Embarcações em LM em 1894/95: mais do Com. F. Vieira da Rocha (3/3)

Nos artigos anteriores (aqui e aqui) falámos dos comandantes da lancha Bacamarte e da sua acção no Incomáti inferior durante o final de 1894 e principalmente do início de 1895 até maio.
Neste artigo falaremos mais do seu segundo comandante, Filipe Trajano Vieira da Rocha e começaremos pelo momento em que ele foi chamado a substituir o há pouco falecido tenente Filipe de Sousa. A descrição feita por António Enes (AE) no livro A Guerra de África de 1898 explicará porque o Bacamarte e a sua tripulação são glorificados na história da Marinha e militar portuguesas.
"- Há para ahi outro louco que se sujeite a governar este esquife (caixão)Sujeitou-se o segundo tenente Vieira da Rocha, um rapaz de pouco mais de vinte annos, rosado e louro como uma virgem de procissão, de falas baixas, de aspecto timido; e o novo commandante tornou para o rio, roçando o costado do chaveco pelas brenhas donde rompera a bala que matara Filippe Nunes, e subiu-o e desceu-o por entre linhas de fogo traiçoeiro, apparecendo no porto, no fim de cada viagem, com mais alguns buracos na chaminé, no casco ou nas amuradas do barco, mas sempre prompto para ir experimentar que peso de chumbo fundido em projectis é necessário para matar um homem. O pobre Bacamarte, coitado, nunca tinha fendas nas caldeiras, ou juntas abertas, ou faltas de parafusos na machina, que o impedissem de fazer serviço, porque o commandante transmittíra a sua tempera d'aço frio a toda a guarnição. Só quatro marinheiros attendiam ao motor, às boccas de fogo, ao leme, ás espingardas, e até á cozinha, onde um delles ia fritar ovos ou passar bifes no intervallo de duas descargas do canhão-revolver; mas esses quatro bravos nunca levantavam dificuldades, nunca faziam objecções, nunca se remanchavam (eram lentos), e pagavam-se dos perigos e das canseiras só com a alegria ufana de mostrar na cidade as balas e os zagalotes que tinham apanhado no convez".
A FOTO 1 é do ACTD e é dita ser de Filipe Trajano Vieira da Rocha, sem dúvida o mesmo oficial que vimos em duas fotos nos artigos anteriores (nesta mais jovem e nesta com idade similar):

FOTO 1
Vulto colonial português: Filipe Trajano Vieira da Rocha (ACTD)

Segundo o ACTD a foto de cima fez parte de "Exposição Histórica da Ocupação em 1937: retratos de figuras de campanhas coloniais do séc. XIX e princípios do séc. XX". Essa exposição foi organizada em Lisboa pelo "Ministério das Colónias, no Pavilhão do Parque Eduardo VII em 1937".
Note-se que o ACTD tem um "verso de retrato" com informação sobre um Vieira da Rocha que diz ser Filipe Trajano e que também foi preparado para essa exposição. Nesse cartão é dito ele ter sido Governador de Timor mas vê-se na wikipedia que o único Vieira da Rocha que ocupou esse cargo foi Jaime Augusto Vieira da Rocha (governador interino em 1908), de quem está também uma foto no ACTD aqui. Ora esse "verso de retrato" está junto (next) a esse [Retrato de] Jaime Augusto Vieira da Rocha (1867-1947) pelo que muito provávelmente o ACTD enganou-se ao escrever a qual destes dois Vieiras da Rocha ele diz respeito. É então muito possível que conforme está no verso que Jaime Augusto tenha estado na campanha militar da Maganja da Costa na Zambézia em Moçambique em 1898 (e que ele seja o autor deste livro pois encontro aí uma referência a Timor) mas o "nosso" F. Vieira da Rocha foi outro personagem.
A segunda marca confirmada da presença de F. Vieira da Rocha em Moçambique depois do episódio do Bacamarte aparece numa sua biografia publicada na Revista da Armada"Na delimitação de fronteiras e em missões geográficas e hidrográficas no Ultramar, muitos foram os que deram o seu contributo valioso. O comandante Vieira da Rocha, que já vimos combatente nos rios e no mar, foi um dos pioneiros dos trabalhos geodésicos e hidrográficos no Ultramar. Fez parte de várias missões de 1901 a 1926. Na missão de Barotse, chefiada .por Gago Coutinho ... Vieira da Rocha reconhece o Zambeze por terra, em grande parte a pé, contornando-lhe 300 quilómetros de margens por veses alagadas.
Do estudo "Cem anos de geodesia em Moçambique" de Paula Cristina Santos fica-se a saber que a Missão Geodésica da África Oriental (M.G.A.O.) foi iniciada por Gago Coutinho e que dela se encarregou entre 1907 e 1910 e que ela continuou até 1973 colocando marcas de tipo variado no terreno. Diz esse estudo: "... tendo sido sugerido pelo governador de Moçambique, engenheiro Freire de Andrade, o estabelecimento de uma cadeia geodésica ao longo da costa, desde a fronteira sul até ao Farol do Bazaruto, zona de grande interesse imediato para a resolução de problemas de agrimensura. Chefiada por Gago Coutinho, na altura primeiro-tenente da armada e com a colaboração dos tenentes Sacadura Cabral, que prestava serviço em Moçambique, Filipe Carlos Dias de Carvalho, Filipe Trajano Vieira da Rocha, Dr. Augusto Cunha Rola, médico naval que deveria proceder ao estudo das principais doenças que afetavam as populações de Maputo e Inhambane, aos quais se junta dois anos depois o alferes Jorge de Castilho, esta missão efetuou até 1910, data em que são interrompidos os trabalhos, quatro campanhas num total de 26 meses de mato". 
Já referimos essa M.G.A.O. por exemplo aqui no que respeita à Ponta do Ouro e mostrando aí algumas das 146 fotos relacionadas que o ACTD disponibiliza. Vejamos aqui as seguintes com os seus membros principais identificados:

FOTO 2 

Oficiaes da M. G. A. O.: Rocha, Coutinho, Sacadura, Carvalho (ACTD)

Outra foto tirada no mesmo local e ao mesmo grupo e que já tinhamos visto:

FOTO 3
Banzú [Oficiaes da M. G. A. O.: Rocha, Coutinho, Sacadura, Carvalho] (ACTD)

Nestas duas fotos não é evidente que o senhor da esquerda fosse o mesmo da FOTO 1 ou das dos artigos anteriores. O "nosso" F. Vieira da Rocha (1870 - 1944) em 1908 teria uns 38 anos de idade e esse senhor parece mais velho principalmente na FOTO 2. 
Mas vejamos a foto seguinte também da mesma colecção da missão de Gago Coutinho 

FOTO 4
Tenente Rocha e cemitério de Marracuene (ACTD)

Nesta FOTO 4 trata-se sem dúvida da mesma pessoa que nas FOTOS 2 e 3 e aqui parece mais novo, quer dizer é cabelo rapado e a calvície que o aparentemente envelhecem. É claro que na FOTO 1 em que ele devia ter uns 28 anos e nas dos artigos anteriores Filipe Trajano Vieira da Rocha tinha já umas "entradas" pronunciadas por isso que a queda de cabelo se tenha acentuado com a idade não é grande surpresa mas eu ficaria com certa dúvida que fosse a mesma pessoa se não fosse o que dizem a Revista da Marinha e o estudo de Paula Cristina Santos. 
E há ainda um elemento especulativo interessante para a sua potencial identificação nestas fotos, porque dos membros da M.G.A.O. terá sido esse tenente Rocha e só ele a ser fotografado junto ao cemitério de Marracuene? Se nos lembramos que o tenente Filipe Trajano Vieira da Rocha quase "assistiu" da lancha Bacamarte ao combate, terá antes privado com soldados que depois foram aqui enterrados, que foi ele na sua lancha que levou os feridos para o hospital na cidade, talvez isso explique a sua presença nesta foto. Será, não será?
Voltando às missões militares, na Revista da Armada vê-se aqui que F. Vieira da Rocha, já capitão-tenente teve participação de destaque na primeira guerra mundial na Europa ao comandar o transporte "Pedro Nunes" levando tropas para França. A mesma revista destaca ainda sobre F. Vieira da Rocha: "Como nota curiosa a juntar à sua notável biografia, a de ter desempenhado em 2° tenente o cargo de capitão dos portos da Índia, lugar sempre destinado a um oficial superior. Este ilustre marinheiro atingiria o posto de capitão-de-mar e guerra e possuía, além da 'Torre e Espada",a medalha de ouro de Valor Militar". Sobre a "Torre e Espada" pela acção em campanha, que presumo se tenha devido ao comando do  Bacamarte, precisa ainda a revista que foi uma excepção ele ter sido agraciado com a Comenda tendo em conta o relativamente baixo posto na altura (Comendador é um grau intermédio da ordem). No site da presidência da república portuguesa podemos ver que Filippe Trojano Vieira da Rocha (Capitão-de-Mar-e-Guerra) foi também Grande Oficial da Ordem do Império.
Para além de Jaime Augusto, oficial do Exército (1867, natural de Bragança-1947) e do "nosso" Filipe Trajano, oficial da Marinha (1870, presumo que natural de Castelo Branco onde há uma rua como o seu nome - 1944) houve um terceiro Vieira da Rocha da mesma geração e que também foi militar e prestou serviço em Moçambique. Trata-se de Ernesto Maria Vieira da Rocha (1872, natural de Évora - 1952) que foi general do Exército português e que teve carreira política destacada (ministro da guerra e das colónias) na primeira república. De Ernesto Vieira da Rocha falámos neste artigo pois ele destacou-se na segunda campanha de Gaza na captura de Maguiguana em 1897 e é ele o militar Vieira da Rocha que aparece à esquerda na foto de Mousinho na Ponta Vermelha portando a farda do exército.

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