Concessões em LM: sobre Eiffe e a da Catembe (5/5)

Finalizamos o tema de concessões de terrenos atribuidas pelo Estado Português no final do século XIX (19) na região de Lourenço Marques (LM), actual Maputo falando primeiro de Franz Ferdinand Eiffe que deve ter sido o principal titular da chamada Concessão da Catembe.

Franz Ferdinand Eiffe (1860-1941)
em 1905 
(wikimedia)

Como se pode ver na wikipedia Franz Ferdinand Eiffe era filho de uma personalidade de relevo na comunidade de negócios e política de Hamburgo e de que herdou o nome (senador FF Eiffe, 1825 - 1875) e podemos ver aqui mais da sua genealogia. Mas na crise bolsista de 1873 o pai perdeu a fortuna e no ano seguinte faleceu, pelo que Eiffe Jr. teve de progredir só na vida, para mais tendo ficado órfão presumo que também da mãe (desde os 14 anos). É aí dito que Eiffe que teve negócios na África Austral e que esteve activamente envolvido na procura de um porto para a ZAR (república boer do Transvaal) em Lourenço Marques, Moçambique. Confirma-se assim em geral o que foi dito no artigo anterior mas não fica esclarecido quais eram realmente as suas intenções com a concessão, no contexto político-económico que aí abordámos. 
Temos ainda mais informação daqui sobre a sua vida profissional e para o fim o motivo dele ser catalogado como político na wikipedia: "aprendizagem na F.W. Burchard, serviço militar, residente na Grã-Bretanha (1885-1889), fundou a empresa de exportação F.F. Eiffe & Co., que lidava principalmente com a África do Sul, (1896), viagens à África do Sul e ao Leste (1897, 1908-09), membro da cidadania do grupo parlamentar Centro-Esquerda (1904-18), membro do Partido Pátria do Grande Almirante von Tirpitz....". Nota-se aí a flexão política de Eiffe para a direita aderindo a movimentos pan-germânicos, nacionalistas e com franjas anti-semitas, que embora não fossem nazis estavam ideológicamente próximos. 
Isso vem a propósito do blog "o máximo" dizer que Eiffe era de origem judaica e a nossa primeira constatação seria então a de que essa posição política seria contra natura. Mas na informação que li não vejo confirmação dessa etnicidade de Eiffe e pelo contrário neste documento relativo a Hamburgo numa "lista complementar de empresas judaicas que foram arianizadas" até 1938 vê-se que a sua firma adquiriu a de Adolf Bernstein. O nazismo tinha chegado ao poder em 1933 e aplicado leis raciais e os empresários judeus (caso de Adolfo Bernstein) foram forçados a vender as suas empresas a arianos (seria então o caso de Eiffe), mesmo antes de se imaginar que o holocausto iria acontecer.
Voltando ao contexto político-económico de entre 1895 e 1899 relativo às concessões de terrenos em Delagoa Bay / LM e às relações entre Portugal, a ZAR, a Inglaterra e a Alemanha, que podia parecer um actor um tanto inesperado mas estava já presente em África e esperava a oportunidade de se consolidar apoiando a ZAR. Segue-se assim um extrato do jornal THAMES STAR, VOLUME XXX, ISSUE 9152, de 20 de agosto de 1898 com os meus comentários: "The recent change in the Portuguese Premiership (do primeiro-ministro) is likely to bring the Delagoa Bay question once more to the front. The Times' Lisbon correspondent recently wrote that conflicting reports are circulating respecting the diplomatic pressure which the German Government recently brought to bear on the Portuguese Government with regard to the concession to Herr Eiffe of foreshore and territory at Catembe, opposite Lorenzo Marques. Herr Eiffe appears to have obtained privileges in contravention of the treaty of 1891 (este tratado com o Reino Unido foi assinado na sequência ao ultimato britânico e por ele ficaram definidas as fronteiras de Moçambique com os territórios britânicos a norte da ZAR) and the validity of the concession is disputed by England. It is stated that Herr Eiffe has transferred his rights to the German Government (será que os termos da concessão permitiam a transferência de titularidade para um governo estrangeiro?). Nearly all the papers say that the question has been settled by the payment of L 20,000 to the German Government (presumo que seja o Portugal que pagou para "acabar de vez com a concessão» como diz APL mas como noutros casos parecidos APL nunca diz quanto é que isso custou ...) but the correspondent understands that this is the amount which Herr Eiffe offered to accept in settlement, and that the controversy still remains to be solved. Aí não fica bem esclarecido o que se passava mas o assunto parecia estar em vias de resolução e como vimos no livro "Bausteine eines ." por essa altura a Alemanha estaria já a renegar o prometido apoio aos boers da ZAR e por isso pronta a desfazer-se de interesses que tivesse estado a preparar em LM para esse efeito.
Vimos então que a validade da concessão ou da pretendida alteração do seu âmbito estavam em discussão em 1898 mas Ivens Ferraz na sua "Descrição da Costa de Moçambique" publicada em 1902 introduz um novo dado. Escreveu ele e embora não sendo claro a que ano exacto se refere devia ser nesse período de 1897/98: "Esta concessão perdeu todo o supposto valor em virtude das disposições da Carta de lei de 22 d'agosto de 1853, que lhe foram applicadas, considerando inalienáveis os direitos do Estado sobre uma faixa de 80 metros para dentro do máximo preia-mar (maré alta)". Retirando essa faixa, em termos de redução de área e como a concessão tinha em média uns 1 200 metros de profundidade a perda não seria muito relevante mas é óbvio que se a intenção fosse de fazer um cais sem acesso ao estuário seria impossível. Esta questão "ambiental" tem todo o aspecto de ter sido invocada para resolver a "embrulhada internacional" entretanto criada pois quando a concessão foi outorgada essa lei já existia (e por exemplo, a de Lingham também não ficava na costa?). Come veremos em baixo em 1899 tudo terá acabado relativamente bem pois a Alemanha tinha-se desinteressado e Eiffe recebeu uma indemnização (mas fica-se sem saber se foi só para não fazer o porto ou se foi para devolver a concessão ao Estado) e a Inglaterra ficou contente porque afastou esse concorrente na zona. Na relativa mó de baixo ficou Portugal que teve presumo de pagar mais a Eiffe do que ele tinha pago para receber a concessão mas "safou-se" de grave complicação e ficou a ZAR que mesmo não tivesse estado muito interessada em grandes investimentos na concessão perdeu uma oportunidade para arreliar a Inglaterra.
Podemos ver uma imagem dum jornal inglês com a Catembe para o fundo, na margem sul do estuário e em que a baía está para a esquerda. É de durante a segunda guerra anglo-boer que decorreu de 1899 a 1902 (e de um ano antes aparece aqui notícia interessante de "fontes geralmente bem informadas, mais correcto aqui)":
"LM (Delagoa Bay) onde os nossos navios de guerra estão de atalaia"

A concessão da Catembe ocuparia toda a costa da margem sul do estuário marcada a "laranja". o que olhando de Lourenço Marques ocuparia boa parte do horizonte visual.
Note-se que apesar do pedido feito para a concessão passasse do âmbito inicial de "agricultura, extracção de cal e fabrico de tijolo" para incluir "pequenas docas para uso próprio" e que não sei se de facto foi autorizado ou não e da celeuma internacional que se levantou depois, como se vê na imagem de cima e em fotos contemporâneas, muito pouco foi lá construído nessa época.  Neste artigo e citando Alfredo Pereira de Lima diz-se que as Oficinas Navais da Catembe nasceram em 1896 (Ivens Ferraz no seu relato de 1902 diz que elas existiam). Essas oficinas que eram do Estado estavam na ponta da Catembe ou Lechemer e por isso na área que tinha sido concessionada a privados. Por isso dá ideia que a data de 1896 tenha sido a da construção por Eiffe e sócios de alguma infraestrutura que depois da reversão da concessão (que não sei quando aconteceu, em 1899 ou depois) para o Estado tenha servido de base para as Oficinas. Tal quererá dizer que contráriamente ao que APL diz ou a primeira instalação das Oficinas não foi nesse local da Catembe o que elas, como entidade, terão sido criadas depois de 1896 mas ..
Voltando ao contexto político e agora na fase que se seguiu ao fim da concessão, podemos ver um artigo publicado em Dezembro de 1900, um pouco mais tarde do que a foto de cima. A Inglaterra tinha a guerra contra a ZAR dos boer já práticamente ganha e por isso Portugal preparava-se para a situação de haver só duas forças na África Austral, com os ingleses em clara posição de dominância regional pois a supremacia mundial não era novidade. Assim pode-se ler no jornal South Wales Daily Post: "ANGLO-PORTUGUESE AGREEMENT. ENGLAND WITH A FREE HAND ON THE RAILWAY QUESTION. Berlin "The often inspired Nachrichten gives credence to the report that the Anglo-Portuguese Agreement includes two stipulations. In the first place, it is said, Portugal leaves England a free hand in settling the question of the Netherlands South Africa, Railway Company, and consents, in principle, to the Portuguese section of the Delagoa Line being placed under British administration. Secondly, according to the same report, Portugal assents to the formation of a new great Anglo-Portuguese Harbour Company, for a considerable extension of the Lourenço Marques Harbour, the Company to be empowered to raise harbour duties in accordance with a tariff agreed upon, fifteen per cent. thereof being paid to the Administration of the Portuguese Colonies, in return for which Portugal will not levy transit duties on goods destined for the Transvaal. The same semi-official paper adds that a good deal of German capital is invested in the Netherlands South Africa Railway, and that, according to the Imperial Chancellor's (o governo alemão) statements, it will be protected by the German Emperor. As regards the Harbour project, it says, there are two schemes in existence, with which the Company to be formed will have to reckon. Herr Eiffe, of Hamburg, purchased the Catembe district, opposite Lourenço Marques, in 1895, and formed a Company for the construction of landing stages, etc. two years later; while at the same time Herr Lingham leaded a plot of ground for similar purposes in the upper part of the Harbour. The British Government protesting against the Catembe Concession, in virtue of its right of pre-emption over Delagoa Bay, the two firms were induced by Portugal not to entry out their plans. An agreement between the two Governments and the two firms, reconfirming the concessions obtained by the latter, was arrived at in 1899. The "Neueste Nachrichten'' concludes by saying: "If the new Anglo-Portuguese Agreement does not infringe on rights previously acquired Germany has no grounds for protesting". Isto confirma que a intenção de Eiffe (e de Lingham) era construir cais mas não se fica a saber em que escala mas que foi acordado em 1899 entre os dois mais Portugal e a Inglaterra que isso não se faria. Todavia é dito que ambos mantiveram as concessões por isso não sei o que se passou com elas a seguir. A noticia dizia também que a Inglaterra iria operar a linha de caminho de ferro e o porto de LM o que como sabemos não se concretizou e que a Alemanha teria os seus interesses financeiros na NZASM protegidos, o que era importante definir dado que os britânicos nacionalizaram essa companhia da linha férrea sul-africana de origem holandesa na sequência da derrota dos boers da ZAR.
Num tema mais geral sobre Eiffe, Lingham e muitos dos outros concessionários estrangeiros, fico sem saber se viveram em Lourenço Marques, se viviam na África do Sul e iam a LM de passagem (como penso foi o  caso de Sommerschield) ou se nunca lá estiveram e tratavam dos assuntos por exemplo via procuradores.
Conclui-se assim esta série sobre as concessões de terrenos em LM e arredores cerca de 1897. Para as concessões de Sommerschield e de Lingham vimos que os seus limites definidos há mais de 120 anos continuam a ter impacto actual na região da grande Maputo e vimos que a concessão de Eiffe na Catembe foi ponto de fricção entre pelo menos quatro países.  Tratei então aqui o tema olhando para a PLANTA, para o mais evidente que aparece na net relacionado com os nomes dos concessionários e juntei alguns dos meus conhecimentos sobre essa época, mas suspeito que pouco mais captei do que a superfície. Como me parece um tema relevante fica o "convite" aos académicos para o aprofundarem por exemplo procurando e vasculhando os documentos oficiais da época. 

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