexação a 18-19 de Dezembro de 1961 por esse país dos territórios da chamada India Portuguesa. Os hindus residentes em Moçambique que eram portugueses ou ingleses não foram afectados e isso parece claro na foto pois vê-se senhoras dum e doutro lado da vedação com trajos "hindus" iguais. As da esquerda estavam livres, as da direita não, o que mostra que a expulsão não foi por razões religiosas como a legenda pode fazer crer. A legenda factual desta foto seria "campo de concentração de cidadãos da União Indiana", não sei se a que aparece na tese é original de Rangel ou se foi criação de Bruna Triana.
Quanto ao local penso que se tratava da Pousada dos Caminhos de Ferro que como vimos neste artigo em Abril de 1961 estava ainda em construção mas de que parte poderia estar já pronta quando se deu este acontecimento. Também não sei quanto tempo depois de 18-19 de dezembro de 1961 foram os cidadãos indianos aí concentrados, pode até ter acontecido que a construção da Pousada estivesse totalmente terminada. 
Quanto a outras observações da FOTO 3, o solo arenoso, o declive do terreno e as partes salientes dos edifícios que seriam os corpos de escada revestidos com grelhas de betão parecem semelhantes ao que se vê aqui do lado norte. No entanto na foto de cima a fachada tem brise-soleil verticais que não apareciam na do artigo anterior pelo que presumo que esta cena se passasse do lado oposto do complexo ou seja do lado do  recinto do porto por onde efectivamente havia a estrada de acesso à cidade e lhe dava o sol poente mais quente.

Comentários